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Marta, my dear,

Cheguei ao último parágrafo da sua última carta em estado de choque! Uns atrás dos outros sucediam-se os pontos de interrogação – vinte e três, se não estou em erro… – e outro me invadia o cérebro, cruel pela humilhação que acarretava – como respondo a tudo isto? De acordo, algumas das questões eram retóricas, outras destinavam-se a ambos e você não recusaria amparo a este trôpego sexagenário, mais quand même…

Burrice paranoide minha, está bom de ver. Nas últimas linhas, em duas penadas, encontrei a resposta às perguntas e à minha crescente inquietação, uma sexualidade feliz no ocaso da vida é possível e desejável, mas implica maturidade pessoal, resistência a eventuais preconceitos e alguma fé. Laica, ou seja, acreditar no que a ciência diz quanto

à sobrevivência do erotismo no plano físico, desde que esse físico navegue em águas calmas; e também «religiosa», porque o Amor é uma forma de transcendência e como tal exige crença, arroubo e devoção.

Acompanho todas as suas dúvidas, mas fiquei a matutar nas sistémicas. É verdade que a sociedade em geral continua a discriminar as ligações amorosas dos mais velhos, do riso à acusação de falta de lucidez tudo serve para os punir por resistirem a uma ideologia tirânica, segundo a qual sexo e amor são monopólio dos mais jovens, apoiados em condições sine qua non (?) como a beleza e o vigor físico. Com o matizado, mas ainda omnipresente, factor de género a fazer das suas, os homens mais velhos arrastam grilhetas bem menos agressivas do que as mulheres.

Mas a sociedade é anónima – talvez fosse melhor escrevê-la com s grande para a distinguir das outras… –, o seu peso impessoal; pressentido; escrito; lido; sem rostos amados como embaixadores plenipotenciários. Na família, as pressões, quando existem, desejavelmente não incluem sangue, mas raro se torna o caso em que não surgem suor e lágrimas. O efeito de género mantém-se, quantas vezes ouvimos frases do género «estou mais descansado/a por alguém tomar conta do pai», mas há situações de chantagem inqualificáveis: em nome de um ex, de uma falecida, do pudor, de futuras partilhas complicadas, de netos capazes de preencherem o coração de quem se atreve a declarar o seu ainda vivo.

Promessas: «Venho cá mais»; «tens o quarto lá em casa». Ameaças: «Nunca mais apareço»; «não o/a receberei». Infantilização: «para o que te havia de dar nesta idade». A voz de Amália, «tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado». Fado emoldurado por essa guitarra portuguesa com a qual Carlos Paredes aflorou a perfeição desde os meus verdes anos? Talvez. Mas fado visto como destino sem apelo, jamais! Se aos mais velhos pedimos resiliência – e atenção à armadilha que consiste em interiorizar polícias morais inventados por outros –, a todos nós é imperioso exigir uma outra atitude para com o processo de envelhecimento. Talvez não fosse mau começar por distinguir duas expressões – ser velho e estar velho. A primeira depende apenas de definições que vêm mudando. A segunda, sim, é preocupante, traduz a agonia do sonho. E a propósito – pode surgir em qualquer idade… Para que conste!
NA PRÓXIMA SEMANA, A RESPOSTA DE MARTA CRAWFORD