Eles não têm Facebook, mas existem

O Facebook comemora 13 anos de existência. Com mais de mil milhões de utilizadores em todo o mundo – e quase cinco milhões em Portugal -, é a maior rede social do planeta. Mas há quem viva do lado de fora. E não queira mesmo entrar, Sim, é possível.

Estamos sempre ligados. Temos a internet no bolso e uma enorme dificuldade em viver fora das redes sociais. Até já se comenta que o que não está no Facebook não existe. Partilhamos tudo: o que sentimos, o que vimos, o que comemos, as nossas aspirações ou sucessos profissionais, entre tantas e outras coisas. A rede social alimenta conversas diárias, gera polémicas, controvérsia, permite‑nos estar à distância de um clique de amigos de longa data, colegas de profissão, empresas, marcas, produtos, num infindável leque de opções.

Segundo o Facestore, «o número de utilizadores em todo o mundo já ultrapassou os mil milhões de utilizadores. Em Portugal, contabilizam‑se cerca de 4,7 milhões de utilizadores, posicionando‑se em 34º na lista de países com acesso ao Facebook, liderada por Estados Unidos da América, Brasil e Índia». Em Portugal, segundo o estudo Os Portugueses e as Redes Sociais 2016, publicado em setembro do ano passado pela Marktest, e em números absolutos, tem havido um aumento de utilizadores.

«Se em 2011 o nosso estudo estimava em 2,925 milhões o número de utilizadores em Portugal, em 2016 são 4,367 milhões, mais 49,3 por cento do que então», diz Esperança Afonso, consultora da empresa. Apesar dos números, há quem opte por não estar na rede social perante a perplexidade e até alguma pressão dos mais próximos.

E o estudo da Marktest demonstra que o peso da rede social diminuiu e que a percentagem de utilizadores desceu ligeiramente. «Se, em 2011, 96,7 por cento dos utilizadores de redes sociais tinham conta no Facebook, em 2016 essa percentagem é de 94,4 por cento», salienta Esperança Afonso.

 

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Rita Rucha e Libânio Pinto tiveram conta mas optaram por deixar de ter. Rita é produtora e assistente de direção e tem 36 anos. Não consegue precisar durante quanto tempo teve conta ativa mas sabe que «ainda foram alguns anos». Lembra‑se porém do que a levou a tomar a decisão: «Uma das razões, entre outras menos importantes, foi por achar que as pessoas já viviam demasiado para aquilo e já expunham demasiado as suas vidas privadas», afirma. Define a atitude como «um processo muito pessoal de autoconhecimento». Sentia‑se «muito perdida e com necessidade de se encontrar. O Facebook alimentava‑me demasiado o ego (externamente) e optei por me desconetar de tudo o que nessa fase não me ajudaria nesse processo». Estávamos em 2014. Passados pouco mais de dois anos, confessa que não sente «qualquer falta», optando por estar presente no Instagram.

Afirma que tem acesso mais tardio a certas informações. «Mas não deixo de as ter», explica. E nem o facto de trabalhar num canal de televisão, a TVI, a leva a alterar a decisão: «Pelo contrário. Perdia imenso tempo no Facebook, em horas ditas laborais. As notícias, os posts e tudo o que é inerente ao facto de trabalhar em televisão estão acessíveis noutros suportes digitais, aos quais vou tendo sempre acesso», diz.

Contam‑se pelos dedos as vezes em que Libânio acedeu ao Facebook durante o único ano em que esteve registado, por necessidade académica, devido a apresentação de trabalhos de grupo no âmbito do curso de mestrado em Comunicação em Saúde, promovido pela Faculdade de Medicina de Lisboa, no decorrer de 2011.

Para o enfermeiro, hoje com 33 anos, o cancelamento deveu‑se ao facto de não dar qualquer tipo de atenção à rede social. «Além disso, comecei a ser abordado e questionado, em contexto social, sobre os motivos que me levavam a não aceitar os pedidos de amizade, bem como sobre a minha ausência da rede, o que de facto achei um pouco despropositado», diz. Não vê grande relevância e utilidade no Facebook e não tenciona voltar a ter conta. «Incomoda‑me um pouco a necessidade de escrutínio social da vida alheia.»

O número de utilizadores que dizem ter abandonado alguma rede social nos últimos doze meses tem baixado, quando comparado com os anos de 2011 e 2016 (com resultados de 39,1 para 21,2 por cento, respetivamente), segundo a Marktest. O número dos que referem ter abandonado o Facebook «tem‑se mantido relativamente estável. Em 2016, a rede que mais indivíduos afirmam ter abandonado foi o Hi5, referida por 30 por cento dos 21,2 por cento que afirmaram ter abandonado alguma rede», esclarece Esperança Afonso.

 

MUNDO VIRTUAL VS. MUNDO REAL

Estar ou não no Facebook, eis a questão. O que se perde e ganha por estar de fora? Cátia Cardoso tem 39 anos, é chefe de serviços administrativos e não sente que a nível profissional fique prejudicada pela sua opção. «Se exercesse uma função que exigisse alguma visibilidade, considero que poderia ser importante estar presente numa rede de acesso mundial. Poderia facilitar o contacto e eventualmente proporcionar a vinda de novos projetos», diz. Em alternativa, está presente no LinkedIn e utiliza o e‑mail com regularidade. «Acho que existe um excesso de informação pessoal que é divulgada, o que é algo que me aflige e me faz ter algum receio de estar presente numa rede deste género. Hoje, já não conseguimos controlar tudo o que é colocado ao acesso de todos e eu preservo muito a minha privacidade e aquilo a que quero ou não estar exposta.»

 

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A falta de privacidade, apesar de todas as possibilidades que a rede permite ao nível de restrições, é um dos motivos mais justificados por quem não tem página no Facebook. Também Luís Amado, 49 anos, delegado de informação médica, prefere viver os momentos do que partilhá‑los na rede.

«O Facebook expõe demasiado a nossa vida. Uma coisa que me faz muita confusão é estar com um grupo de amigos e realmente não estarmos juntos. Há uma grande necessidade de tirar uma fotografia ou de colocar um post. Se estamos a conviver ou a jantar, não me parece que faça sentido estar cada um agarrado ao seu telemóvel», defende.

Não é muito adepto das novas tecnologias e não está em qualquer outra rede social. «Acedo o mínimo indispensável, leio as capas de jornais todas as manhãs online e mantenho‑me atualizado. Utilizo e‑mail porque sou obrigado e fui a última pessoa a ter telemóvel na empresa porque o meu chefe sentiu essa necessidade.» Apesar de os dois filhos, de 14 e 17 anos, acederem à generalidade das redes sociais mais conhecidas, nem Luís nem a mulher Nicole (que também não está na rede) têm necessidade de controlar ambas as presenças. «Nunca fizemos uma gestão muito policial da educação dos nossos filhos, mas alertamos para os riscos que podem correr online. Eles sabem disso tão bem como eu. Tentamos incutir‑lhes o que é certo e errado e as coisas têm corrido bem até à data», diz. Uma vez que se assume como «uma pessoa de convicções fortes», prefere registar os momentos na sua memória. Os amigos e familiares já desistiram de tentar convencê-lo. «Conhecem a minha posição.»

Num jantar de amigos, é impossível ver Cristina Araújo, de 53 anos, pegar no telemóvel para aceder à internet. «Não é um meio que me fascine neste momento, o que não significa que não venha a aderir um dia, se achar que faz sentido. Às vezes acho que sou um pouco “jurássica” e ainda pondero mas depois penso melhor e chego à conclusão de que o Facebook não me faz a mínima falta.» Costuma fazer pesquisas a páginas ditas públicas, sempre que necessário e sem se registar, no âmbito da sua profissão como assistente de direção, mas considera que o seu grupo de amigos usa a rede «em demasia»

 

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Ao contrário dos mesmos, que se habituaram a falar por esta via, Cristina prefere comunicar por telefone e de viva voz. Todas as noites, desliga os dados móveis reservando‑se o direito de não estar disponível fora do horário de trabalho. «Passo o dia todo a trabalhar ao computador e não quero utilizá‑lo em casa. Não consigo conceber chegar a casa e estar completamente ligada porque esse já é o meu dia-a-dia.» Este é aliás um dos temas que mais têm marcado a atualidade: os trabalhadores franceses ganharam o direito de se desligar através de uma nova lei que entrou em vigor no começo deste ano.

 

OLHOS NOS OLHOS

Em novembro de 2015, foi publicado um estudo, por uma equipa de investigadores dinamarqueses do The Happiness Research Institute, que consistiu numa experiência realizada a 1095 pessoas divididas em dois grupos: metade deixou de ter conta no Facebook durante sete semanas e a outra metade continuou presente na rede social. «88 por cento das pessoas que saíram afirmaram que se sentiam mais felizes e 18 por cento que passaram a viver mais no presente.» Por outro lado, «55 por cento daquelas que se mantiveram na rede social revelaram‑se mais stressadas do que as que incluíam o grupo offline».

Libânio não associa a conta no Facebook a um maior ou menor estado de felicidade mas encontra uma explicação para esta conclusão: «Deduzo que as pessoas que não têm conta não tenham a pressão digital tão presente nas suas vidas, a obrigação de prestar contas e de serem ativas digitalmente.»

Cristina é uma adepta do contacto pessoal, tal como Cátia. «Sou defensora de uma conversa frente a frente e de olhos nos olhos, uma das coisas que mais aprecio.» Há quem as considere resistentes por não terem «caído em tentação».

Esta é aliás uma das questões que Cátia sublinha. «Acho interessante a questão da “resistência” como se ter uma conta numa rede social nos fizesse um pouco mais “normais” do que as restantes pessoas que não têm. Talvez um pouco da resistência também seja motivada por esse fenómeno de “carneirismo”, como se não fôssemos capazes de ter uma vida perfeitamente normal sem termos uma conta numa rede social», defende.

E será que o Facebook alimenta egos de forma desproporcionada? E deixa transparecer a ideia de uma vida perfeita ou irreal? Para Ana Sanches, arquiteta paisagista, de 38 anos, o Facebook «é uma espécie de espelho de Narciso dos tempos modernos. Fico com a sensação de que o que move algumas pessoas não é tanto o prazer das atividades em si (em restaurantes, eventos e férias), mas antes a necessidade de mostrar aos outros que as fazem».

E nem o facto de poder aceder a notícias em primeira mão ou encontrar pessoas com quem perdeu contacto são motivos que levem à mudança de opinião. «Privilegio o contacto com o meu grupo de amigos de uma forma mais intimista. Não sinto qualquer necessidade de restabelecer contacto com pessoas que, por alguma razão, deixaram de fazer parte do meu círculo de amigos ou de estabelecer ligações virtuais com pessoas que não conheço ou com quem não tenho grande intimidade.»

A nível profissional, não sente que tenha de estar presente na rede social, embora tenha sido questionada pela sua opção numa entrevista de emprego. «A pessoa que me entrevistava considerou estranho o facto de não ter Facebook, questionando a minha capacidade de fazer amizades, o que, na minha opinião, é um paradoxo feito regra, já que o Facebook parece ser – em tantos casos – um somatório de solidões a gritar por atenção», diz. Tem noção de que há, à sua volta, quem considere «uma minoria estranha os que não têm Facebook. No entanto, ouço cada vez mais relatos de quem quer fechar a conta, o que não deixa de ser um sinal dos efeitos perniciosos da sobre-exposição».

A opinião é acolhida por Ivone Patrão, doutorada em Psicologia Aplicada, docente, investigadora do ISPA – Instituto Universitário: «Quando pergunto nas minhas conferências “Quem tem Facebook?”, 95 por cento dizem que têm, quatro por cento que já tiveram e um por cento que nunca tiveram. Na sua maioria, estes últimos são indivíduos que têm como características de personalidade predominantes pouca abertura à experiência e mais introversão. Por isso, não veem vantagem em socializar dessa forma. Ao observarem os níveis de exposição dos outros, veem mais os riscos do que os benefícios, e não arriscam sofrer as consequências.»

É inquestionável o impacto e a importância das novas tecnologias hoje. «As redes sociais vieram trazer uma nova dimensão às relações humanas, mas não vieram substituir o mundo físico. Tal como para as marcas se fala numa ótica de integração entre o online e o offline, o mesmo é aplicável ao contexto pessoal.

É necessário haver um equilíbrio entre os dois mundos até para evitar situações de FOMO ( fear of missing out), isto é, de ansiedade e tensão sentidas pelas pessoas por não conseguirem estar permanentemente ligadas à internet (e redes sociais) e terem a sensação de estar a perder algo importante», explica Carolina Afonso, professora auxiliar convidada e coordenadora executiva da pós‑graduação em Marketing Digital do ISEG.

Ivone Patrão também se opõe ao discurso «antitecnologia», mas não sem alertar para o uso problemático das redes sociais: «Este poderá ter consequências para o saudável desenvolvimento de competências sociais e relacionais. Há que ter a consciência dos limites e dos efeitos que tem nas rotinas e na saúde física e mental de cada um.» Quem opta por viver fora do Facebook ganhará «o mundo relacional, do toque, do cheiro, dos olhares e da presença física», defende a investigadora. E é esse o mundo do qual a Rita, o Libânio, a Cristina, a Cátia, o Luís e a Ana não querem abdicar.

 

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