Os bebés (e as mães) não trazem manual de instruções

Constanca Cordeiro Ferreira

Os primeiros anos com um bebé podem ser bastante complicados para toda a família, mas sobretudo para a mãe. Partilhando a perspetiva da maternidade real, a terapeuta de bebés Constança Cordeiro Ferreira escreveu um livro que ajuda a mães a cuidarem dos seus filhos enquanto cuidam de si próprias.

«Ser mãe é duro». É assim que começa O Livro de Magia das Mães, que acaba de lançar. De que precisam as mulheres para serem mães?
De si próprias. De disponibilidade para aprender, para se entregarem, para confiarem e gostarem de si mesmas enquanto exploram, falham, repetem. Precisam também de estar apoiadas, isso é importante. A tarefa é muito mais dura – embora possível – quando falta «a aldeia em volta». A tal aldeia de que fala o provérbio «é preciso uma aldeia para criar um bebé».

E de onde vem a magia do título?
Eu encontro a magia de forma muito objetiva nos próprios processos biológicos, neuro-hormonais, que ocorrem quando nos tornamos mães e pais. Quando faço investigação e estudo isto, fico sempre atónita. Quando neste livro falo de um corpo que começou há milhões de anos a produzir leite para alimentar as crias, quando falo de «mães que leem a mente», cujo corpo aumenta a temperatura para aquecer o bebé, ou que acordam ainda antes de ele chorar, estou a falar de biologia, do que a ciência descobriu, e este livro, tal como o anterior [Os Bebés Também Querem Dormir, ed. Matéria-Prima], está muito fundamentado na ciência. Não precisamos de chamar-lhe magia, mas para mim é quase isso. Neste livro, deixei entrar também aquilo que vejo no meu trabalho e que não é tangível, objetivável, mas que existe. Essa é a magia que as mães fazem e que não está ainda toda explicada.

Dá-se conta dela com frequência?
Vejo-a diariamente. Faz-se com o toque, com a empatia, com a ligação que se cria e não se explica. Este livro está cheio de histórias que vivi com mães e que, para mim, são verdadeiramente mágicas. Muitas delas nasceram precisamente de momentos muito difíceis, de desespero e incerteza. É exatamente nesses momentos que as mães mais precisam de encontrar a magia.

E é por isso que a procuram?
As mães chegam-me quase sempre por motivos muito concretos: choro, cólicas, amamentação e, nas que têm bebés até aos 2 anos, está muito presente a questão do sono, da luta para adormecer, dos despertares frequentes. Surge também muito a questão da introdução da alimentação, da adaptação à creche, da chegada de mais um irmão, de os dias serem sentidos como difíceis, de casais que sentem não estar a retirar da experiência a alegria e leveza que esperariam. Também já recebemos mães que dizem simplesmente «falta-me uma peça, isto não é como eu pensava».

Como é que as ajuda?
O trabalho é muito concreto: colocar o bebé a dormir melhor; ajudar a organizar os ritmos da família para que todos descansem melhor; compreender e ir à origem do que está a motivar o comportamento e choro do bebé. Por vezes, passa por desbloquear o que está a faltar para uma experiência plena de confiança, de ajudar a encontrar mais paz, mais alegria. Dou pistas, ajudo a entender. Depois, o caminho é de cada família. Nós trabalhamos com uma equipa multidisciplinar e isso permite-nos verdadeiramente apoiar todos os elementos da família. Tentamos ser a «aldeia» ou pelo menos ajudar os pais a criar essa «aldeia» de apoio à sua volta.

Mas cada um cria a sua aldeia, não é?
Sim, enquanto trabalho com estas estratégias muito práticas, emergem outros conceitos. Muitas vezes vêm precisamente da ideia que continua a ser transmitida em manuais de instruções para bebés de que há métodos infalíveis que vão funcionar com todos os bebés, como se fossem robôs. É um marketing e manipulação que eu acho assustador. Cria-se o problema, mesmo que seja preciso inventá-lo, com uma afirmação qualquer, como por exemplo, «todos os bebés deviam adormecer sem ser ao colo». E depois inventa-se um método supostamente infalível para lá chegar. Cria-se uma imagem da maternidade que é ilusória: assética, em linha recta, cheia de causas e efeitos automáticos e generalistas. E a maternidade não é assim.

É como?
É tudo menos a imagem envernizada e redutora, quase infantilizante, que se tenta passar dela. A maternidade é feita de dúvidas, tentativas e erro, momentos de verdadeira magia, aprendizagem, relação. Eu costumo dizer que tem o cheiro do sangue, do leite, do colo. Fingir que a maternidade pode ser vivida através de um qualquer manual de instruções é retirar-lhe a profundidade e a descoberta individual. Pior. Vai ser precisamente isso que vai estimular a culpa e insegurança em tantas mães.

Sente que as grávidas e as mães confiam pouco nas suas próprias capacidades?
Sem dúvida. Mas isto tem a ver com o modelo em que estamos inseridas. Um modelo que subalterniza e infantiliza as mulheres. Fala-se das mães quase como uma piada: cheias de hormonas, desorganizadas, desinteressantes para a sociedade porque supostamente estão menos disponíveis para a produtividade e trabalho. A vulnerabilidade, a dúvida, a ambivalência não são muito bem vistas no nosso contexto social. Então para «resolver isto», porque uma sociedade automática gosta de ideias claras e simples, enchem-se as mães de manuais de instruções e de regras, de descrições de cenários simplistas e ideais que parecem atrativos, mas que na vida real são impossíveis.

Endeusa-se a maternidade?
Sim. Ter tudo controlado, perfeito, não dar muito colo «para não viciar», ensinar a ser autónomo mal nasce, quando na verdade estamos a falar do tempo da máxima necessidade do bebé. Qualquer mãe que se confronte com um bebé que chore, que peça colo, que mame sem parar, que sinta dúvidas, vai sentir que está a falhar. Mas se calhar está só a ser normal. É o referencial que está errado, não a realidade. O que a mãe deveria estar a pensar é isto: «Eu estou bem? O meu bebé está bem?» e a partir daí identificar se precisa de ajuda ou simplesmente deixar-se navegar neste tempo sem tempo, organizando-se ao seu ritmo.

No livro diz não serem precisos «workshops, nem cursos, nem sequer ler livros para se ser mãe», mas também afirma que «precisamos de informação, porque a maternidade traz consigo decisões». Em que ficamos?
É uma boa pergunta e é também o meu dilema eterno quando escrevo livros, ou quando dou palestras ou workshops. Dou o exemplo do meu primeiro parto, que é uma história que vemos acontecer diariamente. Eu estava sem medo nenhum, zero preocupações. Estava no estado ideal para parir. Não tinha medo da dor, do tempo que levaria, de nada. Achava tudo muito natural. Não senti necessidade de fazer cursos, de ler, de fazer perguntas. Mas depois deparo-me com um modelo que é muito intervencionista no parto, por exemplo. E do qual eu poderia, deveria, ter estado informada, para saber tomar decisões sobre as intervenções que me estavam a ser propostas.

Como reagiu?
Fui apanhada de surpresa, sem perceber bem o que me tinha acontecido. Não é preciso ler tudo, mas hoje é preciso que as mães estejam informadas, para que tenham uma palavra a dizer, porque vai ser preciso tomar decisões. Acima de tudo porque vão contactar com muitos mitos, muitos preconceitos, muita informação que não faz sentido, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista da ajuda efetiva para o que queremos fazer. É importante saber algumas coisas sobre o processo e sobre nós próprias, pelo menos para que tenhamos uma base que nos faça questionar.

Mas com tanta informação, como é que as mães conseguem distinguir o correto do errado?
O truque, acho eu, é não sobrecarregar as famílias com informação excessiva, dar informação séria, credível, e deixar espaço para a sua própria construção. Seria mais fácil escrever manuais com métodos supostamente infalíveis e rápidos. Poderia fazê-lo, seria menos complexo para mim. Mas recuso-me a fazê-lo porque isso limita e destrói a descoberta pessoal de cada família. Eu tento trabalhar para que um dia o meu trabalho não seja preciso.

Costuma receber muitas grávidas?
Sim. Mas as questões da gravidez são completamente diferentes das questões do pós-parto. Na gravidez há a tendência de se centralizar muito tudo na questão do parto, no medo da dor, se vai correr tudo bem. É natural. Há muitas questões em torno do parto. Mas no caminho de preparação que fazemos com as mulheres e os homens na gravidez é preciso abrir também um bocadinho o horizonte das questões. O parto não é um fim em si próprio, é o primeiro passo do caminho. Quando falamos de pós-parto com os casais, ou quando por exemplo eu tenho grávidas a ler as histórias do meu primeiro livro [Os Bebés Também Querem Dormir], é frequente que a reação seja «ah, isto comigo não vai acontecer!».

Mas acontece.
Sim. Muitas vezes na gravidez ainda achamos que, se nos organizarmos bem, se fizermos «tudo bem» conseguimos fintar o caos ou a imprevisibilidade. Estamos a um nível racional ainda. É por isso que, no Centro do Bebé, nós começamos a trabalhar na gravidez com os casais preparando-os para o parto mas muito para além disso. E isso não se faz só com informação racional, quantitativa. Faz-se também com reflexão, exploração emocional, com a construção de referências sobre nós próprios que nos vão fazer sentir seguros, quando vier a avalanche do pós-parto. A experiência tem-nos mostrado que esta é a melhor forma de preparar os casais para a parentalidade. Na verdade, a maior parte dos pais que acompanhámos na gravidez, precisam muito pouco de nós no pós-parto. Quase sempre os pedidos de ajuda em pós-parto são de famílias que nos chegam pela primeira vez.

Que chegam sem saber o que fazer. No livro diz que é fundamental olhar verdadeira e atentamente para o bebé. Se as mães trocassem o ouvido atento às histórias «de terror» pelo olhar atento ao bebé, a maternidade seria mais fácil?
Muito mais fácil. E satisfatória. O bebé diz-nos o que fazer, o que não é o mesmo que dizer que vamos compreender a sua mensagem sempre de forma perfeita. Mas é uma prática que se ganha. Eu incentivo as mães a observar, dou-lhes pistas sobre o que devem procurar no seu bebé e às vezes o meu trabalho é esse: ajudar na descodificação do bebé para a mãe. Incentivo-as a falarem com os bebés, a olharem muito para eles.

E também para si mesmas. Depara-se com muitas mulheres que depois de serem mães tendem a esquecer-se de que são mulheres, são humanas, e também têm necessidades?
Eu não gosto nada dessa ideia de que a mãe também tem que «ser mulher» ou se esquece de ser mulher. Quase sempre isso refere-se a conceitos que são culturais. Uma mãe é sempre uma mulher e, embora possa ser difícil acreditar, a maternidade é um upgrade, não uma limitação. Tem a capacidade de nos tornar mais fortes, mais profundas, mais sábias. Muitas vezes o que está a acontecer é que estamos em privação de necessidades básicas (comer, descansar, dormir). E outras que, não sendo tão básicas, também são importantes.

Tais como?
Depende de cada uma de nós. Pode ser estar com outras pessoas, pode ser tirar uma horinha só para mim. Quando fazia domicílios, muitas vezes levava comida para as mães, ou segurava nos bebés um pouco para elas poderem tomar banho. Até cheguei a ajudar uma mãe a pintar as unhas porque ela não parava de falar nisso. Se nos faz sentir melhor, força! Quando fui mãe pela segunda vez, tive muitas pessoas a ajudarem-me a fazer estas pequenas coisas, embora eu fosse uma leoa e não largasse o bebé. Fui uma leoa bem alimentada e repousada. Entrei de novo no mundo aos poucos, no ritmo que decidi. Se não estamos bem cuidadas naquilo que é essencial para o nosso equilíbrio é normal que nos sintamos em baixo. Mas isso não tem nada a ver com ser mais ou menos mulher. Tem a ver com um olhar de amor e carinho que muitas vezes não estamos a ter sobre nós mesmas e que não é de todo incompatível com o amor, cuidado e carinho de que os nossos bebés precisam.

É esse o grande desafio da maternidade: «Cuidar de nós mesmas como merecemos, enquanto cuidamos dos nossos filhos»?
Também. É um dos desafios mais importantes e uma necessidade essencial para que o caminho não seja duro, solitário, desesperante. É um dos grandes motivos porque escrevi este livro.

 


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