Ou não?

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Marta, my dear,

A história que me enviou tem um «final feliz com lágrimas ». Quando se espera alguém, que estaria ao nosso lado se não tivesse decidido não decidir nada, romper é escancarar as janelas da alma ao futuro. Mas a reencontrada liberdade para novo amor não apouca o anterior, prova disso é o choro manso que lhe emoldura o luto, a futura paixão viverá à custa de uma outra, sonhada mas reduzida a escombros por promessas não cumpridas, noites solitárias, férias desmarcadas; mentiras.

Ou não?

(Nota de rodapé, que escapa ao fim da página por não confiar na minha cabeça trôpega e temer esquecimento injusto – cada vez mais observamos troca das personagens e ouvimos homens desalentados, vencidos pelo contexto familiar de determinada mulher. O George Clooney de Nas Nuvens é um bom exemplo, lembra-se da Vera Farmiga a explicar-lhe as regras do jogo? Imagine, dizer a George Clooney que só serve para amante ocasional, deviam alterar a classificação do filme de drama para ficção científica!).

Bom, fica então assente que quem falta à chamada e a juras durante semanas, meses ou anos pode ser homem ou mulher. Mas sejamos justos – por tradição e conveniência de escrita é mais fácil imaginá-lo macho. (O latino é opcional, embora provável). Escrevi eu – ou não?

A mulher que descreveu é única, com que direito roubamos o mesmo ao homem que acaba de riscar da sua vida? Preguiçoso, começo pela hipótese mais simples, é um coureur de femmes. Como receberá o sms, cauteloso por mudo e surdo – «não vá dar-me a volta outra vez…» – que vai receber? De acordo, o ego ferido exige desculpa com o escritório, carro veloz, campainha autoritária, reconciliação (?) selada por sexo que o gelo dela torna mais ardente. Mas se refletir um pouco, na companhia de cognac e sofá preferidos, talvez pense que a certidão de óbito é vantajosa; demasiadas cenas e exigências desagradáveis nos últimos tempos, clássico filme português lhe vem ao espírito – mulheres há muitas. E de qualquer forma o sabor a adrenalina já se dissipou há muito e a nova estagiária da empresa é apetitosa. Caso encerrado.

Ou não?

E se em teoria o pobre decidiu ser feliz, mas na prática fica apavorado com as barreiras a transpor? Para a hesitação que vem embalando contribuem a mulher, os miúdos, o cão, as respetivas tribos; as festas, os aniversários, uma normalidade que o abafa e contudo abomina estilhaçar. Chegou a «ouvir» a companheira dizer-lhe o que ele não tem coragem para murmurar, ei-lo vítima e não culpado de abandono do lar. Caso encerrado, há dois tipos de homens.

Ou não?

E se descobriu que não deixou de amar uma mulher e se apaixonou por outra? Com a primeira a ternura reina, com a segunda a paixão sedimentou e algo mais sereno nasceu, sem lhe disputar a primazia; a ternura, por exemplo? Credo!, mas quantos tipos de homem existem?

E que lhes reserva o futuro sem a «sua» mulher, Marta?

Depois de te perder,/Te encontro, com certeza,/Talvez num tempo da delicadeza/Onde não diremos nada/Nada aconteceu/Apenas seguirei, como encantado/Ao lado teu.

Serão os versos do Chico a única alternativa à psicopatia do coureur de femmes?

Ou não?

[Publicado originalmente na edição de 20 de março de 2016]