Neste fim-de-semana os miúdos ficam comigo. No outro ficam com quem apanhar

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– Preciso de te pedir um favor.
– Outro? O que foi agora? Queres trocar mais um fim de semana?
– Não. É para te pedir uma troca, mas não é preciso tanto.
– Eu logo vi. Há sempre mais alguma coisa a mudar depois de mudar tudo e mais alguma coisa.
– Esse trocadilho é giro mas neste mês não pedi grandes mudanças.
– Ai não? Já tive de sair mais cedo dois dias por causa de ti e das tuas alterações. E na semana passada fui eu levar os miúdos à escola, buscá-los e levá-los a tua casa.
– Isso foi porque tinha o carro na oficina. É diferente.
– Não é nada diferente. É uma mudança ao que temos combinado e sobra para mim. Sobra sempre para mim. Se não é do cu é das calças, mas há sempre alguma coisa. É assim desde que nos separámos.
– És o pai, não és? Querias que sobrasses para quem?
– Queria que tu te organizasses e não fosse preciso andarmos sempre nisto. E não sobrasse para ninguém. Uma coisa é teres uma emergência, uma chatice de última hora no trabalho, uma coisa não programada. Outra é andares sempre a fazer planos diferentes e não te organizares. Não é bom para mim, não é bom para os miúdos. E também não é bom para ti, mas tu lá sabes da tua vida.
– Só te peço alterações quando não tenho alternativa. Quando preciso peço aos meus pais.
– Eu sei que pedes. E isso vai dar ao mesmo: combinas umas coisas com os miúdos, eles fazem planos, e quando dão por eles estão em casa dos avós porque a mãe tem de ficar a trabalhar até tarde ou tem outras coisas combinadas ou vai viajar ou o raio que a parta. E prepara-te, porque quanto mais velhos ficarem pior será. Eles já se queixam agora, imagina quando quiserem fazer planos com namoradas, com amigos, com trabalhos de grupo.
– Eles queixam-se? Queixam-se a quem? Não me disseram nada.
– Se calhar é porque não te apanharam. Nunca sabem quando é que vão ter os planos alterados. Já me disseram que não gostam de não saber em casa de quem é que vão dormir hoje. E que não gostam que passemos a vida a trocar fins de semana para eles andarem com a casa às costas. E que não gostam de não ter os livros de que precisam para fazer os TPC porque era suposto dormirem em casa da mãe e afinal vão dormir a casa do pai. Ou vice-versa. Ou então querem estas calças ou aquela camisola que estão noutra casa onde eles não estavam a contar que iam dormir.
– Acho que estás para aí a fazer um grande 31, mas agora não tenho tempo. Posso fazer o pedido?
– Diz lá. É jantar, fim de semana, noite de consoada ou levar ao futebol? O que é que precisas agora?
– É só ires buscá-los à escola dois dias nesta semana. Um dia vou ao dentista, no outro tenho psicólogo. Posso trocar com um dos teus dias.
– Então na outra semana podes ir buscá-los dois dias a minha casa e levá-los tu à escola.
– De manhã? Para isso tenho de acordar às seis, atravessar a cidade e voltar depois para o trabalho.
– É pegar ou largar. Podes escolher tu o dia. É uma manhã em que não tenho de acordar eu às seis e meia.
– Estás a ser muito bera comigo.
– No ano passado alterei o Natal porque tu querias ir para a neve no dia 26. A passagem de ano era para ser minha e foi tua porque o teu namorado ia viajar. E no meu aniversário tiveste a lata de me pedir para ficares tu com eles porque no dia seguinte não te dava jeito ires buscá-los. A sério que queres queixar-te por teres de acordar um dia às seis da manhã?

[Publicado originalmente na edição de 02 de outubro de 2016]