Sabe que os bebés têm uma linguagem secreta?

Joana Rombert
Joana Rombert

E nós podemos aprendê-la com o novo livro da terapeuta Joana Rombert.

Um bebé chora porque tem fome? Sono? Sente cólicas? E como podem os pais falar-lhe de amor se ainda não há palavras que ajudem? Joana Rombert, terapeuta da fala e familiar, escreveu um livro sobre a linguagem mágica dos bebés, desde que nascem até aos 3 anos. Para saber exatamente o que lhe diz o seu.

_ Desde a barriga da mãe que os bebés comunicam de forma muito competente com os pais. Todos eles vêm equipados para se relacionar com o mundo?
Nascemos todos com esse dispositivo inato para nos relacionarmos, sim. Ainda na vida intrauterina, há uma altura em que o bebé começa a dar pontapés, a dizer: «Mãe, estou aqui. Queres brincar comigo? Dá-me conversa.» As mães lembram-se sempre desta comunicação na barriga. E é tão importante que ao fim de nove meses, quando nascem, são já bebés extremamente competentes: se tiverem a mãe de um lado e uma técnica do outro, e ambas disserem «bebé», eles viram-se automaticamente para a mãe. Fazem o mesmo com o pai, embora prefiram a voz da mãe por ser mais mais aguda e por a terem ouvido mais tempo. Os pais ficam maravilhados quando veem o bebé conversar assim connosco e lhe percebem o temperamento. Vêm equipadíssimos.

_ O que é que os pais sabem agora, acerca desta linguagem mágica dos seus filhos, que teria feito falta aos nossos pais saberem?
Todos os pais querem o melhor para os filhos. E todos continuam a ser inseguros, sobretudo se forem pais de primeira viagem – nada disso mudou. O que mudou é que hoje em dia os pais colocam mais naturalmente o bebé no centro do mundo. Veem-no como a pessoa única que é, com o seu temperamento individual, e aprendem a respeitá-lo como um guia que lhes diz, a cada etapa, aquilo que precisam de fazer. É isso o mais importante, construir essa comunicação e saber que tanto os pais como o bebé estão a dar o seu melhor. A sintonia traz confiança, mas os momentos dessintónicos também são vitais na descoberta de quem é quem na relação. «Ai agora não percebi este choro? Pois vou perceber o próximo.» O vínculo nasce desta disponibilidade entre eles.

_ Muitos receiam que abraçar e estimular os bebés nos primeiros meses os encha de manhas, quando na verdade é fundamental para o seu desenvolvimento…
É imprescindível. O toque, a maneira como damos banho ao bebé, como olhamos para ele, o aconchegamos, tudo isto é comunicação. Aos 3 meses eles já sabem distinguir um tom de voz mais brusco dos pais, reagem a isso de maneira diferente. Se choram para serem ouvidos e os pais respondem aproximando-se, tocando-lhes, dando-lhes colo ou uma massagem, alimentando-os, vão sentir-se amados e seguros num mundo onde ainda são capazes de se sentir um pouco confusos. Aprendem a confiar na família. O que os bebés nos estão a dizer, ao pedirem este contacto, é que gostam tanto daquelas pessoas que querem tê-las sempre por perto.

_ A comunicação com o segundo filho tende a ser mais fácil? Ou é provável que os pais andem de novo às aranhas?
Costuma ser mais descansada porque os pais não dão tanto significado às interações. O terceiro filho, então, é atirado para um canto [risos]. Sou terceira filha, sei do que falo. O que se passa é que o mais velho teve a atenção dos pais só para si, mais oportunidades de diálogo: é natural adquirir um vocabulário amplo e cuidado, com frases complexas, bem construídas. Por outro lado, o primeiro serve de exemplo ao segundo e este acaba por desenvolver mais cedo as suas competências comunicacionais, além de ter experiências mais ricas de interação e conversação múltiplas: exprime bem o «eu quero» e o «é para mim», usa pronomes mais cedo, etc. Um terceiro filho aprende a interagir com os outros dois sem grandes pressões, ao seu ritmo, e tende a ser ainda mais criativo a comunicar. Claro que todos os irmãos têm o seu papel na fratria, mas o lugar do meio é o melhor porque leva a responsabilidade e também o andor. Se perguntar aos miúdos, quase todos queriam ser o filho do meio.

_ Existe uma linguagem diferente em bebés que nascem prematuros, têm irmãos gémeos ou ouvem mal? O que muda nestas circunstâncias?
Muita coisa. Com um bebé de termo, a mãe é capaz de ficar ali horas a olhá-lo e a dizer olá, a puxar por ele, num namoro infindável. Aproveita todos os momentos que está acordado para estimulá-lo e o bebé adora esta agitação. Um prematuro, mais imaturo, não reage da mesma forma: precisa de dormir muito mais para se desenvolver, cansa-se facilmente. Às vezes basta a mãe pegar-lhe ao colo, pôr o rosto diante dele e falar-lhe, tudo ao mesmo tempo, para o bebé entrar num sono profundo como defesa. Com os prematuros é muito importante os pais estarem atentos às reações para irem ajustando a duração e a intensidade dos estímulos.

_ No caso dos gémeos, a diferença é que volta a não haver uma interação de um para um…
E além de o tempo de atenção conjunta com os pais ser menor, por serem dois ou três bebés de uma vez, quase todos os gémeos desenvolvem ainda um linguajar secreto que só eles entendem. Podem estar horas a “conversar” um com o outro sem se interromperem, maravilhados com o balbuciar um do outro. Isto atrasa com frequência a primeira palavra, mas por outro lado dota-os muito cedo das regras básicas da conversação.

_ E tratando-se de bebés que ouvem mal?
Passam pelas mesmas etapas das crianças que ouvem bem até chegarem à fase verbal. A partir daí deixam de conseguir treinar os sons específicos da sua língua materna justamente por não conseguirem ouvir feedback da sua própria voz nem resposta ao que produzem. Hoje em dia todos os bebés fazem um rastreio neonatal, porque podem nascer com alguma dificuldade auditiva – não quer dizer que seja logo uma surdez. Quanto mais cedo forem diagnosticados, melhor será para o seu desenvolvimento.

_ Quais são os vários sinais de alarme a que os pais devem estar atentos ao longo do desenvolvimento da criança?
Tenho sempre receio de listar estas coisas porque os pais vão logo verificar se o bebé faz ou não faz, e cada criança é única. Não existe um padrão. É preciso ver caso a caso, etapa a etapa. Posto isto, e uma vez que falávamos de problemas de audição, há uma janela entre os 6 e os 9 meses em que os bebés repetem sons – «mamama», «bababa» – e depois começam a fazer um balbucio diversificado: «Mapataca.» Se o bebé está muito calado mesmo que o estimulemos, ou num balbucio monocórdico – «mmmm» –, esse é um sinal sério a ter em conta. De resto, eu diria que dois fatores muito importantes são a intensidade/exuberância e o predominar de um sinal, independentemente da idade. Se a criança palrou muito pouco e quase não emite sons, é de alarmar. Se chegou aos 12 meses e ainda não disse a primeira palavra, já não, apesar de ser essa a média esperada. Há bebés que o fazem com 9 meses, outros aos 15, outros até aos 18. Se aos 18 meses ainda não diz nada inteligível, então é de ver o que se passa no seu desenvolvimento.

_ Diz que a criança não se desenvolve de forma contínua, linear, mas por etapas em que ocorrem avanços e recuos no desenvolvimento. Quais são estes pontos-chave?
Isto tem a ver com o modelo de desenvolvimento de Berry Brazelton, um conceituado pediatra norte-americano que é muito a minha inspiração. Para mim faz todo o sentido a noção de etapas, como se a criança se desenvolvesse por escadinhas em vez de numa diagonal ascendente perfeita, e em que cada degrau é um ponto de viragem a que chamamos touchpoint. O que acontece nesses pontos-chave é que há momentos de regressão que permitem um salto evolutivo para a etapa seguinte. Por exemplo, os 4 meses são um touchpoint em que o bebé quer virar-se para fora, e então começa a dormir e a comer pior do que até ali por estar mais interessado em apreender o mundo que o rodeia. Isto gera alguma angústia nos pais, mas é assim mesmo. Cada momento destes é uma janela de oportunidade para ajudarem o seu bebé a crescer: dos 0 aos 3 meses, aos 4, aos 7, aos 9. Aos 12, 15 e 18 meses. Aos 2 anos, 3, até aos 6 anos. O Brazelton considera que a própria adolescência é um touchpoint.

_ Como explicar que uma mãe saiba quase sempre o que o seu bebé lhe quer dizer? É mérito da mãe que interpreta ou do bebé que comunica?
É mérito dos dois, e eu acho que surge desta sintonia, deste enamoramento e desta paixão que existe entre uma mãe e o seu bebé. Quando nasce, já se conhecem. Sempre que vou às enfermarias vejo as mães passarem horas a fio a olharem para eles, horas! Fixam-lhes cada pormenor, o cheiro, tudo. Ouvem um bebé chorar e sabem logo se é, ou não, o seu. É uma coisa natural. Está dentro delas. Porque também as mães nasceram com a mesma capacidade inata que os filhos trazem para comunicar e se relacionarem.

_ Passa-se o mesmo com o pai, sem tirar nem pôr?
Depende muito dos pais e das mães. Não existe um padrão, nem vemos já tantos estereótipos como no tempo dos nossos pais, em que o homem só mudava uma fralda para fazer um jeitinho à mãe. Hoje o pai assume cada vez mais um papel ativo na vida do seu bebé. Mas depois, se o casal está a dormir e a criança chora, é sempre a mãe que salta disparada a acudir, na maioria das vezes o pai nem ouve. A verdade é que aquele bebé fez-se gente na barriga da mãe. Ela sabe sempre se ele está bem ou não, tem a ver com o cordão umbilical que se forma a vários níveis durante a gestação. É sempre possível criar relação, mas não é igual nem se pretende que seja. Pais e mães são únicos.

_ A forma como eles comunicam com os filhos e as filhas também é distinta. Porquê estas diferenças entre géneros?
Se pensarmos num homem, imaginamos força física e confiança. Pensamos numa mulher e imaginamos emoções, sentimentos. Vai daí que se uma filha chega ao pé do pai e lhe diz que tem sede, ele responde-lhe assim: «Queres um copinho de água, que o pai dá?» Ao passo que a um filho é bem capaz de dizer: «Tens sede? Vai à cozinha e serve-te, que tens lá água.» Falamos claramente de maneira diferente com os rapazes, usando frases mais curtas, funcionais e objetivas. Não há cá tantas flores, tanta conversa. A própria forma de eles comunicarem é diferente, apesar de percorrerem as mesmas etapas das raparigas no desenvolvimento da linguagem: nos primeiros anos de vida, é normal o discurso das meninas ser mais percetível, rico e adjetivado. E não se pense que apenas os pais homens fazem esta diferenciação, porque com as mães é igual.

_ Televisão, computador, tablets e smartphones: sim ou não? E a partir de que idade?
A tecnologia rodeia-nos. Mal o bebé nasce, tiramos-lhe logo uma fotografia com o smartphone para o conectarmos ao mundo. A questão é saber aproveitar isto para a comunicação, o bem-estar e a aprendizagem das crianças, e aqui nada como haver bom senso e algumas regras. A começar pelo facto de dever estar sempre um adulto perto a conversar sobre o que estão a ver. Há ótimos programas e aplicações infantis, mas é nesta interação que se vai estimular a criatividade tendo em conta o nível de desenvolvimento linguístico da criança. Explicar o enredo é meio caminho para o munir de vocabulário, significados, gramática. Outro ponto fundamental é nunca deixar um filho entregue à televisão ou ao iPad durante tardes a fio. Não havendo a tal comunicação ativa de que precisa para se desenvolver, é sempre um risco.

_ Estamos a exigir demais dos nossos bebés?
Acho que sim. Admito que alguns pais precisem de mais linhas orientadoras do que outros, mas custa-me pensar que se possa ensinar-lhes algo tão natural como conhecerem o seu bebé para construírem com ele uma sintonia baseada no amor. A parentalidade não vem propriamente com manual de instruções, não é? Nem podemos viver angustiados com as expetativas que criamos em torno dos filhos, quando só precisamos de aprender a senti-los para lhes irmos decifrando os comportamentos. O meu conselho vai no sentido de termos mais confiança em nós, enquanto pais. E nos nossos bebés. Eles dizem-nos tudo o que precisamos de alcançar se soubermos ouvi-los.

27023329_binary_gi31012017nunopintofernandes000000011pixlrJOANA ROMBERT
Licenciada em Terapia da Fala pela Escola Superior de Saúde do Alcoitão em 2001, seguiu para a Universidade de Vic, em Madrid, para uma pós-graduação em Terapia Miofuncional (a especialidade que reabilita as disfunções neuromusculares na estrutura facial para adequar as funções da fala). É ainda formada em Terapia Familiar Sistémica pela Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar. Atualmente trabalha no Hospital de Santa Maria (Departamento de Pediatria Médica na Unidade de Neurodesenvolvimento e Cuidados Intensivos Neonatais) e colabora com a Fundação Brazelton/Gomes-Pedro, onde faz formação e investigação na área das ciências do bebé e da família. Além de A Linguagem Mágica dos Bebés, o seu livro mais recente, é autora de O Gato Comeu-te a Língua? (Esfera dos Livros) e coautora de Método DOLF: Desenvolvimento Oral Linguístico e Fonológico e da coletânea Ouvir, Dizer e Escrever (ambos da Papa-Letras).

capa-livroA Linguagem Mágica dos Bebés
Joana Rombert
Ed. A Esfera dos Livros, 2017
320 páginas
18,90 euros