Post factum

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Nunca engracei com conceitos estanques e ideias seladas. Acho sempre que tudo se pode questionar e pôr em xeque, porque é essa dúvida que deriva numa procura constante de algo que nunca terá fim, mas que vai deixando pelo caminho pequenos redutos de criação.

Eu procuro um fim, mas sei que chegando a ele baralho tudo outra vez, questiono-lhe a meta, furo-lhe as fronteiras e aí vou, lançada na busca de outros fins, alternativos, sempre. No meio de tudo isto surgem peças acabadas, ideias que geram formas e deixam obra. Esses são os meus factos. Os pontos que vou deixando pelo caminho que traço e que nunca terá fim. O caminho é alternativo, os pontos são definitivos, marcas de um tempo que encontrou o seu fim antes de procurar um recomeço.

Sempre me disseram que o pensamento criativo era muito diferente do pensamento científico. O primeiro, subjetivo, portanto, sujeito aos desmandos do ser e do querer; o segundo, objetivo, obrigado a seguir os preceitos do que é ainda antes de se saber a razão pela qual o é assim.

Acho graça a esta nova corrente de pensamento que mistura os dois, o criativo e o científico, para criar aquilo a que chama de «factos alternativos». Como se estivéssemos a criar um mundo com regras e leis naturais que se subjugassem à vontade e aos caprichos do sujeito que o observa.

É um bocadinho como quando somos crianças e temos aquelas birras de fedelhos mimados, achando que tudo se resume ao nosso desejo e subjugando a vontade dos outros à força do grito.

Ou então um golpe de génio e a criação de uma nova corrente filosófica, que engloba também um novo método científico e que, portanto, celebra o pensamento filosófico-científico, sendo a máxima maior pela qual se rege a de que se eu quero, logo existe. A vontade é a prova científica na qual os factos alternativos se apoiam. Eu construo o mundo, o mundo não se constrói a si. Muito menos o mundo se constrói sem mim.

Pensemos pausadamente sobre isto, porque Deus sabe que os seguidores desta nova corrente nunca conseguirão fazê-lo. Comecemos pela análise da foto, lembrando Woody Guthrie, um cantor muito alternativo nos idos anos 1940 e que colou na sua guitarra o seguinte facto: «This machine kills fascists» («Esta máquina mata fascistas»). Acho que foi o que ouviu dizer no Canal Panda.

[Publicado originalmente na edição de 5 de março de 2017]