Calixto Suarez: O povo na Colômbia não está preparado para a paz

Texto de Ana Patrícia Cardoso | Fotografia de Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens

É líder da comunidade indígena Arhuaco que sempre viveu nas montanhas isolados do mundo. Hoje, viaja pelo mundo a falar sobre a herança indígena. O que vos motivou a criar essa ligação com o mundo ocidental?
Como povo indígena, sempre sentimos a necessidade de cuidar da terra ancestral. É necessário proteger os pontos ancestrais do planeta e decidimos que essa mensagem deve ser transmitida.

Como vê a evolução do mundo desde que começou a viajar?
Está diferente em diferentes níveis. Há muita gente a falar de consciência, é um facto, mas também há um número grande de pessoas que não se preocupa com estes assuntos e está feliz assim.

É possível mudar essa falta de consciência no mundo?
Não acho que se possa mudar o mundo. Podemos mudar localmente, começando por pensar em cada indivíduo como um ser em constante melhoria. Só assim mudará alguma coisa. Mas leva tempo.

Como é a vida quotidiana na comunidade Arhuaco?
A Serra Nevada de Santa Marta é uma montanha a 5775 metros e eu vivo a 2800 metros acima do nível do mar. Ali vivem os quatro povos indígenas guardiões desse lugar e eu vivo na comunidade Arhuaco, que tem cerca de 45 mil pessoas. As quatro comunidades vivem bastante afastadas fisicamente umas das outras. E temos os limites territoriais que respeitamos muitíssimo, que vêm dos tempos ancestrais. Vivemos sobretudo da agricultura e de espécies menores de animais. Damos muito importância à espiritualidade, existem outros líderes espirituais que trabalham muito esse lado interior de cada um.

Diz-se que é o coração do mundo?
Sim, dizemos que é o coração do mundo no sentido em que levamos a nossa terra, o nosso lugar, no coração. Por isso, falamos do valor da natureza que nos rodeia. Como se fosse a nossa mãe.

Tentam viver em harmonia com o ambiente?
Acreditamos no princípio da origem. Fazemos rituais de agradecimento pelo território que nos rodeia e por todos os seus elementos, a água, o ar, os alimentos e pelos seres humanos.

Trabalham muito a relação com o outro?
A vida é tão curta que há que desfrutar, sem complicações e sem ferir o outro. O amor acaba por não se valorizar. É nisso que acreditamos e é nesse sentido que trabalhamos para viver harmoniosamente. O amor está na simplicidade, não está na acumulação. Nós tentamos acumular amor, por oposição à ostentação.

Como foi o seu percurso até tornar-se um mensageiro do seu povo?
Já viajo há algum tempo, praticamente 20 anos, sempre a partilhar estas mensagens de valor e respeito, não só pelo indivíduo mas também pela terra, pelos lugares de energia que nos rodeiam. Saí da Serra quando os líderes mais velhos acharam que estaria apto a cumprir esta missão. Conheci muitos líderes espirituais por todo o mundo que me ensinaram muito. E também procuro falar com as crianças, os mais novos, que são o futuro. Eu tinha 30 anos [hoje tem 50] e a minha comunidade achou que estava na altura de haver um representante da Serra Nevada. Desde sempre que tenho uma perceção sensorial elevada mas era muito tímido e tornei-me Mamo (representante da terra) cedo. Gosto muito de viajar e de falar da necessidade de conexão com a terra.

Qual é o maior problema do século XXI?
O maior problema deste século é não nos ouvirmos uns aos outros. É, sem dúvida, a maior questão que acarreta tudo o resto. Para além disso, não há respeito. Temos de voltar ao início, ao contacto puro com a natureza.

Colômbia tem uma história de violência de muitos anos. O ano passado foi assinado um acordo de paz entre o Governo e as FARC. Que diferenças tem notado no país desde então?
O problema na Colômbia não é um problema de guerra é um problema de falta de consciência. Há muita gente a quem não convém que se estabeleçam esses acordos. O povo na Colômbia não está preparado para a paz.

É um problema estrutural?
Sim, a formação e a educação começam na família. São gerações que já nasceram dentro deste clima de militarismo. A violência vem do berço e é muito difícil de mudar. Vai demorar muito tempo, não é de um ano para outro. Para mim, fez-se o acordo mas apenas a um nível muito superficial.

Com que ideia ficou dos portugueses?
Gostei muito do país. Falta autoestima, dar valor a si mesmo. Sinto que falta um pouco dessa valorização pessoal, dar tempo a si mesmo. É essencial.