Três histórias inventadas sobre Marcelo

Notícias Magazine

Há duas ou três coisas que sei sobre Marcelo Rebelo de Sousa. São situações em que só aparecem duas pessoas e há discursos diretos, o que poderia indicar que foi uma delas que me passou a informação. Nada mais falso. Tudo o que sei destas histórias veio duma terceira pessoa. Esta, George Vartan, espião búlgaro que conheci em Lisboa, depois de ma contar suicidou-se com o guarda-chuva com que costumava matar os agentes inimigos. Se eu gosto destas histórias, porque recusá-las a outros?

Na tarde de 25 setembro de 2009, na lisboeta Avenida da Igreja, decorria a última jornada da campanha legislativa. Manuela Ferreira Leite, então líder do PSD, defrontava Sócrates, e fazia uma campanha tristonha, a que as sondagens e os comentadores auguravam ainda pior. Estava marcada uma arruada, mas pouca gente aderiu e as personalidades do partido puseram cara de enterro. Já estavam dispostos a ficar pelos passeios a despachar os panfletos, quando Pacheco Pereira teve a má ideia de ocupar a rua. Esquerdista de juventude, ele já se via como no Front Populaire, Paris, anos 1930. Azar, a avenida é larga e a gente mal dava para encher duas filas. O ar fúnebre acentuou-se.

Marcelo ia ao lado de Manuela, mas cedo desapareceu. Teria abandonado a companheira? Não, porque reapareceu pouco depois. Tinha-se deixado ficar para trás quando viu a Mercearia Angolana, com garrafas na montra. Comprou uma garrafa de champanhe, voltou à fila, mostrou o champanhe à líder e sussurrou-lhe: «Foi aquela velhinha que lhe ofereceu» – e apontou para uma velhinha, igual a tantas que nunca faltam na Avenida da Igreja. Marcelo fez adeus à velhinha e a velhinha correspondeu, radiante. Os acenos nas manifestações têm o efeito contagiante dos bocejos e Manuela Ferreira Leite, convencida da simpatia da fã, adepta e correligionária, fartou-se de lhe acenar. E a líder acabou a arruada com um sorriso triunfante.

A campanha, porém, fora um calvário. Mulher mais dada a contas do que a tiradas de tribuno, Ferreira Leite dissera no início que faria a campanha quase sem comícios. Nos últimos dias, fez um que coincidiu com más sondagens, dando mais de dez pontos a favor do adversário – anunciava-se o desastre. E ela discursou desolada. Na primeira fila, Marcelo. Acabou a homilia, sob palmas tristes. No palco, a líder desceu as escadinhas da tribuna, com o ar de quem sobe ao patíbulo. A única coisa agitada da noite foi Marcelo saltar da cadeira e correr para a líder, que descia. Lançou-lhe, baixo: «Que belas pernas, Manuela!» E ela deu uma gargalhada. A frase nenhum jornalista a ouviu, a gargalhada sim. Correu o seguinte: o Marcelo conhece uma boa sondagem e acaba de informar a Ferreira Leite…

Esses felizes episódios finais não ilustram a sucessão de dias em que a candidata definhava. Por várias vezes, ameaçou: «Marcelo, vou desistir.» E o professor dissuadia-a. De uma vez em que ela estava particularmente prostrada, Marcelo preveniu: «Isto já parece a história do anão…» Ela espantou-se: «Do anão?!» E ele contou.

Um autocarro com um anão entre os passageiros abrandou na paragem, o anão escorregou e caiu quando o carro parou. O passageiro que ia ao lado baixou-se e colocou o anão no lugar. Na paragem seguinte, paragem, caída do anão e ação salvadora do vizinho. E assim por mais duas vezes, quando o passageiro avisou: «Homem, quando o autocarro abrandar, segure-se!» E o anão: «Ó amigo, há quatro paragens que eu só tento sair…» Marcelo: «Manuela, se me fala outra vez em abandonar, eu deixo-a ir.»

Manuela Ferreira Leite deu uma gargalhada e José Sócrates perdeu a maioria absoluta.

[Publicado originalmente na edição de 31 de janeiro de 2016]