No estúdio de um mágico

O mágico Luís de Matos, que lançou recentemente o Livro dos Segredos, em que revela ilusões e partilha curiosidades sobre a história da magia, mostra pela primeira vez o Estúdio 33, nos arredores de Coimbra, essa «caixa aberta à porta fechada», que é mais do que o sítio onde prepara truques e espetáculos: ali, tudo pode acontecer.

Desenhado por Luís de Matos, o Estúdio 33 começou a ser construído em 2003, tinha ele 33 anos, no lote 33 do Parque Empresarial do Camporês, na vila de Ansião. A localização, no centro do país, a hora e meia de Lisboa e Porto, nunca foi impedimento para nada.

Basta pensar no que já aconteceu naquele espaço, criado para juntar sob o mesmo teto uma equipa de nove pessoas que trabalham juntas há duas décadas, têm experiência em várias áreas e são autossuficientes. Cada um dos seus espetáculos viaja num camião cheio, pois a equipa assegura desde a criação dos cartazes até à condução do pesado, passando pela cenografia, a iluminação e o som.

Entremos então no Estúdio 33, que inclui heliporto, estacionamento para cem viaturas e uma extensa área verde, para agrado da cadela Decker, que por ali corre alegremente. É onde se desenvolvem truques e espetáculos, mas não só. Luís de Matos diz que se pode fazer de tudo naquele lugar. Aliás, ainda estava em construção quando acolheu «o primeiro especial de magia em três dimensões para televisão», em 2006.

Também foi palco do primeiro congresso mundial de magia emitido em direto, via internet, para 74 países. A Essential Magic Conference realizou‑se em 2010 e nos dois anos seguintes, com a presença de 33 dos mágicos mais prestigiados do globo. Isso valeu a Luís de Matos o prémio Special Fellowship da Academia de Artes Mágicas de Hollywood, pelo seu impacte na história da magia. Foi a terceira distinção que recebeu daquela entidade, mas houve muitas outras, ao longo de uma carreira de quase trinta anos.

É no Estúdio 33 que o mágico passa mais tempo, porque a equipa está «constantemente a trabalhar em várias coisas» e ele não conhece distinção nítida entre trabalho e prazer – «um privilégio», admite.

Pode ficar um fim de semana imerso na sua biblioteca de magia, com mais de cinco mil livros, em várias línguas, alguns assinados por Houdini. O mais antigo foi publicado em 1593 e um dos mais surpreendentes, sueco, de 1767, explica como bem receber em casa, abarcando tanto receitas como truques de cartas.

É naquele lugar de histórias que decorre a conversa, uma vez apresentado o Estúdio, dos escritórios à oficina, sem esquecer a sala multiusos, com palco permanente e cortinas vermelho-sangue, a lembrar que a arte (mágica) ali é rainha, embora possa acolher os mais variados eventos. Também já lá foram gravados programas de TV.

Tudo está organizado, dos cadernos de capas pretas em que regista ideias para truques à sala dos segredos, com adereços de magia guardados em caixas em que se lê «fogo», «pombas», «jornal rasgado» e muito mais. «Se eu fosse músico, aqui estariam os instrumentos», observa.

Na biblioteca, os livros antigos ficam ao fundo, ordenados por séculos, e os contemporâneos estão por autor. Ao entrar, o nosso olhar recai logo sobre a máscara de homem idoso usada pelo mágico na série Mistérios, de 2008, em que realizava truques, incógnito, nas ruas. Tão incógnito que, certa vez, em Coimbra, cruzou‑se com António Arnaut assim caraterizado, abordou‑o («Sou eu, o Luís! Estou a gravar.») e não foi reconhecido. Telefonou‑lhe depois a explicar. Repleta de pormenores, a biblioteca é o espaço indicado para falar do seu Livro dos Segredos, que contém cinquenta ilusões protegidas em páginas seladas, além de cinquenta factos e curiosidades pouco conhecidos acerca da história da magia.

Ficamos a saber que o almirante Gago Coutinho era mágico amador; que quem afirmou «quanto mais conheço os homens mais amo o meu cão», há mais de cem anos, foi o mágico The Great Lafayette, aludindo ao seu rafeiro Beauty, ao qual atribuiu um pedigree falso, envolvendo uma inexistente ilha nos Açores; ou que, em plena Segunda Guerra Mundial, Churchill chegou atrasado a uma sessão noturna no Parlamento devido a um truque de cartas.

Mas afinal como nasce um truque? Em qualquer altura, responde Luís. Pode estar a ver um filme ou numa loja de móveis onde depara com a peça perfeita para criar determinada ilusão.

Também pode sonhar – dorme com um caderno à cabeceira. Ou ir na rua. Se em 1995 fez a célebre ilusão da previsão do Totoloto, foi por estarem permanentemente a dizer‑lhe para adivinhar a chave.

Ter a ideia não significa concretizá‑la, pelo menos de imediato. «Há coisas que estou para fazer há mais de quinze anos», conta o mágico. Talvez por requererem trabalho de memorização, técnica ou construção, o que exige disponibilidade.

Preparar um truque pode ser um processo «rápido ou demorado». Divide‑o em três fases. A primeira é a da ideia. A segunda, a da construção e teste, ali mesmo, dentro de portas, em articulação com a equipa, que observa, critica, sugere, até com recurso a filmagens. A última é aquela «em que a casca do ovo se parte e é partilhado com o público». «Esse é o grande momento, que pode ser de profunda desilusão», revela o artista. E exemplifica: «Tenho uma ilusão no Chaos, que é uma ilusão‑âncora no espetáculo, na qual trabalhei durante um ano e meio, e no dia da estreia não gostei do resultado final. De uma semana para a outra mudou completamente, e até hoje permaneceu igual. Porque me faltava esse último ingrediente, que só é possível conhecer e experimentar com a interação com o público.»

Em média, um espetáculo leva dois anos a chegar aos espetadores, e depois vai crescendo com eles, «porque em cada representação tem novo feedback». É o caso de Chaos, que se estreou em 2011 e voltou à estrada neste outono, com passagem por Setúbal, Braga, Funchal e Bilbau, e nos dias 29 e 30 de dezembro chegará a Lisboa. A 17 de novembro, Luís de Matos partiu em digressão europeia com The Illusionists 2.0, um espetáculo conjunto estreado em 2013, na Austrália, no qual é uma espécie de mestres-de-cerimónias, e que vai ocupá‑lo durante quatro meses. A primeira série de espetáculos, em Paris, termina hoje. Seguem‑se Amesterdão, Moscovo, Berlim, Estrasburgo, Lille, Antuérpia, Gent, Lyon, Bruxelas e Dublin, em março do próximo ano. Só depois poderá dedicar‑se mais inteiramente a dois projetos que está a preparar para Portugal: o espetáculo sucessor de Chaos e um novo programa de TV.

O encanto de Luís de Matos pela magia começou a manifestar‑se em Chão de Couce, Ansião, onde se fixou com a família em criança, após terem vindo de Moçambique.

Aprendeu os primeiros truques aos 8 ou 9 anos, com Serafim Afonso, no grupo de teatro Amanhecer, e estreou‑se em público aos 11, numa festa de Natal.

«O espetáculo consistia num único truque. Era um dado que passava de dentro do chapéu para dentro de uma caixa, e de dentro da caixa para dentro do chapéu. Uma coisa extraordinária, altamente impactante», graceja.

Hoje, aos 46 anos, o mágico, autor e produtor tem na bagagem um sem-fim de palcos pisados, experiências em televisão, teatro e cinema, trabalhos publicados, prémios e distinções, sem que a chama esmoreça. Orgulha‑se de ter a mesma paixão e dedicação com que começou. «Sempre me vi como a minha mais importante concorrência», diz. O que significa isso? «Que tenho de ser melhor do que ontem. Senão, não vale a pena.»

UM LIVRO COM PÁGINAS SELADAS

O Livro dos Segredos, em que Luís de Matos desvenda cinquenta ilusões, é um objeto curioso: quem o folhear encontra, nas páginas ímpares, a descrição da ilusão que poderá criar junto do público; e, nas páginas pares, factos e curiosidades sobre o mundo da magia. Cada página é dupla, está selada. O leitor tem de rasgá-la, com a ajuda do marcador, para ver a ilusão explicada no interior. Esta opção surge como resposta a «um conflito»: o autor não apreciava o facto de, numa livraria, os «segredos serem devassados» por qualquer cliente, «e não explicados às pessoas que têm real interesse em respeitá-los e com eles aprender». Mas também não gostava de livros envolvidos em celofane.

A obra, publicada pela Porto Editora, é para todas as idades, e divide-se em cinco grupos: magia com cartas, magia improvisada, magia mental, magia de salão e magia clássica. Inclui um DVD em que o mágico realiza as ilusões diante de uma plateia, e tem prefácio do ilusionista americano David Copperfield, de quem Luís de Matos é amigo. «Conhecemo-nos há quase vinte anos.»