Primeiro passo

Notícias Magazine

Querido Júlio,

«O meu desejo anda pela rua da amargura», disse com um sorriso entre dentes. «O desejo guardo-o num tupperware», respondeu baixinho. «Não tinha muito, e ontem acho que o perdi definitivamente», afirmou, baixando o olhar.

Júlio, sabes o que têm em comum estas três mulheres? Um casamento no qual a intimidade nunca foi nada de especial.

Numa das situações, o pudor e as mensagens que recebeu em adolescente sobre o oportunismo dos homens, sobre a reserva e castidade com que se devia comportar ou a frase repetida de que «os homens só querem uma coisa das mulheres» foram inibitórias para o seu desenvolvimento psicossexual.

Noutra situação a pressão do marido para que façam sexo. Sexo porque, segundo ela, «já não fazem amor há muito tempo». «Ele salta-me para cisma e pronto, satisfaz-se. Eu apenas olho para o teto e tento perceber se aquela mancha amarela de humidade aumentou.» E, por fim, o parceiro «trabalha que se farta e quase não temos tempo para nos vermos». Quando estão juntos têm tanta coisa para tratar que se esquecem deles. Por isso, diz: «Vou guardando o meu desejo no frigorífico. Acho que talvez nas férias possa tirá-lo de lá.»

Muitas outras situações podiam ser retratadas aqui…

É preciso saber cultivar o desejo, a vontade, a curiosidade e a oportunidade. Não vale a pena aceitar o que é inaceitável, nem baixar os braços. A conjugalidade não obriga a aguentar tudo, como se existisse sempre uma bisavó ao ouvido a repetir que «tens de aguentar, minha filha, é mesmo assim, sabes que faz parte das tuas obrigações».

A sexualidade não pode ser um dever conjugal, nem uma obrigação. Se a vida íntima do casal passar a ser gratificante, talvez tudo o resto possa ser mais fácil de gerir: o trabalho, as zangas com o chefe, as finanças, as tarefas domésticas, a doença, as preocupações com os filhos e com o futuro. A intimidade é como uma bateria do telemóvel, tem de estar sempre a ser carregada. Carregá-la muitas vezes, aumenta a capacidade e a sua longevidade.

A intimidade pode ser muito melhor entre os casais desde que estejam abertos a essa possibilidade. Sugiro que arrisquem falar sobre o que os perturba, com coragem e honestidade e sem receio de que o outro fique ofendido. É importante reconhecer o que não se gosta na relação e criar uma estratégia para que ambos possam melhorar. Quando se vive demasiado tempo no vermelho habituamo-nos a isso e parece ser mais difícil mudar do que aguentar. Numa relação ambos são responsáveis. Ambos têm de querer alterar a sua equação relacional para que tudo seja melhor. Não vale a pena dizer que a culpa é de um ou do outro, geralmente ambos têm razão, mas na prática essa razão não os ajuda em nada.

O que pode fazer, a partir de hoje, para melhorar a relação? O que pode implementar desde já, e que depende exclusivamente de si? O que pode pedir ao outro que altere, sabendo a priori que o que pedir dependerá exclusivamente da vontade do outro para o fazer. Este é o primeiro passo. O segundo passo, Júlio, deixo para ti…

[Publicado originalmente na edição de 17 de janeiro de 2016]