Diogo Miranda: «No fim de contas, o mais importante é deixar a nossa marca»

Texto de Margarida Brito Paes/Delas.pt | Fotografia de Leonel de Castro/Global Imagens

Esta coleção é uma homenagem às mulheres que o acompanharam ao longo destes 10 anos. Que mulheres são essas?
São clientes, amigas, pessoas que já vesti, são basicamente as mulheres que me rodeiam e que me acompanharam ao longo destes dez anos. Apesar de ser o décimo aniversário da minha carreira, não quis que a coleção ficasse pesada por isso. Não é uma coleção que tenha ido revisitar a última década, mas peguei em algumas peças fortes que fizeram parte da minha carreira e reinterpretei-as. Isto aliou-se à exploração do trabalho do Guy Bourdin, algo que eu já queria trabalhar há algum tempo.

Diogo Miranda é um dos designers portugueses com maior sucesso internacional, com vendas para o Médio Oriente e peças em showrooms em Paris, Berlim e Nova Iorque.

Como era o Diogo Miranda há 10 anos e como é agora?
Há dez anos era mais experimental e se calhar não explorava tanto as formas do corpo, ainda estava numa fase de aprendizagem.

Imagina-se a fazer roupa por mais dez anos?
Sim. Claro que às vezes há momentos difíceis, em que apetece atirar tudo ao ar e começar a fazer outra coisa. Isto é uma profissão muito exaustiva, porque se lida com muitas pessoas e muitas energias e isso às vezes é difícil.

Como é que veste as mulheres?
Para mim, uma mulher tem de ter sempre a cintura marcada.

Porquê?
Porque é supersensual.

Acha que todas as mulheres têm de ser sensuais?
Não têm de ser sensuais, mas têm de ser femininas.

«O furacão das grandes marcas acaba por ser bom porque as pessoas têm muito mais acesso a moda a preços baixos. Mas por outro lado, também deixa os consumidores confusos. Numa loja de autor veem um casaco por mil euros, na Zara por 60.»

Esta coleção também fala de uma mulher feminista. Desenha para mulheres feministas ou femininas?
Ambas. Acho que as duas coisas podem conciliar-se. As mulheres estão cada vez mais feministas e a lutar pelos seus direitos, e eu sou completamente a favor. Esta é uma coleção para uma mulher feminista, confiante, sensual. O facto de uma mulher se vestir de uma maneira mais sensual ou provocante, não quer dizer que o faça para voltar para casa com um homem. As mulheres também gostam de se sentir sensuais por si, porque lhes apeteceu vestir-se assim. Visto mulheres que querem agradar a si próprias e não aos outros.

Essa dualidade entre sensualidade e confiança traduz-se também na dualidade dos seus desenhos, quando ao mesmo tempo que apresenta folhos, alças finas, cinturas marcadas, utiliza ombros largos e materiais estruturados. É esta mensagem de duplicidade, fragilidade e força, que quer transmitir?
Sim… e também porque as roupas têm de ser versáteis. Acho que quando alguém compra uma peça de autor, tem de olhar para ela e perceber que é uma peça que pode ser usada em diversas situações, desde uma festa até um jantar informal. Eu procuro muito isso na minha roupa, quero que cada peça da minha coleção fale por si mesma. As minhas clientes não precisam de comprar um look inteiro, se calhar podem comprar só uma saia, que no desfile estava coordenada com uma camisa branca, a camisa podem comprar na Zara e usar com uma saia minha porque uma peça é suficientemente forte para sustentar o look.

Diogo Miranda tem uma equipa de dez pessoas no ateliê, mas no design é só ele.

Não o incomoda que façam essas misturas com a sua roupa?
Não, até porque enquanto criador, isso é o mais gratificante. O mais interessante é contarmos uma história e as pessoas, quando compram as peças, interpretarem a história à sua maneira. A principal mensagem é mesmo essa, é a reinterpretação das coleções, e as mulheres fazem-no de uma forma muito especial porque são únicas.

Como é que a roupa pode ajudar uma mulher a conseguir o que quer?
Se uma mulher estiver bem vestida, consegue marcar presença, consegue que as pessoas reparem nela e deixar a sua marca. Mas também acho que, apesar de a roupa ser muito importante, a maior arma de uma mulher é o cabelo.

Cabelo comprido ou curto?
Médio e com ondas, sem ser demasiado encaracolado, mas com personalidade, acho que uma mulher assim consegue fazer tudo.

Voltando à roupa, acha que quando uma mulher atinge o sucesso profissional, a roupa ainda ganha mais importância?
Sim, sem dúvida.

Essa importância tem que ver com a qualidade ou com o estilo?
Com a qualidade, porque mesmo que alguém esteja vestida com muito estilo a qualidade e a falta dela continua a ser muito percetível. E isso é importante porque a qualidade do que vestimos desperta respeito nos outros.

«Faz sentido estar em Portugal porque eu nasci aqui e a minha marca foi fundada cá. E em Portugal há um contacto muito próximo com a indústria e isso ajuda muito.»

Hoje muitas vezes a qualidade perde importância perante preços baratos. Acha que as marcas de grande consumo são uma ameaça às marcas de autor ou ajudam a que se comprem peças de autor já que se consegue ter um guarda-roupa barato na generalidade e ter algumas peças mais caras?
Este furacão das grandes marcas acaba por ser bom porque as pessoas têm muito mais acesso a moda a preços baixos, mas por outro lado também deixa os consumidores confusos. Isto porque numa loja de autor são capazes de ver um casaco de caxemira por mil euros e depois passam na Zara e veem um casaco parecido por sessenta, e não veem justificação para a diferença de preços, não percebem que a qualidade é um fator fundamental no preço.

Acha que falta essa educação e orientação do consumidor para a qualidade?
Sim. Nem tudo o que está nas lojas de grande consumo é bem feito. A maioria das pessoas não sabe que um casaco de trinta euros, provavelmente custou dois euros à marca e foi feito por pessoas em condições sociais que podem não ser as melhores. Mas o facto de ser barato leva a que as pessoas nem pensem nisso, porque com pouco dinheiro podem comprar muitas coisas.

O mercado português é muito difícil para a moda de autor, justamente pelo fator preço, e o Diogo é um bom exemplo disso, já que comercializa sobretudo para fora do país. Faz sentido estar sediado em Portugal quando o seu mercado não é o nacional?
Faz, porque eu nasci aqui e a minha marca foi fundada cá. Não é porque as coisas não funcionam aqui que posso pegar em toda a minha equipa e deslocalizá-la. Até porque se eu precisar de ir para Paris ou Nova Iorque, pego na coleção e vou lá. Além disso, em Portugal, há um contacto muito próximo com a indústria e isso ajuda muito. E por isso é que há muitas marcas estrangeiras a virem para cá, nós aqui em termos industriais e de produção temos tudo.

Acha que é esse o futuro de Portugal na moda: ser o país onde as marcas estão sediadas apesar de comercialmente não ser forte?
Espero que não, mas duvido. Acho que a economia portuguesa não ajuda a que Portugal se torne um bom mercado. Eu não sou um bom exemplo porque de facto não dependo do comércio nacional, e acho que o único caminho para os designers portugueses é, de facto, terem outros mercados.

A nova coleção é uma homenagem às mulheres que o acompanharam ao longo destes dez anos.

Essa internacionalização é fácil?
Não. Eu nunca pensei em ir para fora. Foi um processo que começou em 2014 quando uma loja no Médio Oriente nos contactou para comprar a coleção. Foi só aí que me caiu a ficha e que percebi que era esse o caminho.

É um percurso frustrante até chegar à internacionalização e ao retorno financeiro?
É, na medida em que faço um desfile, tenho sala cheia, imensas palmas, uma crítica excelente, mas depois não há vendas e isso é superdesmotivante. A forma que encontrei para lidar com isso foi começar a fazer o que queria. Percebi que nunca iria agradar a toda a gente, por isso mais valia fazer o que queria e estar contente com isso. No final das contas, o mais importante é deixar a nossa marca, mas é um caminho muito duro.

Quais são as características necessárias para se manter nesse caminho?
É preciso ser muito seguro, ter uma boa base familiar, ter muita personalidade e saber exatamente o que queremos. E confesso que eu antigamente até me deixava influenciar pelas opiniões dos outros, hoje não. Agora faço mesmo o que quero, tento mesmo seguir o meu instinto.

O que é que a sua roupa tem que conquista o mercado internacional?
O design. Mas também é fundamental que uma coleção tenha peças para vários tipos de mercado e para vários tipos de clientes. Porque depois são essas vendas todas juntas que dão a faturação da coleção.

Hoje cria assim a pensar nos mercados e no fator comercial?
Sim. Eu neste momento já tenho esse chip comercial. Quando estamos a fazer as coleções já penso em tudo, das vendas ao desfile, às peças que funcionam em fotografia, às peças que sejam fáceis de vender, até ao preço final.

Sente que, por ter esse chip, arrisca menos hoje do que há dez anos?
Provavelmente, arrisco menos, mas já tenho a estrutura que me permite cometer umas loucuras, de vez em quando, com peças que sei que vão chegar a valores que nem são comercializáveis.

Nesta coleção cometeu alguma loucura?
Cometi uma, num casaco branco de plumas que esteve uma semana a ser feito. Hoje, é muito mais fácil eu fazer estas loucuras, porque já tenho a estrutura montada.

Além das duas coleções sazonais, tem ainda duas coleções mais pequenas de meia-estação: a Pre fall e a Resort. Faz sentido desenhar quatro coleções por ano?
Sim, porque enquanto nas coleções de desfile posso ser mais criativo, nesta faço peças com uma maior atenção ao preço e ao mercado para o qual trabalho.

O Diogo tem uma equipa de dez pessoas no ateliê, tem alguém a ajudá-lo no design?
Sou só eu, a única pessoa que trabalha na mesma sala que eu é a Helena, que é o meu braço direito. E é a pessoa a quem pergunto, quando tenho os desenhos todos expostos, quais é que ela usaria. Ela diz quais e como usaria e isso é importante para o desenvolvimento das peças.

É importante uma opinião feminina, quando se está a desenhar para mulheres?
É e acaba por me ajudar a saber o que é que as mulheres querem.

Já tem a resposta a essa pergunta?
Querem ser felizes e a roupa pode ajudá-las. Se uma mulher se sentir bem consigo e com a sua imagem, isso vai notar-se e fazê-la sentir-se especial e feliz.

A COLEÇÃO DE OUTONO-INVERNO 2017-18

É uma homenagem às mulheres que marcaram os seus dez anos de carreira. O desfile abriu com um vestido azul-celeste e cintura bem marcada, seguiram-se os ombros descobertos, as assimetrias, as fivelas de argola que deixam parte das pernas nuas, os folhos e os laços. Tudo nesta coleção se quis grande, exagerado e bonito, peças que se tornam sofisticadas porque quem as veste tem de ser muito confiante.