Joana Barrios: a mãe fixe que trouxe as ervas do Alentejo para as sopas dos filhos (vídeo)

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Texto Maria João Caetano

Quando a filha Mercedes começou a comer os primeiros alimentos sólidos, ela descobriu o maravilhoso mundo das sopas para bebés. «As pessoas geralmente fazem um creme de legumes e depois põem peixe cozido lá para dentro. Ou carne moída. Tu comerias isso? Eu não.» Então, decidiu experimentar uma coisa diferente. Porque não fazer uma sopa de peixe semelhante àquela que ela própria comia? Uma espécie de caldeirada, que pode ser feita com corvina, robalo ou com outro peixe qualquer e legumes variados.

Mas, mais importante do que tudo, Joana é mãe de duas crianças, a Mercedes, com 2 anos e meio, e o Álvaro, que nasceu há menos de um mês.

«A comida dos bebés não tem de ser assim tão diferente da nossa», diz Joana Barrios. Vai daí, resolveu partilhar com o mundo a ideia de que cozinhar para os mais pequenos não tem de ser um drama: fez um livro de receitas, a que chamou Nhom Nhom, a expressão que os amigos usam para definir a comida saborosa que prepara.

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Joana Barrios tem 31 anos, é atriz e figurinista, trabalhando acima de tudo (mas não só) com o Teatro Praga, em Lisboa. É também autora do blogue Trashédia, onde fala de moda, de estética e de tudo o mais que lhe apetecer, e uma das apresentadoras do programa Super Swing, no Canal Q.

Mas, mais importante do que tudo isto, Joana é mãe de duas crianças, a Mercedes, com 2 anos e meio, e o Álvaro, que nasceu há menos de um mês. Por isso, pela vida que tem, pelo marido, Carlos, Joana garante que é feliz. E está a viver tempos felizes.

«Ser mãe é uma felicidade tremenda. Os filhos são incríveis.» Incríveis. Mesmo quando as coisas não correm como previsto. A Mercedes não nasceu de parto natural mas de cesariana, Joana queria muito dar-lhe de mamar mas correu tudo mal e logo teve de lhe dar biberão. «Quando começámos a ver que ela ficava com fome só com o leite a pediatra disse: “Podem dar-lhe umas papinhas, mas eu não sou nada a favor das papas de pacote, se puderem façam umas papas de aveia, de milho, de arroz.” Eu já fazia isso para mim, por isso não custou nada. E foi aí que comecei a fazer comida para ela. Num instante passou para as sopas.» Quem gosta de cozinhar sabe exatamente o que Joana quer dizer com isto: «Começar a cozinhar para a minha filha constituiu um motivo de grande alegria e entusiasmo.»

Comer e cozinhar fazem parte da sua identidade. Sobretudo desde que, com 12 anos, os pais se tornaram donos do Monte Alentejano, em Montemor-o-Novo, um restaurante de comida típica alentejana. «É uma comida de raiz muito pobre, é tudo assim em modo alquimista, umas ervas fervidas com uns alhos e faz-se algo maravilhoso.» E ela passou muitas horas no restaurante, a ver como se faz e a experimentar fazer: «Quando eu saía da escola, largava a mochila e ia para a cozinha ter com o Chico, que era um cozinheiro fantástico e que tinha imensa paciência.» E começou assim. Primeiro com as coisas mais simples, como enrolar as empadas: estender a massa, pôr nas formas, encher de massa.

Seguiram-se os bolos. As cernelhas, «umas queijadas supersecretas», com uma massa muito fina e muito difícil de esticar sem partir. «Os desafios iam aumentando de dificuldade.» Aprender os pontos de açúcar para os doces conventuais, fazer uma encharcada, acertar com a cozedura da sericaia e do pão de rala.

Tomou-lhe o gosto. E mesmo quando se mudou para Lisboa para estudar na Escola Superior de Teatro e Cinema, mesmo quando os livros, a música e os espetáculos se tornaram o centro da vida dela, Joana continuou sempre a cozinhar, a experimentar, juntando o tofu às ervas aromáticas. Os seus cozinhados «nhom nhom» tornaram-se famosos entre os amigos.

O marido, Carlos, fotógrafo profissional, fez as imagens do livro. Joana cozinhou tudo. Os amigos (e a filha Mercedes) provaram. E durante alguns meses, a cozinha da família, com um bebé a caminho, tornou-se estúdio e laboratório de experiências.

«A comida faz parte da minha educação e da forma como lido com quase tudo.»
E, naturalmente, a comida é também uma parte importante de ser mãe. «A maior parte das pessoas não cozinha, ninguém cozinha para ninguém. Fui perguntando às pessoas e apercebi-me de que isto de dar de comer aos miúdos é difícil para a maioria. Não sabem o que fazer. Há uma modalidade muito boa que é: “As avós fazem e nós trazemos.” Toda a gente pratica essa modalidade.»

Mas ela cozinhava, ela gostava de cozinhar. Só precisava de perceber o que cozinhar para a filha. «Comprei alguns livros de receitas para crianças e tinham ingredientes que não se encontram nem na minha despensa nem nos supermercados da minha zona. Pastinacas, por exemplo. Eu não como pastinacas.»

E foi assim, por força das circunstâncias, e recorrendo à enorme experiência entre tachos e panelas, que Joana foi construindo as receitas para os filhos. Feitas de intuição. Sem medidas. Tudo a olho. E com umas regras básicas, como não usar sal nem açúcar. E também evitando a comida processada, o que já fazia antes.

«Eu jamais comeria puré de batata congelado, quanto mais daria aos meus filhos. É tão simples fazer e tão melhor, não consigo perceber. E as crianças têm muito tempo [quando crescerem] para comer essas porcarias, bolos, bolachas, essas coisas todas.»

Uma das regras deste livro é que as cerca de oitenta receitas que ali estão são para os pequenos mas também para os crescidos.

E, finalmente, dito isto tudo, mais uma regra de ouro: nada de fundamentalismos. Joana também come uns bolos comprados de vez em quando. E também come «gomas e outras porcarias». Mas fá-lo com consciência. «O maior problema da maternidade é quando tu queres fazer tudo certo porque existe uma pressão enorme. Uma daquelas ditaduras invisíveis terrificas. Toda a gente te vai criticar. Não podemos ficar a pensar nisso. Faço o melhor que posso. É óbvio que te informas, vais ler, vais ver. E depois fui improvisando, fui descobrindo. E tentas que a educação se encaixe na vida da forma mais harmoniosa.»

Foi o marido e os amigos – que recorriam a Joana quando tinham dúvidas sobre o que confecionar para os filhos – que a incentivaram a pôr as suas receitas num livro. Durante meses, foi para a cozinha munida de papel, caneta e uma pequena balança para anotar tudo o que fazia instintivamente. Enquanto o Álvaro ia crescendo dentro da barriga da mãe, a cozinha lá de casa transformou-se em laboratório: Joana cozinhava, o marido, fotógrafo profissional, captava os pratos e os amigos eram convidados para comer – uma das regras deste livro é que as cerca de oitenta receitas que ali estão são para os pequenos mas também para os crescidos.

«Comprei alguns livros de receitas para crianças e tinham ingredientes que não se encontram nem na minha despensa nem nos supermercados da minha zona.» Foi assim, por força das circunstâncias, recorrendo à experiência entre tachos e panelas, que Joana foi fazendo as receitas.

Nhom Nhom, o livro, que já está nas livrarias, existe para que as pessoas saibam que podem dar caldeirada às crianças. E migas. E atum. E para que percebam que podem fazer aquilo que quiserem. «Tudo aquilo que aqui está tu podes perverter. O mote do livro é: a base é esta, o processo é este, agora faz como quiseres. O ideal, se não tiveres um ingrediente e não conseguires substituir, é baixar o lume e ires ali à loja da dona Amélia comprar. As compras certas são os teus ingredientes preferidos com a melhor qualidade possível. Este livro é para afastar os medos. Podes passar a vida a fugir dos refogados, mas de vez em quando refoga umas coisas, é fixe e dá sabor. Não faças só grelhados e cozidos para não enjoar. Não te prives, não vale a pena.»

Experimentar, errar, aprender (ou não). Na cozinha, como na vida, é o que diz Joana Barrios, vale sempre a pena arriscar.

A porteira-atriz-blogger

Durante três anos, entre 2010 e 2013, Joana Barrios foi porteira na discoteca Lux, em Lisboa. Era um ordenado certo ao fim do mês, o que lhe permitia fazer os espetáculos que queria e até aceitar alguns trabalhos sem remuneração.

Logo ela, que sempre preferiu as manhãs. Foi cansativo, mas a experiência foi fabulosa: «Aquilo é uma grande ficção. Eu tinha a minha personagem mas as pessoas quando saem à noite também estão num jogo de ficção, é um espaço de catarse. Aquilo é pesado. Levas ali com três ou quatro mil pessoas por noite e são infinitos “boa-noite”, infinitas conversas.» Depois, achou que era altura de parar.

Entre a carreira de atriz e as outras coisas todas que faz, Joana gostava de conseguir investir mais no seu blogue Trashédia, transformá-lo numa plataforma hiper-experimentalista, com muita informação, dando trabalho a outras pessoas e dando largas à sua escrita, ao mesmo tempo tão reflexiva e com tanto humor.