O tratamento para o Alzheimer pode estar na eliminação das células fracas do cérebro

Lisboa, 20/09/17 - Eduardo Moreno, investigador espanhol que estuda a degradação celular em doenças neurológicas, fotografado na Fundação Champalimaud, à margem do Alzheimer's Global Summit Lisbon 2017, a decorrer na Fundação. (Sara Matos / Global Imagens)

Texto de Maria Espírito Santo

No mundo real tudo acontece num ginásio. Olha para a pessoa ao lado e começa a perguntar-se: estará em melhor forma? Será mais nova do que eu? Terá mais ou menos força, melhor flexibilidade? Pois no mundo químico, dentro dos nossos corpos, o processo é semelhante. As células também observam a boa forma umas das outras – mas com um desfecho diferente. As perdedoras ou em baixo de forma são eliminadas pelas células fortes – chamadas de vencedoras. É um processo fundamental para o corpo funcionar – e pode ser uma das respostas para combater o Alzheimer. Mas já lá vamos.

Falemos de «fitness fingerprints», algo como impressões digitais de fitness. Trata-se de uma marca que todas as células têm – também as do cérebro. Quem nos fala desta descoberta é Eduardo Moreno que atualmente lidera um grupo de investigadores, na Fundação Champalimaud, que estuda a atividade e comportamento das células. Hoje, na Alzheimer’s Global Summit, o especialista explicou de que forma é que esta descoberta pode ser importante para combater a demência.

Dos ensaios em moscas [com Alzheimer induzido] os investigadores concluíram que ao hiperativar o tal processo de triagem (das células boas, vencedoras, eliminarem as más), as moscas recuperam de parte dos sintomas provocados pela doença.

Fundamentalmente falamos de neurónios que são eliminados. Que morrem. O conceito pode parecer destrutivo, mas o investigador alerta que não o é. Muito pelo contrário. É benéfico.

«Se estamos os dois aqui a conversar e uma terceira pessoa põe música aos berros não conseguimos comunicar. É melhor que se vá embora. O mesmo acontece com os neurónios, se tens um que não comunica bem, é bom eliminá-lo para que se faça uma conexão nova.»

O processo tem sido estudado em moscas que também sofrem de Alzheimer, provocado propositadamente pelos especialistas. Aqui chega a parte entusiasmante, explica Moreno. Os investigadores concluíram que ao hiperativar o tal processo de triagem (das células boas, vencedoras, eliminarem as más), as moscas recuperam de parte dos sintomas provocados pela doença.

E há mais: a par com a descoberta das impressões, descobriu-se também um gene, o azot, que surge apenas quando se evidencia a tal diferença entre a boa forma das células. Este gene é o jurado, o que decide se a célula mais fraca é eliminada ou não.

«Talvez estejamos a estudar o Alzheimer de forma incorreta. Sempre pensámos que é um problema de neurodegeneração mas o que estes trabalhos vêm dizer é que, talvez, seja parecido a uma epilepsia mas sem um foco localizado.»

Em laboratório os investigadores já conseguiram replicar o gene em moscas: concluiu-se que ajuda a tornar o sistema mais eficaz, já que vivem mais e envelhecem mais lentamente. «Se este benefício se traduzisse nos seres humanos – e se neste momento estamos a viver até aos 70, 80 anos – significaria que poderíamos viver até aos 140 anos.» A ideia seria, no futuro, saber como aplicar estas descobertas a um medicamente que regulasse o processo. Que funcionaria como uma espécie de elixir da juventude, portanto.

Estes estudos têm servido para perceber muita coisa sobre o envelhecimento e também sobre o cancro. No caso do Alzheimer ajudou a mudar o paradigma: «É que às tantas temos estado a estudar a doença de forma incorreta. Sempre pensámos que é um problema de neurodegeneração mas o que estes trabalhos vêm dizer é que, talvez, seja parecido a uma epilepsia mas sem um foco localizado.»

Na Fundação Champalimaud, Eduardo Moreno trabalha com portugueses, franceses, espanhóis, indianos e italianos para entender o mundo microscópio do corpo humano. «Como é que estas células formam uma sociedade perfeita é a pergunta»

Eduardo Moreno é madrileno e já há 15 anos que estuda este curioso processo de seleção das células. Foi em 2005 que se tornou chefe de laboratório em Madrid e já passou pela Suíça antes de chegar a Portugal há cerca de um ano.

Na Fundação Champalimaud trabalha com portugueses, franceses, espanhóis, indianos e italianos para entender o mundo microscópio do corpo humano. «Como é que estas células formam uma sociedade perfeita é a pergunta», explica. «Tens triliões de células no corpo mas não te sentes como triliões de indivíduos diferentes; elas estão a fazer o seu trabalho para que funciones como um só organismo. Mas eu tenho-me focado no que pode correr mal.»

Eduardo estuda o processo químico mas não só. As células também têm processos mais mecânicos, adianta. Competem pelo espaço no tecido – empurram-se literalmente umas às outras – e têm um papel fundamental na criação de tumores. Também competem por nutrientes que precisam para sobreviver, um tipo de competição indireta. Estamos um pouco confusos, confessamos. «Às vezes também nós ficamos. Ainda há muita coisa que não entendemos. Por isso é que continuamos a trabalhar.»