Mulheres, Beleza e poder

Notícias Magazine

Ponho a pergunta. O que vem primeiro – a força ou o poder? É o poder que traz a força, ou, ao inverso, é a força que, sendo uma caraterística própria, faz com que determinada mulher aguente tudo e faça o caminho do poder?

Leonor Beleza ri-se com aquele riso cavo e elegante que usa para desarmar os interlocutores. Pensa um pouco e responde como faz com todas as perguntas que vão um bocadinho mais ao âmago. Diz que não sabe bem. Como antes já dissera na questão se foi privilegiada por ter nascido numa família de feministas há três gerações, ou se as condições contra a presença das mulheres na Faculdade de Direito de Lisboa aumentaram a sua reação e força.

A conversa com Leonor Beleza publicada esta semana não foi sobre o poder, propriamente dito. Embora esse fosse o subtexto de tudo o que falámos, e da própria entrevista.

A presidente do Instituto Champalimaud é uma das mulheres mais poderosas de Portugal – e mais experientes. Tem, há muitos anos, lugar privilegiado para a observação da sociedade – primeiro na política, depois na vida empresarial e no Direito, e, desde 2004, num organismo de ciência, a Fundação Champalimaud, de que é presidente.

Um percurso, também, muito exposto, sobretudo para uma mulher. É por isso que Leonor Beleza não dá entrevistas, não por dá cá aquela palha. Esta estava pedida há uns bons anos, e fora sempre recusada porque tinha levado o carimbo de «entrevista de vida». A porta foi franqueada porque a entrevista foi novamente pedida, com o guião do feminismo.

E, no fundo, veio dar ao mesmo. Porque a história de Leonor Beleza, infância, juventude, a entrada na política e no PSD, cargos, até o difícil e polémico processo judicial por que passou, a carreira seguinte, essa história está toda marcada pela perceção de que o lugar das mulheres não era o que devia ser e o que havia a fazer para que passasse a ser.

O feminismo é-lhe natural. Mais, ela sempre o apregoou – mesmo em épocas em que isso era blasfemo ou outras em que se julgava que isso apoucava as mulheres com poder. O feminismo de Leonor Beleza não é um feminismo de desfraldar bandeiras, nem vai em modas. É um feminismo fundo, refletido.

Entende-se isso da leitura da entrevista – e da sua audição, já que uma parte passou na TSF e está disponível no programa Conversa Delas. Por vezes até polémico, como é o caso da sua intransigência para com os movimentos islâmicos radicais. Leonor Beleza não teme ser vista como populista quando diz que a fronteira do multiculturalismo são os direitos humanos – e a forma como se trata as mulheres. Ou quando avisa para se ter cuidado com o radicalismo feminino em relação à natalidade, sob pena de as mulheres serem culpadas dos problemas demográficos da sociedade. Ou quando, de brincadeira, insiste em chamar a estas questões «do mulherio».

Como a própria e os seus valores, é um feminismo reformista e não revolucionário. Nisso, será também mais poderoso. Aceitar que determinadas condições existem – mesmo que seja na cabeça da maioria das pessoas –, que a sociedade é, ou está, assim, é uma das formas de mudá-las. Talvez das mais suaves, não das menos eficazes. Mudar as coisas aos poucos, com a força de cada um e cada uma. Como dar entrevistas a falar disso, por exemplo.