Os meninos dançam?

Smile Dance
Smile Dance

Rir e dançar faz as crianças mais felizes. E ajuda-as a serem adultos melhores. Partindo desta ideia, uma dentista desenvolveu um método eficaz para distribuir sorrisos pelos mais novos – ao mesmo tempo que lhes estimula a inteligência. Chamou-lhe Smile Dance e é um micromusical administrado em pequenas doses nas escolas.

Com crianças de 8 e 9 anos, como são as da turma da professora Ana Neca na Escola Básica 1 Bairro do Restelo, em Lisboa, qualquer assunto lhes pode causar dor se não souberem lidar com ele. Há as tabuadas, as sílabas tónicas, o sistema digestivo, mas também a integração na escola, os olhares dos colegas, a construção de laços. Como se diz a um amigo que gostamos dele? Que gesto usaríamos para traduzir esse carinho, se tivéssemos de escolher um? Como é que esse amigo diz que gosta de nós? E se eu quiser fazer novos amigos? E se o meu melhor amigo for brincar com outros meninos no recreio, significa que não me quer mais? De que serve aplicar extensos programas curriculares se, no final, os jovens alunos terminam o ano letivo sem aprenderem os afetos?

«Em 23 anos como ortodontista, notava que os miúdos que vêm às minhas consultas têm os dentes mais direitos, mas andam tristes», diz Cristina Baptista, que atribui a beleza de um sorriso à emoção que pomos nele. A smile coach, como gosta de se intitular, sentia que o sorriso é a arma mais transformadora que existe, se soubermos usá-la. E então, em 2012, criou a Smile Dance, um projeto inédito de saúde escolar que visa mudar a sociedade a partir das bases. «Eles hoje estão tão habituados a competir, cheios de tantas inseguranças, que ou reagem por ataque e temos o lado do bullying ou por isolamento e temos o lado das depressões», diz a especialista em sorrisos.

«No fundo, a Smile Dance é um micromusical que canaliza a energia dos mais novos», diz Maria João Martins. Em janeiro deste ano, a enfermeira, juntamente com a colega Sofia Fernandes, foi formada por Cristina na Unidade de Cuidados na Comunidade Consigo, sediada no Centro de Saúde de Alcântara. Ambas ensinam agora a dança do sorriso àquela turma de terceiro ano no Restelo. Estão certas de que usar esta ferramenta no ensino básico gera adultos saudáveis, mas esta é a primeira prova de fogo. «Eles ficam na sala uns minutos a dançar a despedida de uns amigos, como fazer novos, a liderança, a cooperação, e aquilo serve lhes de âncora no futuro.» Ao ouvirem a música que ensaiaram, com gestos para o gostar, para o medo de os amigos os trocarem por outros ou seja o que for, lembram-se dos conceitos teóricos e das suas próprias reflexões em torno deles. «Vale bem mais do que um sermão», diz Maria João.

«No dia-a-dia não tenho problemas com os meus amigos. Mas quando não conheço as pessoas fico à espera. Dançar estas coisas ajuda.» Rodrigo, 8 anos.

Desde que Cristina Baptista desenvolveu a Smile Dance em 2012, baseada em estudos de comportamento e neurociência, a smile coach de 50 anos já formou (com a ajuda da enfermeira Fernanda Carvalho e da higienista oral Carla Mendes) mais de 450 professores e técnicos de saúde de norte a sul – que aplicaram os ensinamentos em dezenas de escolas. Como ortodontista, acreditava que não bastava arranjar as bocas dos pacientes para lhes dar sorrisos bonitos: se não gostassem de si, não se dessem aos outros, teriam sempre expressões vazias. «Faço questão de envolvê-los nos próprios tratamentos, pedindo-lhes que cultivem relações de empatia enquanto eu cuido da parte técnica.» Tanto aprofundou essa influência do sorriso nas emoções e na saúde, que os fundamentos da Smile Dance surgiram.

«Sorrir é uma forma de comunicação inata nas crianças e vários estudos demonstram que reforçar a educação dos afetos potencia o desenvolvimento cognitivo», diz a enfermeira Sofia Fernandes, fascinada com a experiência. «Está provado que a vivência emocional associada à música facilita a memorização, reforça o vínculo com os colegas e o professor, promove o bem-estar e o debate de ideias.» Todos poderão esquecer uma aula chata de vez em quando, mas nunca as sessões de Smile Dance. «Esta ferramenta pedagógica é leve, estimula-lhes os pontos fortes, eles aprendem muito mais. E a nós também nos sabe melhor trabalhar assim do que se estivéssemos para aqui com um PowerPoint a discursar», conclui a enfermeira especialista em saúde infantil e pediátrica.

«Acho que é uma forma de mostrarmos aos amigos que gostamos deles com gestos. Aprendi muito, especialmente a tratar dos meus problemas.» Priscila, 9 anos.

No início de cada sessão semanal – quatro no total, ao fim das quais o musical fica completo –, os jovens alunos falam em conjunto de modo a desenvolver a capacidade de partilha, processamento e estratégias para lidar com as emoções. «A ideia é fazer que reflitam sobre as perguntas que lhes vamos colocando e eles próprios se expressem e acrescentem pontos de vista», explica Maria João. Depois de cada conversa, acrescentam movimentos novos à coreografia. «Na primeira vez ficámos a fazer amigos com o nosso maior sorriso e a dizer com o corpo como gostamos deles: eu digo que gosto de ti com o meu gesto, tu dizes que gostas de mim com o teu, aproximamo-nos e dizemo-lo com música.» Na segunda sessão, mais um passo.

«Esta aula hoje é sobre o adeus, que não tem de ser um adeus mau, pode ser um adeus de “até já”», prossegue Sofia, introduzindo o «tufas»: um chega para lá que quer dizer que agora não vou brincar contigo, vou brincar com outro, mas gosto de ti na mesma. «Como temos muitos amigos e não podemos estar com todos ao mesmo tempo, esses amigos com quem não brincamos agora não têm de ficar zangados.

«Às vezes zango-me com um amigo e é importante fazer as pazes, o que é um bocadinho difícil. Mas quando é para fazer amigos dou eu o primeiro passo.» Vicente, 8 anos.

Já vos aconteceu? Deixarem ou serem deixados? Como vamos dizer-lhes que não têm de ficar tristes porque não se perdeu a amizade?» E eles dançam os gestos que já sabem e colam-lhes o «tufas». A música muda, trocam de pares e tufas. Dançam, trocam de novo e tufas. «A terceira sessão tem que ver com cooperação e liderança. A quarta é uma celebração: quatro partes do musical que contam toda a história de se fazer amigos com um sorriso saudável», diz Maria João. A proposta da Smile Dance é associar os benefícios físicos e emocionais de se dançar e sorrir a uma estrutura fundamentada na neurociência e na programação linguística. E que melhor lugar para se aprender a vida com amor do que a escola? «Aqui eles interagem, vivem afetos, mostram respeito pela expressão individual e coletiva. Acredito mesmo que aplicar esta ferramenta lúdica ao nível do ensino básico irá traduzir-se numa sociedade mais justa e equilibrada quando crescerem», diz a enfermeira.

Segundo Cristina Baptista, pode trabalhar-se a empatia, a gestão de conflitos, a motivação, a gratidão, o ser-se único, a aceitação da diferença, a valorização, a celebração, a própria essência do sorriso. Para a mentora da ideia, a lista de temáticas é infinita: a Smile Dance dá para tudo. «Serve inclusive para se falar de questões como a alimentação saudável ou o consumo de tabaco na adolescência», diz Sofia, para quem a autonomia é a principal diferença consoante as idades. «Aqui levamos tudo predefinido, mas os mais velhos já fazem as coisas à sua maneira. Escolhem a música, trabalham o tema, criam a coreografia e depois apresentam-na aos colegas como se fosse uma batalha entre turmas, com aquela vertente de competição que eles adoram.»

«Tenho aprendido a ganhar amigos. E que não nos devemos chatear com eles. Por acaso já me aconteceu, mas também aprendemos a resolver.» Margarida, 9 anos.

Aos poucos, os miúdos vão sabendo relacionar-se com o mundo da mesma maneira que aprendem os conteúdos do programa curricular. Se a ciência garante que sorrir expande a mente, reforça o sistema imunitário e modifica a perceção da realidade, quem somos nós para desdizê-la? «O sorriso é mais do que alegria: ajuda a criar e a manter relações fundamentais para o sucesso escolar e para uma vida feliz em geral», diz a autora da Smile Dance, feliz com os resultados até à data. «Crescemos a achar que rir é meio caminho andado para não nos levarem a sério, e se não somos respeitados também não somos amados. Eu cá digo que pessoas com sentido de humor saem mais depressa dos problemas por que todos passamos e são as que têm mais êxito na vida.»