Do luto. E da compaixão. E da procura das palavras certas para a dor dos outros

Notícias Magazine

O artigo sobre pais que perdem os filhos chegou-me por e-mail em fevereiro. Não conhecia o autor, nunca tínhamos falado e nunca tínhamos discutido na redação a necessidade ou pertinência de publicar um trabalho sobre este tema. Homens e mulheres como Manuel, que ficou sem a filha e sente que lhe amputaram um membro e há 17 anos que passa a vida à procura dele, para voltar a sentir-se completo.

Em jornalismo, tentamos sempre encontrar um pretexto, uma razão para publicar o que quer que seja – chamamos-lhe «gancho» e é lá que penduramos as histórias, apoiadas na agenda mediática que se rege pelo que se discute nas ruas, o que se decide na política, o tempo que faz lá fora, a comida que vê chegar a sua época ou os acontecimentos que marcam a atualidade. Uma espécie de colete que vestimos em cima dos temas que importam no momento, mas que por vezes pode ser um espartilho desconfortável.

Neste caso, contornámos isso. Não era preciso aguardar por uma desgraça desarmante, outro atentado num concerto cheio de adolescentes, para avançar com um soco no estômago destes. Há demasiadas pessoas que passam pela maior e mais profunda dor a que um ser humano pode estar sujeito: a morte de um filho. Por elas, pelas pistas que lhes podemos dar, pela compreensão e apoio que podemos contribuir para terem – ou até pelo espaço de que precisam e que talvez seja necessário explicar a quem os quer ajudar – tínhamos de publicar isto.

Não há dois lutos iguais. E tentar respeitá-los, na melhor forma que conseguirmos, é uma das maiores provas de compaixão e respeito pelo outro que esta vida em sociedade nos trouxe. Quem acredita em Deus e no poder da oração e quer estender o abraço a quem pede um ombro, talvez encontre algum conforto na ideia da vida eterna e do reencontro e consiga passar isso a quem perdeu um filho. Quem é crente, talvez acabe por se socorrer dessa muleta apaziguadora que é a ideia de um sítio onde aqueles que partiram estão bem e velam por eles. E talvez consiga transmitir essa paz.

Toda a gente precisa de uma palavra de apoio, algum dia. Seja a mãe que perdeu uma filha, seja a mãe que viu os filhos ficarem órfãos de pai e tem de tentar ajudá-los a preencher o vazio que vai ficar. Toda a gente precisa de alguém e é terrível tentarmos ser esse alguém do outro lado e não conseguirmos dizer o que é certeiro e eficaz. Como não conseguimos explicar por que acontecem coisas más a pessoas boas, ficamos impotentes nessa procura de razões que nos toldam as palavras certas.

Algures entre a inclinação racional para ser ateu, a prudência para me considerar agnóstico e o espaço de conforto e proteção que descobri para achar que tenho mais o que agradecer do que o que pedir, encontrei um nicho para encaixar a minha religiosidade. Se eu acreditasse em Deus da mesma forma que já acreditei, se achasse que um ser divino pode regular o nosso mundo e o que nele acontece, admito que pudesse ter um conforto maior do que aquele que encontro no dia a dia quando tento perceber o que revolta e não entendo. Se eu continuasse a achar, da mesma maneira que um dia terei achado, que há uma força omnipresente, não tangível, não palpável, capaz de endireitar os caminhos tortos ou de os explicar quando chegasse a altura de os perceber, então acho que poderia ser francamente mais tranquilo.

E talvez me sentisse menos incompetente quando quero dar a alguém as palavras ou os gestos certos para lhe atenuar a dor. Se eu fosse mais crente, era aí que iria buscar o consolo para dar aos outros. Resta-me – resta-nos – a empatia. O respeito pelo espaço alheio. A disponibilidade para ouvir. E para agradecer os nossos.

Para a Alice. Para o Carlos. Para a Mariana. Para a Inês.