Portugal moderno nos relvados do Euro

Notícias Magazine

Uma equipa misturada como sempre, representada como nunca. O Portugal do futuro e efeito da nossa história. Qualquer que tenha sido o resultado.

Na altura em que escrevo não sei ainda se esta é uma crónica de despedida ou alegria. Andava para fazê-la desde o jogo de preparação para o Euro 2016, aquele em que ganhámos por 7-0 à Estónia, e vi pela primeira vez esta seleção nacional ao perto.

Vi o jogo entre americanos, de visita a Portugal. «So much diversity in the field», disse-me um deles. Tanta diversidade no campo. Sendo eles americanos, de Washington, e jornalistas, eles estavam porventura com o olhar mais atento a este tipo de questões.

Expliquei-lhes, então, a origem de todos. E dei por mim a contar nada mais nada menos do que a história do Portugal contemporâneo. Contei-lhes como esta equipa é o resultado das forças centrífugas e centrípetas que fizeram de nós o que somos.

Os que ganhámos, pela força de 500 anos comuns com os países deles ou dos pais deles: o filho de são-tomenses e cabo-verdianos, Renato Sanches, o filho de cabo-verdianos Eliseu, os guineenses Danilo e Éder, o portuense com origem moçambicana João Mário, o luandense William Carvalho, o cabo-verdiano Nani… O naturalizado português Pepe – esse que grita o hino nacional mais alto do que todos os outros. A origem cigana de Quaresma, cuja comunidade é tão fechada como sempre foi, mas deu uma família de jogadores de truz.

Falei-lhes também das ilhas, de onde vem Cristiano Ronaldo, da Madeira. De como ele começou a jogar na rua em Santo António, bairro paupérrimo do arquipélago, do menino pobre com família forte e tão portuguesa – sobretudo a mãe, matriarca, essa Dona Dolores força da natureza, que lhe deu a rede, os laços e que o apoiou até chegar ao lugar de melhor do mundo, sem «o largar da mão», como ela própria diria na sua arrevesada pronúncia.

Das outras ilhas, de onde vem Eliseu, um açoriano sui generis, mulato. A mãe é cabo-verdiana. Néne, ou Isabel Furtado é outro exemplo: vive em Angra desde 1980, tem um restaurante a que chamou A Africana, e dedica-se a enviar contentores de ajuda para as suas ilhas – lava ela própria os bonecos de peluche que depois arranja para os meninos cabo-verdianos. Envolveu-se na vida da comunidade de tal maneira que, nas famosas marchas sanjoaninas da Terceira, a sua marcha chama-se A Marcha dos Amigos da Néne. Já a levou ao Carnaval do Mindelo, em São Vicente.

Terminei a minha explicação com os portugueses filhos de emigrantes, esses que Portugal mandou embora e que regressaram pelo futebol e por esse estranho sentimento que se chama Pátria e resiste a muito. Cédric, Adrien e Raphaël Guerreiro. Um alemão e dois franceses que escolheram Portugal e nos dão oportunidade de reconhecimento à diáspora tantas vezes esquecida.

O futebol é também fantástico por isto: porque põe este Portugal misturado, que aparece tão pouco nas notícias, nos relvados. Felizmente. Gostava muito de ser mosca e estar por dentro dos estágios da seleção, de ouvir do que falam, de os observar. Das bancadas, ou da televisão lá de casa, o que vejo é um Portugal moderno. Misturado como sempre, representado como nunca. O Portugal do futuro. Quer hoje seja um dia de felicidade, tristeza, sorte ou inevitabilidade, por isso lhes agradeço.

[Publicado originalmente na edição de 10 de julho de 2016]