O imposto especial dos cosméticos caros

Notícias Magazine

No seu livro Ciência da Treta [Ed. Bizâncio], o médico inglês Ben Goldacre qualificou os cosméticos caros como um imposto especial que as pessoas cobram a si próprias por não compreenderem bem a ciência. O problema é que a ciência dos cosméticos caros é complicada e o marketing muito simples. Mas fazer um creme hidratante não é difícil. Juntam-se gorduras (pode ser azeite) e água, que são coisas que não se misturam. Por isso é preciso ainda um emulsionante, que se dá bem com todos, para ajudar a tornar o produto mais homogéneo. Estas emulsões são baratas e hidratam a pele, porque reduzem a perda de água por evaporação.

As coisas tornam-se mais interessantes quando entramos no mundo dos ingredientes mágicos para, por exemplo, reduzir as rugas. É um mercado com uma regulação vaga, assente em estudos conduzidos pela própria indústria que não são de conhecimento público e que incidem frequentemente sobre fatores subjetivos (satisfação do cliente ou opinião de médicos). O número de pessoas que experimentam o produto em testes clínicos é por vezes muito pequeno (dezenas) e estes podem incidir sobre aspetos que não são os alegados na publicidade, que tende a ser habilidosa. Em geral nunca diz preto no branco: este creme tem o componente XPTO em quantidade suficiente para reduzir as rugas graças ao seu efeito. Diz antes que é um creme antirrugas com o componente XPTO, que foram feitos testes (sobre o quê, por vezes não fica claro) e que nove em cada dez afinadores de piano o recomendam.

Os XPTO podem ser certos tipos de ácidos ou vitaminas. Estes químicos em concentrações elevadas dão realmente um aspeto mais jovem à pele. Mas também têm efeitos secundários significativos, como irritação e queimaduras. Por isso estão presentes em pequenas quantidades e os seus efeitos são praticamente nulos. Também há cremes com proteínas vegetais cozidas, que são moléculas muito longas e desenroladas como uma serpentina depois do Carnaval. Quando o creme seca contraem-se e obrigam a pele a esticar. Claro que a pele pode relaxar outra vez. Há outros ingredientes mais exóticos. Por exemplo, cosméticos que afirmam basear-se no ADN, esses são pura ficção científica.

É claro que os cosméticos podem ajudar de várias formas e oferecem mais do que o seu efeito objetivo, como a satisfação de sentir que estamos a cuidar de nós. A questão é se vale a pena pagar por produtos mais caros, para os quais, na melhor das hipóteses, há provas muitos fracas da sua maior eficácia.

Periscópio

CIÊNCIA DA TRETA
É o título da obra do médico Ben Goldacre, que assinou durante vários anos uma coluna com o mesmo nome [Bad Science] no jornal inglês The Guardian. Publicado originalmente em 2008, tornou-se um sucesso mundial, tendo sido editado entre nós pela Bizâncio (www.editorial-bizancio.pt), como parte da colecção Máquina do Mundo, dedicada aos temas científicos. É já um clássico sobre pseudociência, ou seja, tudo o que se apresenta como tendo um fundamento científico sem o ter. Cosméticos, nutrição, terapias alternativas, suplementos alimentares, o papel dos meios de comunicação social na difusão de disparates e as razões porque as pessoas inteligentes acreditam em coisas estúpidas são alguns dos temas abordados.

[Publicado originalmente na edição de 14 de fevereiro de 2016]