Ponham o Bóbi no título

Notícias Magazine

Esta semana, nas páginas online de um jornal, uma tabela indicava os assuntos mais lidos. Em 1º lugar: «A história feliz de Barilla, a cadela que quase morreu de fome.» Em 3º: «Criança de 11 anos morre durante caminhada com grupo de escuteiros.» Reparem no desportivismo de Barilla que não se importou de concorrer em condições desvantajosas: ela «quase» morreu, enquanto a menina morreu mesmo – ora, as más notícias chamam sempre mais a atenção. Apesar disso, a cadelinha, de fim feliz, teve mais leitores.
Acresce outro coeficiente de dificuldade que Barilla aceitou. A lei, no jornalismo, da proximidade geográfica: mil mortos na China valem menos do que dois feridos na minha rua. Barilla morreu longe, em Granada, Espanha; a menina morreu em Santarém, Portugal. Mas mesmo com essas adversidades o coração dos portugueses clicou mais em Barilla.
Estamos assim. Os jornalistas deviam ser os primeiros a tirar lições da tendência (no tal ranking de mais lidos, ainda: «Morreu a cadela mais velha do mundo »). Afinal, aquela montanha de likes do Facebook em fotos de gatinhos não era moda passageira. As leis do jornalismo vão ter de se adaptar a esta modernidade.
Ao escrever, os jornalistas devem responder aos famosos 5 W’s – who, what, where, when, why? (quem, o quê, onde, quando, porquê?) – que clarificam a exposição de uma notícia. Ora, o primeiro («quem?») deve ser alargado. Dizem os dicionários um bocado ultrapassados que o pronome «quem» refere-se sempre a pessoas. Mas dicionários melhores, os muito ultrapassados, lembram que Camões, n’Os Lusíadas, era menos restritivo («jaz a soberba Europa, a quem rodeia o oceano…»). Essa pequena distorção deveria levar-nos a estender o «quem» a todos os canitos que pouco a pouco vão ocupando as notícias.

O PAN deveria bater-se pelo «quem» alargado aos seres não-humanos com as mesmas ganas do BE com o género, «portugueses e portuguesas». Dar o papel de heróis da ação aos cães e gatos é reconhecer o papel cada vez mais central que eles têm na sociedade comum dos seres. Daí a utilidade em adotar a fórmula agregadora de uns e de outros: «O Bóbi, com quem…», «o Sousa, a quem…»

Aliás, até é de ir mais longe. Choca que aos novos sujeitos das notícias seja reservado só o papel de herdeiros do pronome quem. O acertado seria criar um quem com arroba, um qu@m que usado de igual para o Bóbi e para o Sousa seja a imagem viva dos novos tempos. Dessa evolução gramatical deveria passar-se para a substância, ou melhor, para o osso (o Bóbi iria gostar) da notícia. Já estão nas queriduchas, mas custa ver a ausência dos seres não-humanos nas grandes notícias. Desde a Laika, a heroína do espaço, nunca mais se ouviu um latido ou um piar importante na geopolítica. Durante o impeachment de Dilma, os deputados dedicaram o seu voto à mulher, ao avô e até ao bebé por nascer… Mas ninguém disse: «Voto sim por causa do meu periquito.» Nem Tiririca, o deputado palhaço.
Parte da culpa desse apagamento do papel dos seres não-humanos nos grandes acontecimentos é, claro, dos jornais. Há um boato que empresta pouco gosto pela leitura aos quadrúpedes (e até aos periquitos) – isso somado à lógica comercial da imprensa levou ao impasse atual. Com o risco de parecer interesseiro, eu gostaria de ver o PAN a lançar uma campanha de assinatura de jornais entre os animais de companhia.