António Damásio em Lisboa: cinco frases marcantes do cientista

Texto de Maria Espírito Santo/Fotografia de Jorge Amaral/Global Imagens

A apresentação estava marcada para as 12h30 mas foi antecipada. O programa indicava que Hanna e António Damásio (ambos cientistas, marido e mulher, dupla de ferro da ciência) fariam uma apresentação juntos na Alzheimer’s Global Summit, a decorrer desde segunda-feira na Fundação Champalimaud, em Lisboa. O casal, que nos anos 1970 trocou Portugal pelos Estados Unidos esteve, desde muito cedo, envolvido em investigações pioneiras na área da neurociência e rapidamente de tornou uma referência no meio.

Damásio subiu ao palco no último dia da cimeira mundial sobre o Alzheimer depois de se ter anunciado que o evento se vai repetir daqui a três anos, em 2020.

Acabou por ser António Damásio a subir sozinho a palco. Pouco depois justificou-se: explicou que ele e a mulher são diferentes e que se complementam em muita coisa dentro e fora do meio científico. «Até acabamos as frases um do outro», acrescentou. «Mas não conseguimos falar ao mesmo tempo», acrescentou, sublinhando que Hanna não gosta de falar em público.

Um dos neurocientistas mais prestigiados do mundo – autor bestseller com títulos como O Erro de Descartes –, Damásio subiu ao palco no último dia da cimeira mundial sobre o Alzheimer depois de se ter anunciado que o evento se vai repetir daqui a três anos, em 2020.

«Human memory: the neurocognitive perspective” (ou memória humana: a perspectiva neurocognitiva), focou-se na importância da memória. Reveja, nas fotografias em cima, cinco frases de António Damásio que marcaram a apresentação.

1. «A memória ajuda-nos a lidar com o agora mas também é necessária para prever o futuro. E não estamos a falar de futurologia.»
Muitas vezes esquecemo-nos do que a doença já nos ensinou, alertou o especialista. «Tentamos entender o Alzheimer e o Alzheimer tem-nos ajudado a entender a memória.» Lembrar o passado – tanto a curto como a longo prazo – permite-nos lidar com o presente. Mas não só. A memória também nos orienta para o que se segue, «para prever o futuro de momento a momento». Por isso sabemos para onde estamos a ir, na rua, ou num espaço restrito, dentro de uma casa, exemplificou.

2. «Na ciência tem havido uma excessiva racionalização.»
Todas as memórias têm um contexto: de espaço, tempo e afecto. E este terceiro ponto tem sido negligenciado, lamentou o cientista. Tanto na cultura em geral como nas áreas da Psicologia ou da Ciência. Para o especialista este é um erro porque “todas as memórias são memórias de afetos.”

3. «Os pacientes de Alzheimer têm a capacidade de aprender novo material.»
E esta capacidade verifica-se, essencialmente, a nível motor mas não com outros tipos de aprendizagem: de novas palavras ou de novas caras. O neurocientista recuperou o caso de um paciente do final dos anos 80, que não era capaz de gravar novas memórias, mas que conseguiu aperfeiçoar um movimento com a mão. Esta descoberta é importante para o Alzheimer e essencialmente para os cuidadores. «As pessoas que trabalham com estes pacientes têm aqui algo para explorar.»

4. «A memória não tira uma Polaroid mas grava um código.»
Como é que as memórias são guardadas? Foi uma das questões que apareceu no grande ecrã. António Damásio explicou de forma simples. «Esta imagem que estão a ver de mim, num pódio, não a vão guardar como uma foto Polaroid. Vai ser um código que vai permitir fazer algo muito mágico.» Quer dizer que gravamos os momentos não como eles são mas de forma reduzida, em código, para que mais tarde seja fácil reconstrui-los e recuperá-los.

5. «Criar um robô com uma mente semelhante à humana… tenho dúvidas de que isso alguma vez possa ser demonstrado.»
Por último, o neurocientista falou sobre a tecnologia e a inteligência artificial. Fez referência a Sillicon Valley e às «descobertas interessantes e intrigantes» que aí surgem – mas também se mostrou céptico. «Tenho grandes preocupações com a possibilidade de ter simulacros de alguns dos aspectos dos nossos estados mentais e comportamentos. Dá às pessoas a ideia de que os humanos não são assim tão diferentes de outros seres vivos ou das criaturas que se estão a desenvolver. Acho que as duas coisas estão erradas.» É o complexo processo de construção do sistema de sentimentos e a consciência que marcam a barreira, lembrou, recuperando depois o extrato de um texto que tinha escrito. «São as duas dádivas combinadas, consciência e memória, que constroem o drama humano», continuou. «E são a origem do imenso divertimento, da absoluta glória humana.»

 

António Damásio

Nasceu a 25 de Fevereiro de 1944. Estudou na Faculdade de Medicina de Lisboa, em 1976 mudou-se para os EUA. Cientista, professor de Neurociência, Psicologia e Filosofia, é também o fundador e director do Brain and Creativity Institute da Universidade da Califórnia do Sul. Compreender as emoções, as decisões e a consciência no cérebro humano tem sido o seu foco. É o autor de bestsellers como “O Erro de Descartes”, “Ao Encontro de Espinosa” e “O Sentimento de Si.”

Hanna Damásio

Nasceu a 24 de Setembro de 1942. Estudou na Faculdade de Medicina de Lisboa, em 1976 mudou-se para os EUA. Professora de neurociência é também directora do Dana and David Dornsife Cognitive Neuroimaging Center (DNI) na Universidade da Califórnia do Sul. Para estudar o cérebro e, mais especificamente, a linguagem, a memória e emoção, usa a tomografia computorizada e a ressonância magnética. É autora de “Human Brain Anatomy In Computerized Images”, primeiro mapa cerebral baseado em imagens computorizadas. Em 1992 venceu o Prémio Pessoa, que partilha com o marido.