A T-shirt que se pode comer

Texto Carla Macedo em Hanvers, Bélgica

«No limite, esta T-shirt até se pode comer.» Desta forma incisiva, Jeffrey Hogue, diretor de sustentabilidade Global da C&A, tenta captar a atenção da pequena audiência de vinte jornalistas de vários países da Europa. Quer ele dizer que a T-shirt é cem por cento natural e que o produto tem zero desperdícios depois de se estragar.

O grupo está reunido em Hanvers, na Bélgica, para assistir a mais um passo no caminho da moda amiga do ambiente que a C&A diz que tem vindo a trilhar nos últimos anos. À noite, uma audiência maior (cerca de 300) de jornalistas de moda e influencers – a palavra que agora designa os quem têm mais seguidores nas redes sociais e com isso influenciam as decisões de compra – assistirá ao desfile da coleção outono-inverno da marca.

Os grandes retalhistas estão de facto a implementar políticas ativas de sustentabilidade.

O design continua a ser o fator mais importante na roupa produzida pelas grandes marcas de moda e a C&A, como outras, aposta quase tudo nesse departamento. As opções de compra do consumidor médio não se pautam por critérios ecológicos. «Se não for bonito não vai ser comprado», diz o responsável.

Jeffrey Hogue garante que a ideia feita de que a indústria da moda é das mais poluentes do mundo é um mito, por não haver estudos específicos que a fundamentem. Ainda assim, os dados públicos e auditados pelas empresas de moda massificada mostram que os grandes retalhistas estão de facto a implementar políticas ativas de sustentabilidade.

A C&A diz querer liderar este processo (a H&M tinha dito o mesmo semanas antes em Lisboa, num encontro com jornalistas) de fazer roupa que não polui nem é resultado de trabalho humano em condições precárias.

A marca estabeleceu vários objetivos para 2020, descritos no relatório de sustentabilidade, entre os quais usar apenas algodão biológico nessa data, assim como 67 por cento dos restantes materiais de uma origem sustentável, eliminar todas as descargas poluentes, reduzir a emissão de gases que estão na origem do efeito de estufa e diminuir o consumo de água.

Todo o processo de desenvolvimento desta linha pressupõe que a T-shirt feita de algodão orgânico possa ser devolvida à terra e desintegrar-se.

Passos já dados, como a utilização de fibras de tecido reciclado ou o desgaste das gangas a laser e não através de lavagens, têm reduzido a pegada poluente da marca no mundo. Mas a T-shirt com o certificado Cradle to Cradle apresentada na Bélgica, no início de maio, e que chega às lojas da Europa a 1 de junho, é uma novidade.

«O que é novo e diferente é que estamos a tentar mudar do paradigma do aumento da eficiência e da redução do impacto para um modelo de produção em que somos nós quem restaura o ambiente e não quem o desgasta», diz Hogue. «Na abordagem segundo o modelo da economia circular, de que este certificado Cradle to Cradle é uma garantia, esperamos conseguir fechar completamente o círculo biológico deste produto…»

A T-shirt é feita de algodão cem por cento orgânico e as etiquetas também (não em poliéster como é habitual), tal como as linhas das bainhas.

Como o nome indica – cradle quer dizer berço e, numa tradução livre, a frase significa «da origem à origem» – pretende-se que esta peça tenha um ciclo de vida semelhante ao dos elementos na natureza. Todo o processo de desenvolvimento desta linha pressupõe que a T-shirt feita de algodão orgânico possa ser devolvida à terra e desintegrar-se.

O responsável da marca diz mesmo que esse é o melhor destino a dar à T-shirt quando estiver desgastada e o comprador já não a queira usar. «A partir das onze semanas num contentor de compostagem, a T-shirt começa a desfazer-se.»

A T-shirt é feita de algodão cem por cento orgânico e as etiquetas também (não em poliéster como é habitual), tal como as linhas das bainhas. As cores são dadas através de pigmentos não poluentes. Por tudo isso, esta T-shirt recebeu a certificação ouro do organismo independente Cradle to Cradle, a segunda mais alta da escala. A ideia de Hogue, agora, é pôr mais peças à prova nesta avaliação.

«A ganga, por exemplo, é muito mais complicada, por causa dos fechos, dos rebites, das tachas. São mais passos que temos de dar para perceber se é possível encontrar os fornecedores certos para esses componentes. Mas em cada estação apresentaremos mais e mais peças de diferentes categorias ao certificado Cradle to Cradle.»

A 1 de junho, a primeira T-shirt com um certificado de economia circular estará disponível nas lojas da C&A, em 18 países da Europa, Portugal incluído. O repto da C&A, que é hoje o maior comprador do mundo de algodão biológico, é para que mais marcas adotem políticas ativas de preservação e restauro do planeta. Para os consumidores também há um desafio: comprar com consciência, cuidar bem da roupa e devolver à natureza o que dela foi tirado.

 

CERTIFICADO CRADLE TO CRADLE

A Cradle to Cradle é uma organização que funciona como auditora para a economia circular. O fundador, William McDonough, tem várias obras escritas sobre a sustentabilidade prática, sobre os processos necessários para transformar a economia e diz ser contra a propriedade. «Defendo que as marcas prestem serviços e se responsabilizem por todas as fases do produto, da produção à sua eliminação, passando pela reparação», diz McDonough.

Para a obtenção de um certificado Cradle to Cradle, cada empresa tem de propor a avaliação de cada produto individualmente e são auditados os fornecedores, os processos de produção, o tempo de vida do artigo e o seu regresso à natureza. Os produtos menos danosos recebem a certificação platina. Os mais danosos recebem uma assessoria para alterar os critérios que pontuaram negativamente.

AS OUTRAS MARCAS

A C&A não é a única marca envolvida na produção de moda mais sustentável. Grandes grupos como a Inditex e a H&M têm demonstrado publicamente as políticas ativas de sustentabilidade e trabalham, neste assunto, em cooperação.

Recentemente, a Fundação C&A, dirigida pelos descendentes dos fundadores Clemens and August Brenninkmeijer, lançou em Amesterdão a iniciativa Fashion for Good, que se destina a desenvolver e partilhar conhecimento sobre estas temáticas, tendo seis programas complementares entre si que podem ser aplicados tanto por fornecedores com por outros retalhistas.

As grandes marcas de massas produzem,anualmente, apenas cerca de dez por cento de toda a roupa do mundo. O desafio é também estender as boas práticas aos produtores indiferenciados de roupa e aos fornecedores de componentes, para que as sustentabilidade não seja apenas apanágio de alguns.