O lado bom das emoções más

Emoções Boas e Más

O medo paralisa-nos, a raiva azeda-nos, o ciúme desgasta-nos, a tristeza abate-nos. Será? Também mas não só. As emoções negativas podem trazer muito de bom.

«E viveram felizes para sempre» pode estar bem para última frase de história infantil, mas dificilmente se adapta às nossas vidas. Em maior ou menor dose, todos vamos ter de lidar com a tristeza, experimentar a raiva, provar o ciúme, sentir culpa, inveja e medo. Depois de muito dissertar-se sobre o incrível poder das emoções positivas, sobre as vantagens – indiscutíveis – da alegria, sobre os efeitos – benéficos – da calma, nos últimos anos a ciência começa a debruçar-se sobre uma reflexão menos óbvia, menos consensual, mas igualmente necessária: o papel das emoções negativas. E parece que podem ser tão importantes na nossa vida como as emoções positivas.

Sendo criterioso, na verdade, adjetivar as emoções como boas ou más nem sequer é muito exato. As emoções, em si, são neutras, além de muito rápidas. São aquele frio ou aperto no estômago, o coração a bater mais depressa, o ficar branco, tremer, chorar ou dar uma gargalhada. Como tem defendido o neurocientista António Damásio, uma emoção é um conjunto de acontecimentos do domínio do corpo – respostas fisiológicas, cardíacas, musculares e endócrinas a um qualquer estímulo – e que nada têm que ver com o que se passa na mente. Isso vem depois. Chamam-se sentimentos e são precisamente, e por definição, a experiência mental que temos do que se está a passar com o corpo. E é aqui que reside uma das razões pelas quais as emoções não são intrinsecamente boas ou más: é a nossa racionalização posterior sobre elas que lhes vai dar significado e que vai produzir mais efeitos, desta vez no nosso estado de espírito.

A raiva, por exemplo, é uma emoção um pouco malvista que surge frequentemente quando nos sentimos vítimas de uma injustiça. É o que nos deixa vermelhos, de coração a bater mais rápido, frequentemente a transpirar, de narinas dilatadas e sobrancelhas franzidas. É, muitas vezes, associada à violência, mas a verdade é que o facto de a nossa fisionomia parecer tão ameaçadora acaba por sinalizar o que estamos a sentir, o que faz muitas vezes o nosso «oponente» recuar, evitando a situação de agressividade. Gerben A. van Kleef, investigador em psicologia social da Universidade de Amesterdão, percebeu, por exemplo, que num processo de negociação, são feitas concessões muito maiores perante alguém que demonstra raiva do que felicidade.

Também a tristeza não são só lágrimas. Lá diria Vinícius de Moraes que «é melhor ser alegre do que ser triste», para depois acrescentar que «pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza».

A melancolia que se pode seguir à tristeza não é apenas útil apenas para quem queira fazer dela uso criativo. É o estado de reflexão a que a tristeza tantas vezes conduz que nos ajuda no caminho de fazer mudanças necessárias.

O psicólogo australiano Joseph Forgas conclui, num estudo a este propósito, que um dos lados positivos da tristeza é tornar-nos mais observadores e mais analíticos, além de potenciar a memória e reforçar as lembranças felizes. Além disto, a visibilidade da tristeza tem um importante papel social que nos é muito benéfico: torna visível para os outros que precisamos de apoio, de compreensão, de ajuda.

No livro The Power of Negative Emotion (O Poder das Emoções Negativas – sem edição em português), os psicólogos Robert Biswas-Diener e Todd Kashdan – que se têm dedicado a estudar matérias relacionadas com a psicologia positiva, bem-estar individual e social – defendem que outras tantas emoções, sentimentos e estados de espírito que nos temos habituado a considerar negativos têm um lado bom: a culpa leva às melhorias, as dúvidas sobre nós próprios melhoram a performance, o egoísmo aumenta a coragem e a ansiedade torna-nos mais produtivos.

Ninguém questiona que o mindfulness, a generosidade e o espírito positivo nos podem levar longe, defendem os autores. Mas não nos conseguem levar até ao fim…


PENSAMENTO POSITIVO? TALVEZ NÃO

Acreditar que tudo vai correr bem é meio caminho andado para que tudo corra bem, certo? Errado. A ideia do foco em coisas positivas e a tática de visualizar o sucesso a acontecer podem deixá-lo mais otimista e confiante (o que não é mau porque não vai estar tão nervoso) mas não vão fazer muito pelo propósito de atingir os seus objetivos.

Já o pensamento negativo pode fazê-lo. Assim o defendem, entre outros, a psicóloga e investigadora Julie Norem no seu livro The Positive Power of Negative Thinking (O Poder Positivo do Pensamento Negativo – sem edição em português): apesar da ansiedade que os podia levar a fracassar, os pessimistas tendem a pensar em tudo o que pode correr mal, pelo que fazem planos defensivos que os deixam mais bem preparados. Logo, com maior possibilidades de vir a ter sucesso.

 

STRESS BOM, STRESS MAU
Também o stress – que tem sido nas últimas décadas o bode expiatório de quase todos os males que nos afligem – tem um lado bom. É tudo uma questão de dose. Sem ele seríamos criaturas apáticas e desinteressadas, que com facilidade se deixavam magoar e sem a mínima disposição para mexer uma palha.

Além de nos avisar e preparar para situações de perigo que exigem uma reação imediata, é o stress que nos torna proativos e atentos ao mundo.

É ele que dá um empurrão às nossas capacidades cognitivas e nos motiva perante um desafio. É ele que nos faz correr mais depressa se estamos prestes a ser colhidos por um carro. Este é o stress bom, também chamado de eustress. Só se torna nosso inimigo quando em vez de nos dar um empurrão, deixamos os valores subirem demasiado e isso resulta em stress mau (o distress) que provoca o efeito contrário, deixando-nos bloqueados física e intelectualmente.