O esperma pode ser um antidepressivo para as mulheres, segundo o meu estudo preferido de todos os tempos!

Notícias Magazine

Duzentas e noventa e três alunas de uma universidade de Nova Iorque preencheram dois questionários, um acerca da sua vida sexual e outro que avaliava sintomas de depressão. A análise foi publicada em 2002 na revista Archives of Sexual Behavior e os dados sugerem que as mulheres que contactam regularmente com esperma no seu sistema reprodutivo têm menos sintomas de depressão do que aquelas que usam preservativo ou que não têm relações sexuais. Mais: entre as que não usavam preservativo, à medida que passavam os dias desde o último encontro sexual, aumentavam também os sintomas de depressão, levando os autores a especular que elas usavam o sexo para os aliviar. O que é consistente com o facto de as mulheres que não usavam preservativo serem as que mais sexo faziam. E nada disto tinha que ver com relações emocionais estáveis, pois não havia diferenças significativas entre as que tinham ou não namorado. Nem com o uso da pílula, algumas das que usavam preservativo também a tomavam. Era simplesmente o esperma profilático, que até podia salvar vidas, por via da prevenção do suicídio. Claro que é importante dizer que uma doença crónica sexualmente transmissível, como a sida, tem um efeito depressivo tremendo, pelo que o preservativo pode evitar depressões e outros problemas sérios no futuro. Mas como não gostar desta ideia, capaz de transformar qualquer homem num benemérito ejaculador altruísta?

O trabalho é credível. Portanto, será mesmo assim? Talvez. Mas é só um estudo que, como todos os outros, tem limitações. Os autores sabem isso e até põem um ponto de interrogação no título: «O esperma tem propriedades antidepressivas?» Especulam acerca do componente do esperma que poderá dar origem ao efeito. E sugerem o óbvio: são precisos mais estudos. É um artigo honesto, mas não chega para tirar uma conclusão consistente. E é quase sempre assim. Um artigo científico é como um postal ilustrado: se escolher o seu destino de férias vendo apenas um postal, terá grandes possibilidades de ficar desiludido. Na ciência, à medida que vários grupos de investigação trabalham no mesmo tema, o conhecimento vai-se tornando mais seguro. Sobre este, curiosamente, não há muitos mais. Talvez por receio de que a conclusão seja outra. A mim ocorrem-me ideias de experiências espetaculares, envolvendo grande promiscuidade sexual entre cientistas e/ou voluntários. Tudo pelo avanço da ciência, claro!

PERISCÓPIO

ÉTICA DA COMUNICAÇÃO DE CIÊNCIA

Como assegurar a precaução na comunicação de resultados de investigação preliminares, de modo a prevenir especulações ou afirmações exageradas? Ou a transparência quanto a conflitos de interesses dos cientistas envolvidos? Questões éticas para debater no Dia C, próxima quinta-feira, no Pavilhão do
Conhecimento, em Lisboa. António Granado (jornalista e professor na Universidade Nova de Lisboa), António Vaz Carneiro (diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência e da Cochrane Portugal) e João Lobo Antunes (presidente da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida) serão os oradores, numa sessão conduzida por Catarina Ramos, diretora de comunicação do Programa de Neurociências da Fundação Champalimaud.

[Publicado originalmente na edição de 22 de maio de 2016]