Os papa-séries

Dois maluquinhos das séries – neste caso as mais badaladas dos EUA neste momento – defendem a sua preferida entre as nomeadas para os Globos de Ouro do próximo domingo.

Numa altura em que há cada vez mais gente com a febre da ficção televisiva americana, confrontámos dois atentos fanáticos. Miguel Somsen, o homem das promoções da TVI e um dos nomes responsáveis pelo coletivo Gin Lovers, mete a mão no fogo por Silicon Valley, da HBO. Nuno Gervásio, criativo responsável pelo site Lisboa, Menina ou Moça, prefere Mr. Robot, da USA Network (passa em Portugal no TV Séries).

«Estou a defender a série mais negra, deprimente e depressiva de todas, mas eu gosto disso», diz Gervásio sobre a história misteriosa de um hacker numa sociedade futurista em que somos todos controlados por uma corporação vigilante. Somsen não desdenha a mesma série, mas tem algumas reticências: «Não entrei tanto nessa série em parte devido à personagem do Christian Slater, que representa o lado revolucionário. Chateia um bocadinho, sobretudo aqueles sócios dele…»

Silicon Valley (ainda não foi exibida nos canais generalistas portugueses) é a história de um grupo de programadores informáticos que tenta ter sucesso no epicentro da indústria digital dos EUA. «A série é inspirada nas experiências do seu criador, Mike Judge, quando esteve nos anos 1980 em Silicon Valley. Podemos pensar que depois do Steve Jobs tudo já está feito, mas não. Estas personagens mostram-nos que ainda se pode fazer muita coisa.» Gervásio torce o nariz e diz que Mr. Robot também é sobre uma revolução, neste caso numa distopia. «Não vejo dessa forma», contrapõe Somsen: «Acho que acaba por falar do conceito do medo e da paranoia. E o conceito do medo está um pouco gasto, sobretudo culpa do cinema de terror, cujos elementos já foram todos esgotados.» Nuno Gervásio ainda não está cansado da fórmula: consegue ver The Walking Dead, que Somsen acha «insuportável».

Numa coisa ambos concordam: Mr. Robot deverá ser a série que no próximo domingo vencerá os Globos de Ouro. «Surpreendi-me com Silicon Valley porque não tinha grandes expetativas e nem era um fã do Mike Judge», diz Somsen, ex-crítico de televisão d’O Independente. Gervásio diz que o seu problema com Silicon Valley foi o facto de não ter ficado logo agarrado: «Hoje, quando uma série não me agarra, passo logo para outra. Por muito cliché que possa parecer, continuamos a viver a era dourada da ficção televisiva americana. Só vi dois episódios, talvez um dia destes volte a ela quando precisar de ver uma série de meia hora.»

E quanto à suposta vantagem atual da televisão sobre o cinema. É mesmo verdadeira? Gervásio acredita que sim. «Os melhores argumentistas e atores estão a ir para a televisão, onde se vai mais longe e onde as personagens têm mais tempo de criação. O cinema está a perder muito para a televisão.» Somsen acha que são tempos de mudança: «O que vai acontecer é que o cinema vai aprender muito com a televisão. As narrativas do cinema vão ter de ser muito mais acutilantes e assertivas. Mesmo assim, atualmente, na televisão não se correm tantos riscos como antigamente.»

Na despedida, perdem-se os dois em projeções sobre as novas temporadas de Ficheiros Secretos e Twin Peaks. Mas esse já é outro confronto…

MIGUEL SOMSEN
Copywriter e jornalista, esteve n’O Independente e na Blitz. Fez rádio, televisão e está à frente do departamento de promoções da TVI. É sócio e fundador da Gin Lovers. Acredita que «o cinema vai aprender muito com a televisão. As narrativas do cinema vão ter de ser muito mais acutilantes e assertivas».

NUNO GERVÁSIO
Criativo e argumentista, é programador do Shortcutz Lisboa, movimento internacional de curtas-metragens. É autor do site lisboameninaoumoca.com. Está convicto de que «os melhores argumentistas e atores estão a ir para a televisão, onde se vai mais longe. O cinema está a perder muito para a televisão».