Zeus quando nasceu riu durante sete dias, disse Teodoro de Samotrácia. Isaac significa riso. O seu pai tinha cem anos e a mãe noventa quando ele nasceu. É Sara quem diz que devemos rir (quem ouvir esta história rirá comigo) quando o baptizam Isaac. O riso neste caso é a confirmação do milagre e da impossibilidade. Ridiculariza-se a realidade, as leis físicas, o fatalismo.
À excepção de Zeus, nascemos a chorar. O choro é uma condição natural, enquanto o riso demorará a vir, exigindo uma aprendizagem. Nativos americanos dizem que era bom que, já que nascemos a chorar e as pessoas à volta a rir, quando morrêssemos fosse exatamente ao contrário.
Dizem que Estaline nunca riu e Newton apenas uma vez. Cristo chorou, mas não riu. Eco usou isso mesmo n’O Nome da Rosa. Para o bem e para o mal, o riso retira gravidade.
Mais do que rir, choramos com a alegria. Se reencontramos um amigo de longa data, soltamos uma lágrima; se o nosso filho se salva de uma fatalidade, choramos; os olhos ficam marejados com a beleza, com o sublime, com a música, com um quadro de Chagall. As lágrimas são o verdadeiro veículo da felicidade. Ao contrário, o riso pode ser uma arma e servir de insulto: rimos de alguém. É mais difícil fazer isso com o choro, que não se presta à ofensa. Mas o riso é um grande veículo de sabedoria, por descontextualizar e dar uma nova maneira de ver as coisas, por assumir o paradoxo e a impossibilidade como algo real, por abalar certezas, por fazer do ridículo algo pertinente e por ser um exercício racional que nos leva para lá da razão.
É ainda uma maneira de viver, de olhar para a vida. Sabendo que vamos morrer, aceitamos jogar essa partida viciada com inaudito optimismo e, face à morte anunciada, somos capazes de rir. E esse riso é a maior ofensa que lhe fazemos.
Celso, em Contra os Cristãos, acusa Cristo de falta de humor: «Porque não escolheis então Epicteto? Quando o seu algoz lhe torcia a perna, disse-lhe calmo e sorrindo: “Ides parti‑la”, e tendo-se a perna partido efetivamente, acrescentou: “Bem vos dizia que íeis parti-la!” Que disse o vosso Deus de parecido no meio dos tormentos?»
Se Cristo não foi tão estoico na cruz, São Lourenço soube fazer humor. Ao ser posto numa grelha (foi grelhado vivo), passado algum tempo, levantou a cabeça e disse: «Podem virar-me que deste lado já está.»
Hoje, é padroeiro dos restaurantes e churrasqueiras.
[Publicado originalmente na edição de 27 de março de 2016]
