O quase-satélite, a quase-viagem

Notícias Magazine

Temos a Lua e temos o 2016 HO3, um quase-satélite descoberto há dois meses por astrónomos da Universidade do Hawai e anunciado pela NASA. O pormenor está no quase: enquanto a Lua é o nosso satélite bem visível – nesta semana, sobretudo, porque ficou cheia a acompanhar o início do verão –, o outro pedregulho tem menos de cem metros de diâmetro e está tão longe que merece a desqualificação dada pelo advérbio. E no entanto o 2016 HO3 tem sido constante à volta da Terra há uma centena de anos e vai ficar connosco por mais uns séculos.

Vi esta notícia no Weather Channel, um site de temas meteorológicos que sigo no Facebook. Pelo meio das notícias sobre furacões, temperaturas excessivas e uma cidade fantasma que emergiu de um lago na Argentina, o canal mostra efeitos meteorológicos exuberantes e, acho que em momentos de fraqueza, mistura vídeos de texugos fofinhos. O nosso quase satélite tem direito a vídeo, mas apenas uma simulação da órbita feita pela NASA. Uma órbita tão bizarra que a notícia da NASA diz que o asteroide dança com a Terra.

É quase romântico imaginar o asteroide na sua ronda solitária e monótona, olhando de longe a Terra, ela própria no seu trajeto em volta do Sol, num percurso cujo sentido é o próprio percurso. Lá anda ele às voltas, pequeno à escala astronómica e suficientemente grande para ser identificado. Mas por muito fascinante que seja esse movimento, o que me atrai mais ainda é o trabalho de quem o avistou e nele se fixou teimosamente até perceber se era ou não perigoso. Bem sei que 2016 HO3 não é um nome por aí além, mas podia ser pior. Tem números e letras, grandes invenções humanas, e isso basta para justificá-lo.

Com esta ferramenta fabulosa chamada «motor de busca», no caso o Google, encontrei o site do Instituto de Astronomia do Hawai. Lá está descrita a descoberta, no topo de uma série de notícias. Não é que alguém tenha estado à espreita, feito Kepler a olhar o céu com curiosidade e sem pressas. A descoberta aconteceu através de um sistema de observação altamente sofisticado que detetou, entre biliões de luzinhas, o nosso Quase (não resisti e dei-lhe uma alcunha mais familiar). O dito sistema tem um nome – Pan-STARRS. Existe para isto mesmo: descobrir e caraterizar objetos que se aproximem da Terra, asteróides ou cometas, que possam pôr em perigo o nosso planeta. Alguém que toma conta de nós, lá no Hawai, através de um conjunto de pequenos espelhos com as maiores câmaras digitais do mundo. E com uma base de dados que veio confirmar que o Quase já andava por ali há uns tempinhos.

O observatório fica em Haleakala, um vulcão da ilha de Maui, no centro do Pacífico, a meio caminho entre a América do Norte e a Ásia. Naquela solidão sem luzes artificiais, no ponto mais alto de uma ilha, o céu é mais brilhante e visível. Fica a três mil metros de altitude e chama-se Pu’u ‘Ula’ula, a Montanha do Sol.

O Quase fez-me dar uma volta ao mundo, espreitar as imagens do observatório, do vulcão extinto, da ilha, do arquipélago, pesquisar no mapa a localização. Que interesse tem esta informação aparentemente inútil, além de me ter provocado curiosidade? Explica a NASA: o Quase pode vir a ser uma espécie de ponte para chegarmos a Marte, uma estação orbital oferecida pela natureza para ajudar à viagem. Pelo menos nos próximos séculos, porque com os asteroides nunca se pode ter a certeza de que um dia não escapam à órbita habitual. São quase como as pessoas.

[Publicado originalmente na edição de 26 de junho de 2016]