Entrevista a Sara Falcão Casaca

A igualdade de género, a paridade no trabalho, a causa das mulheres, que é a causa dos direitos humanos: em 1999, Sara Falcão Casaca descobriu a área de investigação de uma vida. A nenhuma outra, confessa, daria tamanha dedicação pessoal e profissional. Nascida em Coimbra há 45 anos, licenciada em Sociologia Económica e das Organizações, professora (do Instituto Superior de Economia e Gestão – ISEG), ex-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e responsável pelo projeto Promoção da Igualdade de Género nas Empresas: do Diagnóstico à Ação, a investigadora faz da academia e da cidadania a rima perfeita.

Comecemos em 1999. Em outubro desse ano, assistiu no ISEG ao Seminário de Estudos sobre Género e Igualdade de Oportunidades, por ocasião dos 20 anos da lei da igualdade no trabalho e no emprego. Decidiu aí, disse mais tarde, que seria aquela a sua área de investigação. Fale-me desse momento.
É verdade, ficou absolutamente claro para mim que esse seria o meu caminho. Nesse seminário, fui confrontada com um diagnóstico tão realista quanto inquietante sobre as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho em Portugal. A vulnerabilidade à precariedade e ao desemprego; os salários inferiores aos dos homens – distância esta que aumentava proporcionalmente ao nível de escolaridade; a ocupação das profissões menos qualificadas e subrepresentação nos lugares de direção e chefia. Tudo isto, apesar de terem decorrido mais de duas décadas sobre a consagração da igualdade entre homens e mulheres na Constituição e duas décadas sobre a lei da Igualdade no Trabalho e no Emprego. Foi muito mobilizador. Digo-o com toda a convicção. Não poderia haver outra área a que desse toda esta dedicação profissional e pessoal. E também ali encontrei pessoas que me marcaram muito, que são referências estruturantes neste meu caminho. De facto, 1999 é o meu marco académico.

Até aí, que perceção tinha das questões da igualdade entre homens e mulheres?
Tal como a maioria das pessoas da área da Sociologia do Trabalho e das Organizações, estudava os modelos de organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações laborais, as implicações das transformações na relação de emprego à luz das relações de poder entre capital e trabalho, e das desigualdades de classe. No ISCTE, onde estudei, em finais dos anos 1980 já havia algumas publicações sobre o trabalho feminino, poucas, mas a discussão teórica enquadrava-se mais no domínio da Sociologia da Família. Penso que chegaria a um ou outro estudo já existente no ano em que saí para Erasmus e onde as optativas estariam mais concentradas, mas, na verdade, por cá, não cheguei a integrar a perspetiva de género.

Em 1999, tinha 28 anos. Da experiência pessoal, como aluna e professora, nunca sentira que ser mulher fosse uma desvantagem?
Fora da Academia, no meu círculo mais próximo, convivia com mulheres lutadoras. Não tinha como referência o modelo do homem ganha-pão e da mulher doméstica. Os casos que conhecia dessa divisão eram escassos. Basta dizer que coube à minha avó prover a família, dependendo dela o meu avô, por razões de saúde e não só. A minha avó, por exemplo, quis estudar, valorizar-se, assim que lhe foi possível. Realmente, eu via as mulheres e os homens a ocupar lugares diferentes nas hierarquias, a frequentar cursos universitários distintos, mas nunca tinha percorrido o caminho que me permitisse questionar a distância entre diferenças e desigualdades estruturais, entre opções individuais e constrangimentos ideológicos. Não tinha feito esse percurso, não tinha alimentado o sentido crítico que me permitisse ver tudo aquilo que hoje vejo e que estimulo as minhas alunas e os meus alunos a verem. E que, felizmente, muito mais pessoas veem. Fez-se um caminho, de informação, de sensibilização, de questionamento. Hoje, por exemplo, os jornais no dia 5 de Outubro falam de Carolina Beatriz Ângelo e do papel de outras feministas republicanas. Alguém aprendia na escola o contributo histórico destas mulheres? O contexto é muito diferente. O olhar relativamente à violência doméstica, à violência de género, o assédio sexual no trabalho, na rua, a visão sobre tudo isto mudou muito. Felizmente, apesar de todos os flagelos a que assistimos, cada vez mais são situações que geram indignação, condenação, intolerância. Há debilidades, é certo, mas há um sentido subjetivo dos direitos que, sinceramente, não existia quando eu tinha 15, 17, 20 anos. Toda a sociedade portuguesa mudou muito. Cresci a pensar que era alguém do pós 25 de Abril, na sorte que tinha. Que as principais conquistas estavam feitas.

Uma mulher bonita. Não sentia o facto como um peso acrescido?
Devo dizer que sempre achei os piropos absolutamente humilhantes. Sempre me perguntei: «mas que direito tem esta pessoa de se dirigir a mim?» Sempre entendi o piropo como uma apropriação indevida do meu espaço, contudo, não me mobilizava com sentido crítico. Não respondia. Ignorava. Hoje, estou completamente de acordo com a criminalização do assédio sexual de rua.

Deparou-se seguramente com uma academia sexista.
Na altura não tinha o sentido crítico apurado a ponto de me aperceber do sexismo, nem sequer do sexismo da linguagem, a que hoje sou tão sensível. Na altura escrevia utilizando o falso neutro, por exemplo. Não questionava. Mas lembro-me de algum paternalismo e de um caso muito concreto: depois de uma sessão que era tida como importante, um colega professor, no final, disse-me com um ar paternalista: estiveste muito bem. Respondi com muita firmeza: Eu sei. E segui o meu caminho. Esta é uma reposta que soa a convencimento, mas não poderia haver outra. Na cabeça daquela pessoa, o meu desempenho carecia da sua aprovação, da sua opinião, sem que eu lha tivesse pedido. Devo dizer, no entanto, que outros académicos-homens não mereceriam e nunca teriam aquela resposta.

O que mudou na prática, nestes 17 anos?
É uma questão difícil. Há progressos contínuos na afirmação do capital escolar das mulheres e, portanto, há uma geração de mulheres que está tão bem ou mais preparada que os homens. Houve, também, progressos legislativos muito importantes, inegáveis, fundamentais, mas confrontamo-nos sempre com o problema da efetividade da lei. A efetividade da igualdade tem sido muito difícil de concretizar. Há áreas do domínio laboral em que a mudança tem sido muito lenta, quase impercetível.

O problema maior é o da qualidade do emprego das mulheres?
Aí, de facto, os progressos têm sido muito tímidos. Em 1974, quando se deu o 25 de Abril, as mulheres ganhavam 25 por cento menos do que os homens. Quarenta anos depois, o gap é de 17 por cento. A precariedade laboral, a vulnerabilidade face ao desemprego, a concentração de mulheres em setores tipificados como femininos e socialmente menos valorizados, a subrepresentação das mulheres em cargos de chefia mantêm-se.

A maioria da população é feminina, a maioria das pessoas licenciadas, com mestrado e com doutoramento, é composta por mulheres. Não sendo por amor aos direitos humanos que fosse pelo menos por critérios de racionalidade económica. Nem assim?
Esse é um ponto essencial. O peso das conceções estereotipadas é enorme. Há uma dicotomia estrutural entre elas, as cuidadoras e eles, os trabalhadores libertos de responsabilidades familiares. Não é por acaso que o facto de uma mulher poder vir a ser mãe leva a que seja preterida em relação a um homem que concorra nas mesmas circunstâncias ou até com currículo inferior. Esta forma assimétrica, estereotipada, de ver a mulher e o homem é um dos principais obstáculos, e contraria – como diz – os critérios de racionalidade económica.

Isso leva-nos à visão restritiva do trabalho. O trabalho de cuidar ainda é visto como «não trabalho»?
Ainda há uma visão restritiva do trabalho que é a ensinada na faculdade e nas escolas. Quando se fala de trabalho fala-se de emprego enquanto atividade económica. E quem está em casa não trabalha. Mas se se tirar da penumbra os usos do tempo dedicados ao trabalho não pago verificar-se-à que as mulheres, em relação aos homens, trabalham mais uma hora e 13 minutos por dia. Mais uma jornada de trabalho ao fim de uma semana. Refiro-me aos últimos dados do Inquérito aos Usos do Tempo, englobando os tempos de trabalho pago e não pago.

Terminou em abril o projeto Promoção da Igualdade de Género nas Empresas: do Diagnóstico à Ação. Quais são os principais problemas diagnosticados?
Não podendo falar dos diagnósticos dessas empresas em particular, posso, no entanto, dizer que há constrangimentos vários. Há pouco, referi a menor disponibilidade das mulheres para investirem na carreira, devido às assimetrias no trabalho não-pago. Dentro das empresas, a metáfora do «teto de vidro» remete-nos para os mecanismos de discriminação invisíveis. Discriminação aberta, direta, mais dificilmente se encontra hoje nas empresas. Mas a subtil, a indireta, está lá. Por exemplo: a prática regular em muitos setores de marcação de reuniões sem aviso prévio. De repente, marca-se uma reunião para aquele dia, às 18:30, e diz-se a toda a equipa que tem de assistir. Ora, esta ordem aparentemente neutra tem um efeito de género. Porque quem tem a responsabilidades familiares, sobretudo as mulheres, não vai poder ficar para aquela reunião.


Saiba mais sobre o projeto Promoção da Igualdade de Género nas Empresas: do Diagnóstico à Ação.


Nas empresas, a avaliação premia sobretudo a disponibilidade?
O funcionário que está sempre disponível. E aqui falamos de organização do trabalho. As marcações de reuniões em cima da hora são recorrentes, assim como novos deadlines imprevistos. E as mulheres deixam de estar visíveis. Passam a ser vistas como menos comprometidas com a sua atividade profissional. Quando, no fundo, não tiveram alternativa. Ou seja, as oportunidades de as mulheres ascenderem a lugares de decisão são fracas porque a avaliação do desempenho não incide sobre a qualidade do trabalho mas sobre a flexibilidade tida como disponibilidade total. Seria muito importante – e o projeto que desenvolvi deu esse contributo – repensar os modelos de organização do trabalho de forma a que as pessoas fossem avaliadas pela qualidade do trabalho e não pelas horas que passam nas instalações das empresas.

E quando explica isso aos responsáveis das empresas, que resposta obtém?
Sobretudo, é preciso trabalhar com as chefias intermédias. Estudos comprovam que uma empresa pode ter excelentes políticas de articulação trabalho/família sem que as pessoas beneficiem delas. Porque as chefias diretas têm um peso fundamental. Uma mulher ou um homem que infere que pode ser penalizado ou penalizada na sua carreira profissional por partilhar a licença de parentalidade, opta por não beneficiar desse direito. Portanto, os contextos organizacionais precisam de uma mudança organizativa e cultural.

Estas questões ainda são consideradas menores nas empresas?
Temos um tecido empresarial muito assente em microempresas e, portanto, não posso generalizar. Mas posso dizer que não tive dificuldade em trazer várias empresas para este projeto. E que as deixámos com um diagnóstico exaustivo. A minha equipa de investigação propôs-se dar resposta a cerca de 100 questões essenciais a uma auditoria de género e, a partir daí, apoiou na elaboração de planos para igualdade nestas empresas. O projeto terminou nesta fase mas seria muito importante – e eu adoraria – dar-lhe continuidade. Quando se fala de mudança, não basta mudar os procedimentos, temos de mudar representações, estereótipos, práticas formais e informais de trabalho.

Mudar comportamentos requer o compromisso de todas e de todos. Tornar a causa da igualdade algo que não é apenas importante para algumas pessoas na academia ou no contexto político, mas sim que que faça sentido para todas as mulheres e para todos os homens.

Continua a atribuir-se à mulher e ao homem um diferente papel natural. A maneira mais eficaz de alterar esse estereótipo é tomar cada vez mais medidas de ação positiva vinculativas?
Assim como defendo a lei de paridade para os lugares de decisão estratégicos, considero que temos de pensar em medidas mais vinculativas para permitir aos homens que se realizem na esfera privada. Exercer os direitos enquanto país, dar mais atenção à família, dedicarem-se mais ao cuidado. O estudo recente sobre os usos do tempo demonstrou que as mulheres e os homens valorizam igualmente o trabalho pago e a esfera familiar. E há um grupo de homens que gostaria de dedicar mais tempo à família. Nas empresas que integraram o nosso projeto, os homens também manifestaram esse desejo.

Portanto, há esperança.
Há. No plano das políticas considero que deve caminhar-se para licenças completamente partilhadas de iguais tempos para mães e para pais e não transferíveis. Maria do Céu da Cunha Rêgo têm defendido isto como ninguém. Temos licença de parentalidade mas quase um terço dos homens ainda não goza a licença obrigatória de uso exclusivo dos pais. Por aqui se vê o que se passa nos contextos laborais. As organizações têm a marca do género. Os modelos de organização de trabalho foram concebidos por homens, à luz do que era o seu estilo de vida, segundo uma visão de masculinidade tradicional hegemónica que não serve hoje as aspirações das mulheres, e de muitos homens, que não se reveem nesse modelo organizacional nem nessa cultura.

E que já o afirmam sem constrangimentos?
Entrevistei vários homens que me diziam que beneficiar de uma licença era uma nódoa negra na carreira profissional. Foi em 2005 mas continua a fazer todo o sentido em 2016. Não temos modelos de organização do trabalho inclusivos e familiarmente responsáveis. Custa-me que se fale em responsabilidade social como se a responsabilidade pela articulação com a vida familiar não existisse. Temos de chamar as empresas a esta questão, chamá-las à sua responsabilidade efetiva nesta matéria.

Chamar também as universidades como esta – ISEG – que ensinam economia e gestão. À partida, os futuros gestores destas empresas saem destas universidades. Essa está a ser uma preocupação das escolas?
Gostava de ver uma formação mais humanista. Preferia que os cursos de Gestão e de Economia e de Direito, por exemplo, formassem para estas questões essenciais dos direitos humanos, da igualdade entre mulheres e homens. Gostava que estas áreas estivessem mais reforçadas. A formação humanista é necessária.

Quando a empresa é gerida por uma mulher, muda alguma coisa? Uma mulher nos lugares de decisão significa mudança nas relações de poder?
(Ri) Essa é uma questão tão difícil. Considero que as mulheres e os homens não são diferentes nos seus estilos de liderança. No contexto laboral, conseguimos identificar homens perfeitamente solidários e mulheres orientadas para o poder. Por outro lado, é verdade que há uma marca do género na socialização. Sabemos, por exemplo, que a modernização do quadro normativo e as leis mais progressistas no domínio da proteção da maternidade e da paternidade, e na articulação do trabalho/família, devem-se ao facto de mais mulheres terem passado a exercer cargos políticos. Ao verterem os seus dilemas no debate fizeram avançar o quadro normativo e legal. Mas temos um problema na liderança à frente das empresas e nos lugares do topo: as organizações foram criadas por homens de acordo com o seu estilo de vida e até o seu ideal de masculinidade. Sendo uma minoria dentro dos lugares estratégicos destas empresas, as mulheres não têm grandes hipóteses. Em contextos muito masculinos ou se submetem às regras do jogo, assimilando a cultura prevalecente, ou adotam um low profile.

Daí dizer-se que as mulheres têm menos ambição de que os homens, e que, por isso, não chegam a lugares de topo?
Quando iniciam a carreira profissional, as mulheres não são menos ambiciosas de que os homens. Acabam, sim, por adaptar as expetativas às condições objetivas que têm pela frente. Dentro das organizações, a estratégia de muitas passa por se tornarem invisíveis. Outras acabam por assimilar a norma dominante. É o que verificamos também na política. Basta pensar em Theresa May ou Angela Merkel, por exemplo.

Tentar-se-ia a votar numa mulher apenas por ser mulher?
Não por ser mulher. Mas também digo que chegou o momento de alterarmos os rostos da governação das nações. Nunca tivemos uma geração de mulheres tão bem preparada para estes lugares.

Recentemente, como reagiu à candidatura à ONU de Kristalina Georgieva?
O perigo, nestas circunstâncias, vem da instrumentalização, que foi o que aconteceu na ONU. A instrumentalização da causa da igualdade e do discurso da paridade em nome de estratégias geopolíticas alheias a essa luta. Pior: vimos neste episódio a tal cultura de poder, tão pouco elevada e tão pouco transparente.

Custa mais quando é uma mulher a alinhar nisso?
Sinto uma grande tristeza porque, de facto, é manchar a credibilidade de uma instituição e uma causa maior que é a da igualdade. Como pode uma mulher prestar-se a instrumentalizar a causa da igualdade entre mulheres e homens, e a da paridade, sabendo que com esta atitude vai prejudicar tantas outras mulheres que gostariam de ocupar cargos destes à luz da ética e da transparência?

A igualdade de género faz parte da agenda mediática mas, curiosamente, fala-se pouco em direitos das mulheres. E de igualdade entre mulheres e homens, de que tanto se falou nos anos 1990.
Os direitos das mulheres ficam mais diluídos no conceito de igualdade de género. Assistimos, de facto a um debate enorme, mas os avanços não são muitos. Utilizo o conceito de igualdade de género mas falo muito em igualdade entre mulheres e homens e nos direitos das mulheres.

Hoje, a graçola homofóbica é menos tolerada que a graçola machista/sexista. Na luta pelos direitos humanos, a causa das mulheres ficou um pouco para trás?
Ficou. Há direitos humanos que têm progredido mais na sua efetividade do que os direitos humanos das mulheres. Considero que houve de facto um recuo, tendo em conta essas novas formas de machismo e sexismo, ambivalentes. Um sexismo que já não é ostensivo. Agora, as pessoas são sexistas com um sorriso nos lábios. A própria linguagem feminista foi-se diluindo. As pessoas fogem, há um certo receio de se falar dos direitos das mulheres.

É preciso recuperar o léxico feminista?
Considero que temos de recuperar o léxico feminista e a linguagem feminista, independentemente de nos empenharmos noutras causas.

A linguagem, no dia-a-dia, continua a refletir e a promover a desigualdade?
Muitas vezes, e sem as pessoas darem por isso. A linguagem, tal como é utilizada no dia-a-dia, é sexista e discriminatória. É o legado de uma sociedade patriarcal e de um tempo em que se acreditava que os homens eram superiores às mulheres. Portanto, estas permaneciam invisíveis na vida pública, na cultura, nas artes e também na linguagem. É uma forma de perpetuar a invisibilidade das mulheres e as desigualdades estruturais entre as mulheres e os homens. E está tão enraizado. A linguagem é estruturante.

O caso do cartão de cidadão foi considerado por muitos menor.
Menor? Interagimos com base na linguagem. A linguagem é absolutamente estruturante. Somos invadidas com uma linguagem que não é inclusiva – pelo contrário, é discriminatória e sexista. Não é assunto menor.

Como reage quando sofre uma discriminação direta?
Reajo sempre. É a minha área de investigação, é área de intervenção cívica e no dia-a-dia tenho de viver coerentemente com o que investigo e com os diagnósticos que vou fazendo. Não tenho cartão de cidadão. Não tenho porque estou à espera que haja um cartão de cidadã. E isto é verdade e é um problema. Um problema de cidadania que o Estado me está a criar. Porque está a recusar-me o fundamental: que a minha identidade seja reconhecível na linguagem. O reconhecimento linguístico da minha identidade é essencial e é um direito.

Nomeia sempre os homens e as mulheres. Mesmo em família?
Sempre, sempre. As minhas alunas e os meus alunos brincam comigo precisamente porque eu digo sempre as minhas alunas e os meus alunos. Há tempos, tinham de apresentar os trabalhos. Todos eles começaram por dizer «caras e caros colegas». Sou conhecida por ter estas insistências.

«Portugueses e portuguesas, estamos aqui reunidos e reunidas porque estamos todos e todas preocupados e preocupadas com a questão dos desempregados e desempregadas» – ironizou Ricardo Araújo Pereira.
Há muitas formas de o simplificar. Poderia ser: portugueses e portuguesas (ou vice-versa, eu gosto de alternar), partilhamos a mesma preocupação com a questão do desemprego. Basta ter vontade. Há uma Guia – uma publicação da CIG – que nos dá muitas sugestões neste sentido.

Nunca tem um deslize?
Sinceramente, desejo que não. Interiorizei a necessidade de ser coerente.


Leia a segunda parte da entrevista a Sara Falcão Casaca.