Os seus filhos ainda sabem brincar?

Texto Leonor Ribeiro /CADIn* Ilustração Filipa Viana/WHO

A investigação tem revelado que o número de horas que as crianças passam em atividades desportivas organizadas duplicou nos últimos anos e que o número de minutos dedicados a atividades de lazer passivas quintuplicou. Resultado: nas últimas duas décadas, as crianças perderam cerca de 12 horas de brincadeira livre por semana.

Quando o brincar existia em todas as ruas, pracetas, jardins e pátios de escola, não era tema de conversa… era natural, acontecia… Mas agora que todos os tempos das crianças estão ocupados com atividades enriquecedoras e jogos (jogos, não brincadeira livre ativa e espontânea), surge o alerta!

As famílias, quando tomam a decisão de deixar os filhos agir mais de uma maneira ou de outra, estão claramente a pensar no melhor para os seus filhos.

Seja nos jornais ou em conferências de profissionais da área da saúde e da educação, brincar é um tema na ordem do dia. David Elkind, um investigador norte-americano desta temática, alerta que eliminar a brincadeira livre ou programar a vida das crianças com atividades organizadas leva a elevados riscos futuros para a sua saúde, sucesso e felicidade.

Pensemos no Gaspar, um menino de olhos que brilham de vida, ele fervilha de energia quando sai da escola. Chega a casa, toma um lanche rápido e salta para a rua para brincar, correr, andar de bicicleta e ter aventuras com os amigos do bairro. Muitas vezes não leva os trabalhos de casa feitos para a escola, não é o melhor aluno, mas a sua alegria, destreza motora e autonomia são evidentes.

Já o Tiago, que sabemos ter um olhar cheio de energia também, embora nem sempre o consigamos ver, quando sai da escola vai para a explicação e aos fins de semana tem algum reforço para se preparar para os testes. A seguir tem de continuar a estudar mais um pouco, para praticar e compensar as dificuldades que sente. Às vezes também não leva os trabalhos de casa feitos para a escola, porque os esconde. Não é o melhor aluno e diz que o que mais desejava era poder passar os dias a correr e a brincar.

As famílias, quando tomam a decisão de deixar os filhos agir mais de uma maneira ou de outra, estão claramente a pensar no melhor para os seus filhos. No entanto, qualquer das posições pode ser alvo fácil de crítica, pela pressão social entre pais. Nos últimos anos, a sociedade passou a prescrever que atividades organizadas, como o desporto, são essenciais para a criança aprender competências sociais e motoras, e que as atividades mais ligadas às artes são fundamentais para o desenvolvimento da criatividade e da expressão pessoal.

Existem ainda as explicações, terapias, etc. Pior: se não dermos aos nossos filhos a oportunidade de praticar pelo menos um deste tipo de atividades, sentimos que não estamos a investir no seu futuro. Quando ainda resta algum tempo para a brincadeira, pode surgir a preocupação com o bem-estar físico, levando a uma supervisão constante e alertas para o risco das brincadeiras, das pessoas e espaços.

Transpomos o nosso medo para os nossos filhos de tal forma que lhes privamos a oportunidade de inovarem, arriscarem, experimentarem e aprenderem por si. É raro vermos crianças, como o Gaspar, com oportunidade de viverem as suas aventuras. Por outro lado, esta ansiedade pelo bem-estar físico contrasta com o fácil acesso a conteúdos que podem afetar a inocência psicológica das crianças, seja através da televisão, internet ou jogos, consumidos sem qualquer controlo.

Não há soluções perfeitas, mas talvez esteja na hora de tornar a brincadeira uma rotina! Pode-se brincar nas situações quotidianas, com palavras, com contos e histórias, com pedrinhas e paus, connosco, com música.

Não se deve compreender o brincar como um luxo, mas sim como uma atividade dinâmica crucial para a saúde física, intelectual, social e emocional em todas as idades. A nível socioemocional, promove a capacidade de saber lidar e interagir com os outros e com o mundo, a lidar com sentimentos, a comunicar, a tornarem-se crianças mais resilientes e com maior capacidade de autorregulação.

A nível cognitivo, brincar cria diversas oportunidades para potenciar a capacidade de resolução de problemas, de tomada de decisões, de planeamento, organização e flexibilidade. Ao nível físico, além dos óbvios benefícios para a saúde, também promove o desenvolvimento de competências motoras.

Tentem recordar-se dos melhores momentos que viveram na infância, das experiências mais relevantes e positivas. Quais são? É provável que tenham sido ao ar livre, com amigos e sem adultos por perto, certo?

Não há soluções perfeitas, mas talvez esteja na hora de tornar a brincadeira uma rotina! Pode-se brincar nas situações quotidianas, com palavras, com contos e histórias, com pedrinhas e paus, connosco, com música. Pode-se brincar sozinho ou acompanhado.

Pode-se brincar por brincar ou brincar para aprender… o brincar tem um poder extraordinário e adapta-se a todas as situações, todas elas de extrema importância para o desenvolvimento harmonioso.

* Parceria com o CADIn (Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil), onde Leonor Ribeiro é técnica superior de educação especial e reabilitação.