A melhor semana de todo o ano

Notícias Magazine

Sempre achei os finais de ano muito stressantes. Não a festa, lantejoulas e stiletti. Ou a roupa interior azul – ou, como neste ano todos percebemos num meme viral no Facebook, escolhendo, entre nove cores, a que melhor define o que desejamos para o novo ano. Não é disso que falo: falo do momento, mesmo, aquele minuto em que tudo deixa de ser o que era para passar a ser o que será. Aquele momento em que se dá a transição do ano. Que é aquele minuto fatal em que tanto acontece, ou antes, em que tanto tem de acontecer.

Senão, reparem: comer doze passas, e ainda atribuir um desejo a cada uma, pôr-se apenas no pé direito, não vá o ano novo apanhar-nos com o esquerdo no chão, subir para uma cadeira e saltar, eventualmente apenas com o pé direito, tendo o cuidado de não começar o ano nas urgências de ortopedia, agarrar no flûte de champanhe e fazer um brinde que valha a pena com os que nos rodeiam, beijá-los e abraçá-los, desejar bom ano a cada um – sob pena de ferir suscetibilidades –, ver o fogo-de-artifício, acender a nossa própria estrelinha e prestar-lhe um segundo de atenção para que não queime o casaco de pele da avó.
Falemos apenas dos desejos. doze-desejos-doze. Além dos óbvios de amor, saúde, paz e dinheiro, resta ainda muito desejo para preencher – e seria começar logo mal o ano se, nessa contabilidade íntima, nos descobríssemos a nós próprios mesquinhos, fúteis ou, até, sem imaginação por causa, precisamente, de um desejo mal formulado. Ano novo é época de grandeza – de resoluções e de mudanças assinaláveis – não é para desejar uns ténis novos. Ainda que sejam para acompanhar a promessa de ano novo de começar a correr.

É por tudo isto que eu prefiro de longe o defeso que se segue à loucura do ano novo. E é também por isso que escrevo agora esta crónica, uma semana depois do réveillon. A minha semana favorita no ano. Primeira semana de janeiro. Crianças na escola, trânsito regular, a música pop, na melhor das hipóteses, ou de elevador, na pior, mas sempre melhor do que a de Natal, regressou às lojas e aos centros comerciais. Ainda temos um ano quase inteirinho para estrear – o que é uma semana nas nossas vidas? – e todas as esperanças ainda não embateram nas realidades duras que hão de seguir-se e destruí-las. As nossas decisões de ano novo, promessas de mudança de vida, grandes ou pequenas, essas também ainda não foram quebradas. Começou a dieta, e também por isso nos sentimos mais fortes, capazes de tudo. Neste ano, esta sensação, que costuma ser individual, foi acompanhada do alívio coletivo e bem expresso por esse ciberespaço, do terminar de um ano horrível. O problema é que o que mudou no mundo, neste aziago 20016, vai continuar a impor-se, vai continuar a fazer-se sentir. Também por isso, deixem-nos saborear com ingenuidade esta primeira semana do resto das nossas vidas.