Acordo ortográfico: a favor ou contra?

Parece não haver forma de encontrar consenso quanto ao Acordo Ortográfico. Uns garantem que é uma aberração e que tem de ser revogado. Outros defendem-no com unhas e dentes por unificar a língua portuguesa. Os escritores Lúcia Vaz Pedro e António Gallobar são exemplos dessa divisão.

A discussão permanece. O Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) continua a gerar polémica. Um grupo de cidadãos lançou neste mês um manifesto contra o acordo e defendeu em documento enviado ao presidente da República, ao governo e ao Parlamento a sua revogação ou suspensão. E a Academia de Ciências de Lisboa elaborou um plano com propostas para o melhorar. Apesar de ser aplicado no ensino há cinco anos, ainda há muita gente que se recusa a usá-lo. Outros já o adotaram. António Gallobar, escritor e poeta, de 56 anos, e Lúcia Vaz Pedro, professora do ensino secundário e também escritora, de 46, são exemplos da oposição na grafia nacional.

«O Acordo Ortográfico é uma aberração», diz António Gallobar, que se recusa a aplicá-lo. Para o poeta, a retirada das consoantes mudas, por exemplo, não tem justificação e baralha as pessoas. «A palavra espectador ao ficar sem o c passa a ser “espetador” e pode ser confundido com a outra palavra que significa “aquele que espeta”.» Lúcia Vaz Pedro discorda.

«O cérebro consegue perceber as diferenças e, consoante o contexto, entende o significado de uma e de outra palavra», diz a professora que há vários anos usa o acordo no dia-a-dia. E nas suas aulas de Português, claro. Para ela, que é uma das formadoras do Acordo Ortográfico do país, regras como a retirada das consoantes mudas têm toda a lógica.

«As consoantes mudas não articuladas foram retiradas porque não se liam, não se usavam E em nada se mudou na pronúncia.» Gallobar volta à carga: «Ao retirarem-se as consoantes muitas palavras ficam com fonéticas iguais a outras e torna–se muito mais complicado. “Conceção” (que significa gerar e que se escrevia concepção mas que perdeu o p) e “concessão” passam a ter o mesmo som. E é estranho existirem duas palavras que se leem da mesma maneira mas que se escrevem de forma diferente.»

Lúcia insiste. «Só saltaram letras que não se liam. Como é que se explica aos miúdos que “ótimo” tem um p?» António Gallobar aceita este ponto. «Há palavras que aceito que mudem porque a alteração não introduz qualquer confusão, como é o caso de “ótimo”. Ao mudar não passa a ser igual a outras palavras.» Aliás, o escritor admite que também concorda ser importante «unificar a língua portuguesa», mas só quando todos o fizerem. «Não faz sentido fazer em nome da unificação, quando Angola e Moçambique não aceitaram.» Lúcia tem outra perspetiva: «Acredito que em Angola a aprovação está para breve.» E acrescenta que este país já está a financiar e a contribuir para a plataforma Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa.

Gallobar aproveita para criticar o facto de, «ao contrário dos portugueses, os brasileiros manterem as consoantes». Lúcia tem uma explicação: «Porque eles leem essas consoantes.» António contrapõe: «Mas, para os portugueses, as consoantes em certas palavras eram importantes para distinguir de outras.» E não tem dúvidas: «No acordo há muitas aberrações linguísticas.» Uma das maiores é o fim de alguns acentos, especialmente no verbo parar.

«Com o acordo escrevemos “para para pensar” e não “pára para pensar”, como dantes, e isso é absurdo.» Aí, Lúcia cede. «Essa situação talvez seja a mais complicada. “Para” foi a palavra em que mais me custou e eliminar o acento.» Mas a maioria dos casos, argumenta, fazem todo o sentido porque facilitam e unificam.

A professora conta que antes de estudar o AO 90 também era crítica e acusa a maioria das pessoas de atacarem a nova grafia por «não dominarem a língua portuguesa». Para Gallobar, o problema está antes na forma como tudo foi feito: «Tem de se respeitar a história da língua e fazer mudanças com sentido.» São posições diferentes como estas que estão a opor os portugueses e que passam por uma escolha: recepção ou receção?