Os que costumam calar-se falam agora

Notícias Magazine

Ninguém sabe, como um bom repórter, quanto vale uma boca calada. Calar-se permite observar melhor, receber informação por todos os sentidos: olhar, ouvido, cheiro e até o tato. Um jornalista gosta de ficar invisível. Esta posição permite ter tempo para perceber o que se passa, ou passou, e nem sempre pode ser apreendido à primeira.

Por isso, na cobertura dos incêndios, as melhores reportagens são as escritas, embora as mais impactantes sejam as televisivas. Nas televisões grita-se demais, gesticula-se demais, fazem-se perguntas demais. Tudo na tentativa de uma explicação tão realista quanto possível. Vã, porque devido a essa voragem de informação acabamos por ser confrontados com uma imagem tipificada que não corresponde às nuances da realidade. Veja-se a linguagem repetida de canal para canal, inferno dantesco, teatro de operações, perímetro de segurança…

Percebemos rapidamente que o que é apresentado foi modificado por essas perguntas serem feitas. O efeito é o de um agente reativo numa experiência química. Por isso não temos nada a ganhar, nestes momentos de tragédias, por haver menos reportagens escritas, e mais vídeos, daqui e dali, vídeos em direto no Facebook, vídeos por todo o lado, a aparecer em pequenos quadradinhos nos nossos ecrãs a toda a hora. Precisamos do tempo da escrita para perceber.

Os jornalistas que cobrem hoje as tragédias estão num lugar muito difícil. Expostos à dor e ao drama, aos seus próprios sentimentos, e aos olhos do público, que é cada vez mais crítico e opinativo. Estão praticamente tão expostos e são tão criticados como as autoridades, os políticos, os madeireiros, a fileira da celulose… todos a quem se puder apontar o dedo e com isso aliviar a consciência.

Antigamente, as críticas eram de café e sofá. Hoje são públicas, circulam na internet, e quem não viu quem terá pisado o risco à primeira é logo alertado para o fazer. Nas redes sociais, por estes dias, atiram-se pedras. Algumas acertam nos jornalistas e na cobertura. Muitos dos que se queixam do jornalismo sentado acabam por se queixar dos que andam por aí em busca de uma história e que muitas vezes são pressionados a elevar o tom, pelas audiências – online, televisivas –, pelas circunstâncias, pela emoção, quem sabe?

Nesta edição publicamos o lado B de tudo isto. Pedimos aos jornalistas do grupo Global Media para saírem do silêncio e contarem o que viveram e sentiram. Com textos e fotos desses dias de brasa. Pedimos-lhes que largassem esses bastidores de onde costumam olhar o mundo para tomarem o palco e falarem com os nossos leitores. O resultado é um conjunto de relatos obviamente emotivos, mas também racionais, de pessoas que já viram muita coisa, mas poucas como as da última semana.