Se as pessoas não fumassem, 80% dos casos de cancro do pulmão seriam evitados

Entrevista de Ana Patrícia Cardoso

Em 2014, o empresário Manuel Forjaz, 50 anos, morria após cinco anos de luta contra um cancro no pulmão (aqui, em entrevista para a Notícias Magazine a 12 de janeiro de 2014). Escreveu um livro sobre a doença, Nunca te distraias da vida, deu palestras, criou uma página de Facebook para falar sobre o assunto.

Tornou-se uma das vozes mais sonantes no combate ao cancro que mata mais em todo o mundo. Walt Disney, John Wayne ou o ex-Beatle George Harrison são nomes que também perderam a batalha contra a doença que afeta sobretudo fumadores. Mas não só.

Apesar dos avanços na terapêutica, esta doença ainda é responsável por cerca de 13% dos novos casos de cancro anualmente. Encarnação Teixeira, pneumologista no Hospital Santa Maria há 29 anos, alerta para a necessidade de prevenção e garante que as mulheres estão tão expostas quanto os homens.

O cancro do pulmão mata mais que qualquer outro tipo de cancro. Porquê?
É verdade. O cancro do pulmão mata mais do os cancros do cólon, da mama e da próstata combinados. O maior problema é que, na maioria dos casos, é detetado num estado já avançado. Este é ainda um dos maiores desafios. Mas é importante realçar que, nos últimos 10 anos, houve uma evolução enorme na terapêutica.

Que evolução é essa?
Há progressos ao nível da imunoterapia, por exemplo. Este é um dos maiores avanços no tratamento. A imunoterapia reforça o sistema imunológico de forma a identificar as células cancerígenas e a destruí-las. Ou seja, atacamos por dentro, ajudamos o próprio sistema a matar a doença. Este tratamento tem benefícios comprovados e é menos agressivo que a quimioterapia que continua a ser a forma mais usada de tratamento.

O cancro do pulmão é um dos tumores que se poderia evitar. Acredito que se as pessoas deixassem de fumar, cerca de 80% dos casos seriam evitados.

O diagnóstico é tardio porque as pessoas ignoram os sintomas?
Essa é uma das razões. 85% das pessoas afetadas com este tipo de cancro são fumadoras. E, muitas vezes, atribuem a tosse ou expetoração ao tabaco e não se preocupam. Mas há outros sintomas como a dor torácica, o cansaço permanente, a falta de ar, a perda de peso repentina que não devem ser ignoradas. Infelizmente, o rastreio do cancro do pulmão ainda não é uma coisa de massas. Por exemplo, nos Estados Unidos já acontece mas em Portugal ainda vai demorar.

Implementar um rastreio ajudaria a diminuir a mortalidade?
Sim, provavelmente, mas há sempre custos implicados. A melhor forma de diminuir o número de casos é a prevenção. Não me canso de falar sobre a prevenção. O cancro do pulmão é um dos tumores que se poderia evitar. Acredito que se as pessoas deixassem de fumar, cerca de 80% dos casos seriam evitados. Claro que há outras razões para a formação do tumor, como a poluição cada vez maior ou mesmo a genética. Mas o maior problema é, sem dúvida, o tabaco.

Os homens são mais afetados que as mulheres?
Só acontece porque os homens sempre fumaram mais que as mulheres. As mulheres têm menos cancro do pulmão porque fumam menos, só isso. Não é uma questão de género. No entanto, o número de mulheres com cancro tem vindo a aumentar e está provado que, quando expostos aos mesmos fatores, o risco é igual para homens e mulheres. Há que ter atenção a isso.

Qual média de idades em que o cancro é mais recorrente?
Entre os 60 e 65 anos. Há casos de pessoas com cancro do pulmão antes dos 50 anos e isso acontece sobretudo por questões genéticas. Também contam os anos em que foram fumadores e a quantidade de cigarros, ou maços, fumados por dia.

Lida com o cancro do pulmão há 30 anos. Que diferença nota na forma como os doentes encaram esta luta?
Antigamente, havia um carimbo de fatalidade para este tipo de doenças. As pessoas não acreditavam na cura. Hoje em dia, com a quantidade de informação disponível e o avanço na terapêutica, os doentes já nos chegam informados, conhecem os tratamentos. O que não é necessariamente bom. Há que ter muito cuidado com a informação na Internet e nunca assumir nada sem falar com um especialista. Cada caso é um caso.

Como é que se dá a notícia a uma pessoa a quem lhe é diagnosticado um cancro?
Não existe um manual para isso. É sempre difícil mas temos de transmitir esperança. Há que ser realista, é uma doença gravíssima com um índice de mortalidade elevado. Mas também é verdade que há mais e melhores formas de tratamento, a terapêutica avançou muito nos últimos 10 anos, como já referi. O apoio de toda a equipa no processo é muito importante. É importante que os doentes confiem nos médicos e nos enfermeiros. Essa base, para além da familiar, é fundamental. A questão emocional não pode ser descurada. Há que acreditar sempre que vai correr pelo melhor. Pode parecer uma frase feita, mas, pela minha experiência, é mesmo verdade.