Hipnose para controlar a diabetes? Esta investigadora diz que sim

10 conselhos úteis para atravessar este complexo período da melhor forma possível

Entrevista de Sara Dias Oliveira | Fotografia de Shutterstock

Fabiana Rodrigues, licenciada em Psicologia e mestre em Psicologia da Saúde e Reabilitação Neuropsicológica pela Universidade de Aveiro (UA), chegou à conclusão num estudo que realizou no âmbito da sua tese de mestrado: as pessoas com diabetes tipo 1 que façam psicoterapia com recurso à hipnose baixam os níveis de glicose no sangue. Desta forma, é possível diminuir a dose diária de insulina. A psicóloga, doutoranda em Psicologia naquela instituição, refere numa entrevista por e-mail que este é um ponto de partida para mais pesquisas à volta das interações mente-corpo no tratamento e controlo de doenças autoimunes.

A psicoterapia com recurso à hipnose reduz os níveis de glicose no sangue. Esta é a principal conclusão do seu estudo. É um ponto de partida? Um abanão na ciência e na saúde? Uma revolução?
Investigadores da Universidade de Aveiro (UA) e o Núcleo de Jovens com diabetes tipo 1 da Associação de Diabéticos do Concelho de Ovar abraçaram esta investigação inovadora com a intervenção psicoterapêutica com hipnose na Diabetes Mellitus tipo 1, uma doença autoimune. Os resultados do estudo sugerem que é possível controlar os índices glicémicos (concentração de glicose no sangue) e minorar as consequências da diabetes tipo 1. A diabetes Mellitus tipo 1 é uma doença crónica e um dos maiores problemas de saúde pública, com elevado risco de mortalidade e elevada morbilidade, afetando milhares de pessoas a nível mundial. No entanto, a investigação na diabetes Mellitus tipo 1 associada à hipnose ainda era escassa ou inexistente. Daí surgiu este estudo, considerado promissor no sentido em que avalia a eficácia desta ferramenta na monitorização da diabetes tipo 1, não antes estudada. Estes achados são um ponto de partida para mais investigações sobre as interações mente-corpo no tratamento e controlo de doenças autoimunes ou psicogénicas, bem como para a utilização da hipnose para fins terapêuticos.

Fabiana Rodrigues, investigadora da Universidade de Aveiro. Fotografia de Maria João Gala/Global Imagens.

Mais hipnose significa menos necessidade de injetar insulina? Ou não é tão linear assim?
Essa relação não é linear. Os resultados da investigação vão no sentido de uma redução significativa dos níveis de glicemia em jovens diabéticos tipo 1 que, em alguns casos, implicou a redução da dose diária de insulina administrada. Por exemplo, não nos preocupamos conscientemente com o bater do nosso coração, nem com o crescimento do cabelo, dos pelos ou das unhas. Então significa que existe uma parte não consciente da nossa mente/cérebro, que regula os processos biológicos e psicobiológicos de funcionamento automático no nosso corpo.

Como é que essa relação ocorre?
Denoto que alguns estudos na área das neurociências parecem apontar para cerca de 12% de todo o nosso funcionamento mental ser consciente e que a maior parte (88%) ocorre sem conscientemente termos noção disso. Essa dimensão da mente, à qual designamos de Mente Não Consciente, parece controlar e monitorizar o corpo automaticamente. Milton H. Erickson, o pai da hipnose moderna, referia que «a mente não consciente trabalha sem o seu conhecimento e essa é a maneira que ela prefere.» Essa dimensão não consciente, que costumo assemelhar a uma criancinha que «leva tudo à letra», parece não distinguir uma imagem real daquela que é imaginada. Assim, através destas habilidades, as pessoas com diabetes podem recorrer às suas habilidades internas e fazendo auto-hipnose, a qualquer hora do dia e sem o terapeuta, podem controlar melhor os seus níveis de açúcar no sangue concomitantemente ao uso da insulina.

«As pessoas com diabetes podem recorrer às suas habilidades internas e fazendo auto-hipnose, a qualquer hora do dia e sem o terapeuta, podem controlar melhor os seus níveis de açúcar no sangue concomitantemente ao uso da insulina.»

O que acontece no organismo de uma pessoa com diabetes quando faz hipnose?
Explicar o que uma pessoa sente num estado de transe hipnótico é subjetivo. Mas pode-se descrever como uma combinação de relaxamento corporal e perspicácia mental, em que a atenção fica focada nos pensamentos e ideias que podem ajudar as pessoas a atingir o resultado desejado na sua vida. A hipnose parece produzir alterações positivas concretas e mensuráveis no sistema imunitário associada a um padrão de ondas cerebrais Theta (4-7 ciclos). Assim, atingindo esse estado, pode-se contribuir para mudanças internas decorrentes da diabetes tipo 1 tanto ao nível emocional e mental, diminuindo ansiedades, medos e emoções várias, como também ao nível orgânico, índices glicémicos (com implicações nas necessidades de insulina) e outras variáveis físicas.

É a cabeça ou é o corpo que provoca essa redução da glicose? Ou ambos em simultâneo?
António Variações tinha razão ao cantar que «quando a cabeça não tem juízo… o corpo é que paga.» Aqui não se trata de ter juízo, mas que existe uma estreita relação corpo-mente-espírito, isso não podemos negar. Ou seja estas partes da vida de uma pessoa são interdependentes e indissociáveis. Mesmo que pareça estranho, tudo o que a mente imagina, o corpo sente! Tão simples como imaginar o sabor ácido do sumo de um limão espremido na boca, unhas a rasgarem num quadro da escola ou uma praia paradisíaca onde gostaríamos de ir, em que até conseguimos ver o ambiente, sentir os cheiros e sentir tantos outros pormenores. Decerto que ao imaginar algum dos cenários, o seu corpo sente. Desta forma, durante o processo psicoterapêutico foram dadas sugestões à mente não consciente, com recurso a imaginação guiada, no sentido da diminuição dos níveis de glicemia e hemoglobina glicosilada (HbA1c). Deixando-se guiar pelas sugestões do psicólogo, o corpo sentiu essas mudanças ao nível das relações entre a atividade mente/cérebro e a fisiologia, que se refletiram nos valores apresentados no glicosímetro (aparelho para medir a glicose na corrente sanguínea).

«Os resultados da investigação vão no sentido de uma redução significativa dos níveis de glicemia em jovens diabéticos tipo 1 que, em alguns casos, implicou a redução da dose diária de insulina administrada.»

A hipnose resultará com todos os pacientes ou só alguns?
Hipnose é, essencialmente, foco! Todos nós, em algum momento, já estivemos num estado que se assemelha ao estado hipnótico: quando nos emocionamos a ver um filme, quando estamos numa fila de trânsito e o tempo parece não passar, ou pelo contrário, quando estamos a fazer uma tarefa que apreciamos e «o tempo passa a voar.» Contudo, podemos considerar dois pontos fulcrais para que a hipnose funcione, não apenas com diabéticos, mas com pacientes em geral: em primeiro lugar, as pessoas devem reconhecer as suas dificuldades e o impacto negativo que estão a provocar nas várias dimensões da vida; em segundo, devem permitir-se ser guiadas, orientadas pelo profissional de saúde, isto é devem estar dispostas a permitir que a sua mente não consciente faça coisas que não dependem tanto da sua mente consciente. Esta é uma ajuda enorme para o seu funcionamento mental. Por outras palavras, toda a hipnose é auto-hipnose e ninguém entra em hipnose se não estiver disposto ou quiser.

Mostra que a psique pode interferir na diminuição de açúcar no sangue. Como chega a estes resultados? Que estudos foram feitos?
Existem vários estudos que demonstram os efeitos benéficos da hipnose nas perturbações emocionais e físicas, inclusive em doenças autoimunes como fibromialgia, lúpus, artrite reumatoide, alopécia, entre outras. E há investigações realizadas na diabetes tipo 2. Mas ainda não existia, até ao momento da investigação, na diabetes tipo 1. O estudo pioneiro contou com o apoio e orientação dos psicólogos Carlos Fernandes da Silva, professor no Departamento de Educação e Psicologia da UA, Celso Oliveira, psicólogo clínico, e Agostinho D’Almeida, do Instituto Universitário da Maia.

Como é que a investigação decorreu?
Em três sessões individuais de uma hora cada. Para este estudo foram considerados dois grupos: um grupo de 15 participantes foi submetido a Psicoterapia Integrativa com (ou sem) Hipnose (PSICH), um modelo psicoterapêutico desenvolvido pelo professor Celso Oliveira; e num outro grupo, de controlo, os 13 participantes visualizaram um filme sobre o corpo humano. Durante as sessões foram realizadas picadas para conhecer a glicemia e solicitadas as análises de sangue que reportavam os valores de HbA1. Durante as sessões de psicoterapia, partindo do pressuposto que há sempre uma razão para qualquer problema que ocorre na mente-corpo de uma pessoa, foram procuradas as «razões» mentais que se associaram ao aparecimento da diabetes. Com o recurso a técnicas analíticas centradas na pessoa e focadas na solução, tentou-se fazer exatamente nisso: «descobrir» a razão (intenção) do problema e ressignificá-la para reinterpretar adequadamente a necessidade subjacente à presença desse comportamento disfuncional.

A que conclusões chegaram?
Os resultados encontrados permitem-nos constatar uma conclusão principal: o grupo submetido a hipnose diminuiu de forma significativa a glicemia após as sugestões pós-hipnóticas (sugestões dadas no final da sessão, ainda em transe, com referência ao futuro) e o comando de auto-hipnose (tornando as pessoas capazes para fazerem autonomamente), em relação à glicemia do momento de sugestões diretas de imaginação guiada. Posso acrescentar, ainda que, aquando o processo de procura das «razões» mentais que se associaram ao aparecimento da diabetes, houve uma tendência da elevação da glicemia (apesar de não significativa) no grupo submetido a hipnose. Este resultado pode estar relacionado com as sugestões de recordação do momento de entrada da diabetes tipo 1 no corpo e ao facto da mente não consciente trabalha sem o nosso consentimento, ela faz o corpo sentir o que imagina.

«A hipnose por si só não cura, mas integrada num processo terapêutico pode controlar os níveis de glicemia no sangue das pessoas que padecem desta doença.»

Não estamos a falar de cura, é certo. Mas estamos a falar de uma grande ajuda na qualidade de vida dos diabéticos?
Exatamente. A hipnose por si só não cura, mas integrada num processo terapêutico pode controlar os níveis de glicemia no sangue das pessoas que padecem desta doença. Aquando da terapia, a visualização positiva objetiva reforça as defesas imunitárias relacionadas com a doença autoimune em questão. Quanto mais capacidade de visualização melhor é a qualidade de auto-hipnose. Assim, apesar de a hipnose não curar a diabetes tipo 1, ajuda na gestão da mesma, minorando as consequências e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos doentes.

Há, no entanto, os céticos que desconfiam dos efeitos da hipnose no metabolismo do corpo. Como explicar que há uma ligação? Como convencer que a hipnose pode minorar as consequências da diabetes tipo 1?
Há, desde já, que clarificar o que é a hipnose. A definição mais recente da Divisão 30 (Society of Psychological Hypnosis) da American Psychological Association (APA) defende que a hipnose é «um estado de consciência que envolve a atenção concentrada e consciência periférica reduzida, caracterizado por uma capacidade reforçada para a resposta à sugestão» e a hipnoterapia como sendo «o uso de hipnose num ato médico, numa perturbação ou preocupação psicológica.» Assim, a hipnose configura-se como uma ferramenta potenciadora e catalisadora do processo psicoterapêutico. Por tudo anteriormente referido e pela importante interação corpo-mente, não se trata de crer (ou acreditar) mas sim de querer que aconteça, permitir isso acontecer e isso acontece automaticamente.

Estudo feito, conclusões espremidas. O que poderá ser feito a partir do seu estudo?
Face aos resultados obtidos, é possível sugerir que a hipnoterapia permite a diminuição das glicemias, ou seja um bom controlo glicémico, sendo uma redução maior quanto com a imaginação guiada por sugestões diretas, com sugestões pós-hipnóticas e com auto-hipnose. No sentido de credibilizar esta ferramenta para melhor ajudar os pacientes nas suas perturbações emocionais, psicológicas e físicas, que este trabalho foi muito desafiante, dando força à utilização de hipnose em contexto psicoterapêutico. O objetivo é continuar, em âmbito de doutoramento, a contribuir para a fidedigna utilização da hipnose na psicoterapia com base em evidência e não em «folk psychology».

O estudo pode ser consultado AQUI.