O autarca que canta reggaeton

Gomes é presidente da Câmara de Vila Real de Santo António. Sempre gostou de cantar, mas nunca teve coragem de pensar nisso a sério. Até agora. Atirou‑se aos acordes e lançou esta semana uma canção de reggaeton com o cantor cubano Baby Lores. Será este o início de uma carreira?

Ao mesmo tempo que dá a entrevista, Luís Gomes vai cumprimentando quem passa na rua. «Boa tarde, como está?» Em Vila Real de Santo António, cidade natal, já todos o conhecem. Presidente da câmara municipal desde 2005, eleito pelo PSD, termina no final deste ano o terceiro mandato e já não poderá recandidatar‑se. Aos 43 anos, está orgulhoso, admite. «Foram realizadas a esmagadora maioria das propostas graças a uma equipa muito competente.» Nesta espécie de espírito de missão cumprida, o autarca despede‑se de mais um capítulo político sem saber ainda o que vai fazer a seguir. «Não gosto de fazer muitos planos. Não me sinto um político carreirista, faço o que gosto e adoro novos projetos, esta é a minha única certeza.»

Na verdade, um dos desafios que agarrou há algum tempo nada tem que ver com os meandros da autarquia. É nas pautas de música, na guitarra e no piano que Luís passa madrugadas a ensaiar. A música é parte integrante do tempo livre e, quem sabe, pode vir a tornar‑se a ocupação principal daqui a uns tempos. A gestão entre o cargo de presidente da câmara e esta aposta é feita com tranquilidade, garante. «Na verdade eu durmo pouco e tenho muito entusiasmo pelo que estou a fazer.» E como é que surgiu essa vontade de cantar? A resposta vem do lado de lá do oceano.

A propósito do projeto de intercâmbio de médicos e tratamentos clínicos que a câmara estabeleceu com o governo cubano e que já levou centenas de vila‑realenses a atravessar o Atlântico, sobretudo para operações aos olhos, Luís visitou várias vezes aquele país da América latina. Foi aí que, através de um amigo em comum, conheceu Baby Lores, um caso de sucesso local, ídolo do reggaeton.

Tiveram alguns encontros e o cantor veio fazer uns concertos em Portugal. O autarca acompanhou alguns dos ensaios para espetáculos e, por vezes, deixava escapar uma nota. Foi assim que Lores percebeu que Luís tinha boa voz e desafiou‑o a colaborar num tema. No início de 2014, lançaram Ando Buscando, que foi bem recebido pelos cubanos. O bichinho ficou e não pararam. «Eu escrevo a maioria das letras e o Lores encarrega‑se da composição musical, mas ajudamo‑nos mutuamente. Eu nunca tinha colaborado com alguém com uma carreira feita, estou sempre a aprender.» O gosto pela música vem desde novo. Com 7 anos aprendeu a tocar órgão e, logo a seguir, clarinete e guitarra. Fez também alguns trabalhos como DJ. Nunca abandonou a paixão, mas tampouco a escondeu. Mas fazer disto vida, isso é outra conversa. Agora que leva a música mais a sério, diz que a inspiração lhe surge em qualquer momento. «No outro dia vi um documentário sobre os Beatles e mexeu comigo, deu‑me logo ideia para uma letra. Normalmente é assim.»

A política surge mais tarde na vida do autarca. De 1991 a 1996, estudou Engenharia do Território, no Instituto Superior Técnico e, logo a seguir, começou a dar aulas de Desenvolvimento Regional como professor assistente na Universidade do Algarve. A convite de Carlos Martins, presidente da comissão política distrital do PSD, candidatou‑se à Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, em 2001. Não ganhou nesse ano. Assumiu então um lugar como deputado na Assembleia da República até 2005, ano em que voltou a candidatar‑se. Tornou‑se presidente da câmara da sua cidade. Foi reeleito em 2009 e 2013. Em 2017 já não pode. Entretanto, não deixou os estudos de lado e está, de momento, a tirar o doutoramento no Instituto Superior Técnico.

É um acérrimo defensor de que os políticos não podem – nem devem – negar os seus gostos, hábitos ou passatempos. «Somos pessoas com uma vida para além do trabalho, eu acho que as pessoas gostam de ver isso e se identificam com essa abordagem mais humana. É possível fazer as duas coisas e faze‑las bem.» A prova disso é que muitos vila‑realenses acolheram bem as músicas da dupla, e Gomes e Lores (que passou a vir a Portugal com mais frequência) é constantemente convidado para tocar em bailes no concelho.

O autarca diz que não gosta muito de rótulos, por isso não quer posicionar‑se num ou outro género musical específico. «Fazemos um pouco de tudo, temos músicas que vão do reggaeton à pop eletrónica ou mais românticas. A verdade é que temos desde adolescentes a pessoas de setenta anos nos espetáculos. É música para todos. » A mais recente novidade é o single lançado esta semana. Dime Por Qué, o terceiro vídeo com Baby Lores (depois de Dime, em julho de 2016), gravado no Algarve com a participação de 150 figurantes da comunidade cigana de Vila Real de Santo António. O convite surgiu de uma amizade antiga e de uma afinidade pelos ritmos ciganos. Neste momento, com uma dúzia de músicas prontas, a dupla está em processo de negociação com algumas editoras para gravar o disco. As novidades estão para breve.

 

Veja aqui o vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=Nc8RD-TG60o