Cem anos de Kennedy

Texto de Leonídio Paulo Ferreira, em Boston Fotografia de Getty Images

A jovialidade de John Kennedy continua a sobressair no debate televisivo com um sisudo Richard Nixon, um acontecimento de 1960, filmado a preto e branco, que todos os dias passa sem cessar no museu que homenageia o 35º presidente dos Estados Unidos. Esta é a sala que retém mais tempo os visitantes da Biblioteca Presidencial John Fitzgerald Kennedy, um edifício branco junto à Universidade do Massachusetts, em Boston, projetado por I.M. Pei, célebre arquiteto sino-americano que, curiosamente, nasceu em 1917, o mesmo ano de Kennedy.

Pei celebrou em abril 100 anos, a mesma idade que completaria amanhã Kennedy se fosse vivo. É uma data que não podia ser esquecida e há meses que os visitantes da biblioteca presidencial podem comprar na loja do museu todo o tipo de objetos celebrativos, desde a caneca até às T-shirts azuis com a inscrição «JFK 100». O centenário atrai ao local mais visitantes do que os habituais, mas o museu dedicado ao único presidente católico dos Estados Unidos é há muito uma das atrações de Boston, cidade que se avista no outro lado da baía que Kennedy adorava cruzar em veleiro. Para aqui chegar, a partir do centro da cidade, são uns vinte minutos na linha vermelha do metro e mais dez minutos num autocarro gratuito que serve a UMass Boston e que tem igualmente paragem no novo museu dedicado a Ted Kennedy, o «leão do Senado» que morreu em 2009 e era o irmão mais novo de JFK.

A família Kennedy é, aliás, tema da primeira sala da exposição da biblioteca presidencial, edifício que serve de repositório aos documentos do presidente (e muito consultados por historiadores) e de museu popular a realçar a vida e obra, cheia de memorabilia. Fotografias a preto e branco recordam que o clã tem origens na Irlanda e uma delas mostra mesmo o casal Joseph e Rose com os filhos. John, nascido a 29 de maio de 1917, era o segundo de nove. Nessa imagem de grupo também surge Bob, futuro procurador-geral e que seria um dia assassinado tal como o irmão, e Ted, então criança.

Há fotografias de JFK miúdo, a contar que desde cedo começaram os problemas de saúde que mais tarde a vida política obrigaria a esconder. Há também a descrição dos fracos resultados escolares de um rapaz da aristocracia bostoniana com um QI elevado mas que preferia os desportos náuticos aos livros, embora acabasse por ser admitido em Harvard e até ter a sua tese publicada. Claro, um exemplar de Why England Slept surge exposto, explicando que Kennedy, estudante de Relações Internacionais entre 1936 e 1940, analisou a demora da Inglaterra a reagir ao rearmamento da Alemanha. Na altura, o pai era embaixador em Londres.

A época em que JFK cresceu não é esquecida, com a reprodução das montras de lojas típicas da América dos anos 30, 40 e 50 do século XX, como a Lee’s Variety, que vendiam desde as meias de nylon às pastas de dentes. Está exposto ainda um disco de Chubby Checker, Twistin USA, que marcou 1960.

JFK foi condecorado por bravura em combate na Segunda Guerra Mundial.

Para a construção, primeiro do político e depois do mito, foi importante a condecoração na Segunda Guerra Mundial, quando Kennedy, comandante de um barco de patrulha nas ilhas Salomão, lidera a fuga a nado dos seus homens depois de terem sido atacados pelos japoneses. Sublinha o seu principal biógrafo, Robert Dallek, que as dores crónicas de costas que tiveram de ser tratadas com químicos durante a presidência surgiram em consequência desse episódio.

A guerra, como é contado na exposição, teve outra consequência na vida de Kennedy: a morte do irmão Joe, piloto de aviões, forçou Joseph, o ambicioso patriarca da família, a apostar no segundo filho como político, já de olhos na presidência. E tudo fez para que isso acontecesse, usando a fortuna que acumulou com investimentos na bolsa.

Primeiro membro da Câmara dos Representantes, depois senador pelo Massachusetts, JFK surge na ribalta em 1956 quando tenta ser designado candidato a vice-presidente pelo Partido Democrata. Mas é a campanha para as presidenciais de 1960, contra o republicano Nixon, que mais material fornece ao museu. São vários os vídeos de campanha, num deles até aparece Jackie a apelar ao voto em espanhol. A hoje mítica primeira-dama, com quem se casara em 1953, brilha ainda em várias fotografias e através dos vestidos expostos e também de presentes que recebeu de líderes estrangeiros, como uma mala de ouro e esmeraldas oferecida por Hassan II, rei de Marrocos.

Presidente mais novo do que Kennedy apenas Teddy Roosevelt, que não foi eleito – era vice-presidente de William Mckinley quando este foi assassinado em 1901, tendo ascendido à presidência. Depois concorreu e venceu as eleições.

Depois de se ver o vídeo em que JFK esmagou Nixon, nada como olhar para a reprodução do estúdio televisivo em que Walter Cronkite anunciou em novembro de 1960 a eleição do mais jovem presidente dos Estados Unidos, o primeiro nascido no século XX. O mapa do país pintado com os tradicionais azuis e vermelhos mostrava ainda o Sul (do vice-presidente Lyndon Johnson, um texano) a votar democrata. Também é explicado o impacto da hostilidade em parte do eleitorado por Kennedy ser católico, mas como o voto negro compensou essas perdas em estados importantes. Resultado final: vitória à tangente no voto popular.

JFK em reunião de trabalho na Sala Oval, com o pequeno John a brincar debaixo da secretária. Kennedy teve três filhos, mas um morreu pouco depois de nascer. John morreu num acidente de avião já adulto e Caroline, que tem 60 anos, foi até há pouco tempo embaixadora dos EUA no Japão.

A presidência é relembrada com alguns dos êxitos de JFK. A Freedom 7 de Alan Shepard está aqui a relembrar um astronauta que foi ao espaço em vida de Kennedy e mais tarde pisou a Lua, como o presidente tinha prometido que os Estados Unidos conseguiriam. Também um mapa a mostrar os pontos de tensão, desde Cuba ao Vietname, passando por Berlim. É notável a objetividade das legendas, respeitando a leitura dos historiadores sobre os sucessos e fracassos da presidência dos mil dias (exceção são os casos amorosos).

Kennedy com o líder soviético Nikita Khrushchev e com o Papa Paulo VI – JFK foi o único presidente católico dos EUA. A política internacional apaixonava-o muito mais do que a política interna.

Marcantes as imagens do encontro com o papa Paulo VI e com o líder soviético Nikita Khrushchev (adversário em 1962 na crise dos mísseis Cuba), se bem que muitos visitantes parem antes para ver o filme de JFK a nadar com os filhos Caroline e John.

A morte, a 22 de novembro de 1963, em Dallas, é contada sem alarido, apesar de ter dado origem a tantos filmes e teorias da conspiração. Um corredor pintado de negro, com ecrãs embutidos, passa imagens. O funeral, onde se vê Jackie e as crianças e também um imponente Charles de Gaulle, herói da Segunda Guerra Mundial e futuro presidente francês. Foi enterrado no Cemitério Militar de Arlington, em Washington.

Uma réplica da Sala Oval na época de JFK obriga o visitante a refletir: porque é este presidente ainda hoje tão popular? A lenda continua viva e quando os americanos são inquiridos colocam Kennedy entre os grandes presidentes. Ted Sorensen, amigo e biógrafo, deixou-nos outra ideia, que o homem era maior do que a lenda: «Era um grande homem – muito maior do que se pensava – e todos nós somos melhores por termos vivido no tempo de Kennedy.»

AS BIBLIOTECAS PRESIDENCIAIS

A par do livro de memórias que vai escrever e das constantes palestras para que é convidado desde que saiu da Casa Branca a 20 de janeiro, Barack Obama terá nos próximos anos como grande preocupação a sua Biblioteca Presidencial, que, já se sabe, será edificada em Chicago, no Illinois. Desde Herbert Hoover, que deixou de ser presidente em 1933, todos os ex-presidentes americanos criam uma espécie de museu que os homenageia e serve também de arquivo aos seus documentos oficiais. O Texas é o estado que conta com mais bibliotecas presidenciais, pois alberga as de Lyndon Johnson e dos dois George Bush (pai e filho). A de Kennedy (na fotografia) fica em Boston, capital do Massachusetts.

O jornalista viajou a convite da FLAD