Bonnie and Clyde atacam de novo

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A semana começou, madrugada de segunda-feira, com a entrega dos Óscares. Pela primeira vez, foram dados de uma só vez os prémios de Melhor Roteiro Adaptado (“E o prémio vai para… este!… Não, não, para aquele!”), Melhor Filme de Animação (na plateia do Teatro Dolby, Los Angeles, e nos sofás lá em casa, por todo o mundo), Melhor Maquilhagem (fazer do nome de uma atriz, Emma Stone, o nome de um filme, La La Land) e Melhor Curtíssima Metragem (La La Land, Óscar de Melhor Filme durante dois minutos), tanta estatueta dada junta. Nessa extraordinária entrega de prémios esteve um filme feito meio século antes, Bonnie and Clyde.

Então, no palco, há dias, à esquerda, Bonnie, Faye Dunaway, coleante, embora não tanto como quando a conhecemos há exatamente 50 anos, pistola na mão e pé pousado no pára-choques do Ford V8. À direita, Clyde, Warren Beatty, também já não tão bonito homem (faz 80 anos, este mês) como era quando andou a propor o lugar de Bonnie às mais conceituadas atrizes de então. Por causa da reputação dele, elas recusavam, talvez com um suspiro de arrependimento. Natalie Wood foi uma das que disse não, já lhe tinha chegado, anos antes, no Esplendor na Relva, na relva e sei lá mais onde. Com Beatty não se podia passar algumas horas, quanto mais uma filmagem, sem ir para a cama com ele.

Faye Dunaway fez bem em aceitar, afinal, era uma estreante e o filme lançou-a. Bonnie and Clyde foi feito sem pedidos de desculpa pelas cenas de violência, com ele Hollywood rompia a tradição de moralismo e os gangsters passaram a ser contados até com lirismo. Os protagonistas Bonnie e Clyde foram bandidos na vida real, assaltavam bancos numa época, em plena Depressão, em que parecia haver desculpas. Os pobres gerentes e clientes que eram apanhados nos assaltos passavam por vítimas colaterais.

A cena final da morte, a chapa do Ford V8 e o amor de ambos crivados de balas, é de uma beleza que marcou uma geração. Os factos reais passaram-se em 1934, tempos de pobreza, e o filme era de 1967, anos de felicidade em que se ansiava por ação. Beatty e Dunaway foram propostos para os Óscares de melhores atores. Honestamente, nem ela nem ele nunca viriam a ser os melhores atores.

Se fez bem em aceitar o papel em Bonnie and Clyde, Dunaway nunca deveria ter aceitado a cartolina que Warren Beatty lhe estendeu agora. Por duas razões. A primeira sendo a fórmula “estava a pedi-las” com que se guarda o sigilo do envelope com cada prémio. Soube-se agora, com o sabor de trancas à porta em casa roubada, só duas pessoas no mundo conhecem os segredos antes de eles serem revelados, em direto, ao mundo. Cada uma das duas com a sua pasta, fechada à chave, e nela os envelopes com cada um dos prémios. Quer dizer, para cada prémio há, multiplicado por dois, um envelope e respetiva cartolina. Isto é, há sempre um envelope a mais e sem que fazer que pode cair nas mãos de apresentadores nervosos. Pouco antes, tinha sido entregue o envelope “Melhor Atriz”, com a cartolina “Emma Stone, La La Land”. Logo, havia um segundo assim. Que, caído nas mãos dos apresentadores do Melhor Filme, não seria lido (nunca é) o envelope e na cartolina só leriam o nome do filme. Só espanta que nos 89 anos de Óscares não se tivesse treslido mais vezes.

A segunda razão para Faye Dunaway não gritar La La Land é explicada pelo calendário. Estamos em 2017, consequência de 2016, e estes são tempos para ter particular cuidado com a conceituada Lei de Murphy: “Qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível”. Em tempos de Donald Trump, de que estava Hollywood à espera?

[Publicado originalmente na edição de 5 de março de 2017]