Não resista à mudança

Mudar – de hábitos, de profissão ou até o percurso para o trabalho – está ao alcance de todos, promove oportunidades e fomenta a felicidade. Mas, para muita gente, o dia-a-dia está recheado de mudanças que inquietam, das situações mais simples às mais complexas. Haverá melhor altura para pensar neste desafio do que o início de um novo ano?

Há quem diga que, para melhor, muda-se sempre. Mas da teoria à prática vai uma grande distância – sobretudo para quem não consegue enfrentar as mudanças da vida de ânimo leve. Nesta dualidade de sentimentos, surgem por vezes sintomas físicos que atrapalham as vantagens que as mudanças podem acarretar. Quem não se lembra de ter sentido algum nervosismo ou receio antes de um exame importante para a faculdade ou de uma entrevista de emprego? O problema intensifica-se quando o medo se perpetua e nos impede de aproveitar oportunidades benéficas. É a chamada resistência à mudança que pode surgir «como um mecanismo de defesa ou uma ameaça – real ou imaginária – sendo desencadeada uma resposta de medo e de resistência como forma de evitar o perigo», diz Cláudia Madeira, psicóloga clínica e da saúde.

Não escolhe sexos, religiões ou idades. O medo da mudança é universal e todos nós já sentimos, mais ou menos vezes, mais ou menos intensamente, medo de mudar. «A mudança implica sair da nossa zona de conforto – que já conhecemos, onde tudo é previsível e onde temos a sensação de estarmos bem, acomodados, protegidos e seguros –, obrigando-nos a explorar o novo, o desconhecido e a esforçarmo-nos por nos adaptarmos a uma situação nova e diferente de tudo o que já conhecemos e nos habituámos», acrescenta.

O medo da mudança é fruto da evolução da espécie humana e da necessidade de sobrevivência de outros tempos. «No princípio da humanidade, o homem das cavernas confrontava-se constantemente com situações de mudança, e a mudança e o desconhecido estavam normalmente associados ao perigo. Atualmente, apesar de as situações de mudança já não estarem associadas ao risco, continuamos a sentir o medo do desconhecido quando alguma coisa está prestes a mudar, porque foi esse medo que outrora nos protegeu dos perigos e nos permitiu sobreviver.»

Desde a nossa infância, e ao longo da vida, somos ensinados a procurar situações que nos façam sentir seguros, confortáveis, «que nos permitam um grau razoável de estabilidade e previsibilidade», diz Cláudia Madeira. «Muitos de nós (senão a maioria) insistem em construir uma vida estável, em que nada nos surpreenda ou nos faça sentir a ansiedade perante o novo ou o desconhecido… Ora, pelo contrário, as situações de mudança exigem que nos preparemos para lutar e esforçar por uma nova adaptação, quando já estávamos acomodados e acostumados a uma realidade que, boa ou má, era aquilo que já conhecíamos e da qual já sabíamos o que esperar. Tudo isto contribui também para que as pessoas temam as mudanças e resistam a deixar a tranquilidade e a comodidade da sua zona de conforto, mesmo quando sabem antecipadamente que as mudanças serão positivas.»

Como em tudo na vida, há que recorrer ao bom senso e perceber quando é que o medo é limitativo e de tal forma grande que se perdem grandes oportunidades de evoluir ao nível pessoal, académico, familiar, social e profissional. «Quando as pessoas resistem e têm medo de mudar impedem-se a si próprias de evoluir como seres humanos, não permitindo desenvolver novas capacidades e competências – e, sem se darem conta, perdem oportunidades de se tornarem pessoas mais felizes.»

Uma das estratégias para enfrentar a resistência à mudança consiste precisamente em mudar os padrões de pensamento que dizem respeito a determinada situação, ou seja, procurar ter uma perspetiva positiva sobre a mesma. Evite dizer frases negativas e desistir à primeira dificuldade. «Eu não vou conseguir» ou «Não sou capaz» são expressões que não devem caber no seu dicionário. Há que acreditar em si próprio, «antecipar e preparar-se para enfrentar eventuais obstáculos e/ou dificuldades que possam surgir; estabelecer pequenos passos para a mudança e desenvolver planos sobre como executar esses diferentes passos para alcançar a meta da mudança; e, por fim, colocá-los em prática até alcançar a mudança, procurando manter a confiança em si próprio e o otimismo», aconselha Cláudia Madeira. O processo pode não ser simples à partida pelo que pode procurar adotar um estilo de vida que promova a mudança de rotinas e a experimentação de novos hábitos diários.

O medo também pode ser um bom aliado quando exerce «uma função adaptativa no sentido em que temer o desconhecido, em crianças e adolescentes, pode efetivamente protegê-los de eventuais perigos reais», acrescenta a especialista. Quando as crianças demonstram uma grande incapacidade para lidar com novas situações e para vencer o medo é importante que «os pais deem o exemplo, uma vez que, na generalidade, pais ansiosos geram filhos ansiosos.

Por outro lado, a partir do momento em que o medo e a ansiedade associados à resistência à mudança têm frequência, intensidade e duração tais que provoquem mal-estar significativo e interfiram na vida diária da pessoa podem gerar «problemas psicológicos, nomeadamente perturbações de ansiedade».

O medo vem normalmente acompanhado de sintomas físicos, como dificuldade de concentração, problemas de sono, fadiga e irritabilidade, batimentos cardíacos acelerados, palpitações, suores, dificuldades em respirar, desconforto, dor no peito, tensão muscular, náuseas, mal-estar abdominal, sensações de tontura, desequilíbrio, desmaio, entre outros, dependendo da intensidade do medo. A pessoa torna-se mais «receosa, negativa, nervosa, irritável, pessimista, com incapacidade de relaxar e se concentrar». Se se identifica com estes sintomas e começar a ser cada vez mais difícil lidar com os desafios do dia-a-dia, é fundamental procurar ajuda psicológica especializada pois existem intervenções eficazes indicadas para estes casos», sugere a psicóloga.

Ao nível das empresas, a resistência à mudança é limitativa e surge como uma das barreiras para a transformação organizacional. Em 2001, os autores brasileiros João Mauro da Costa Hernandez e Miguel P. Caldas estudaram esta tendência e publicaram um artigo na Revista de Administração de Empresas no qual chegam à conclusão de que «tão importante quanto a análise das causas da resistência, particularmente para a mudança organizacional, é a identificação dos grupos e indivíduos que terão maior inclinação a resistir à mudança e das razões desse comportamento». Dez anos depois, também no Brasil, Silvana Ligia Vincenzi Bortolotti, Afonso Farias de Sousa Júnior e Dalton Francisco de Andrade fizeram uma apresentação no VII Congresso Nacional de Gestão subordinado ao tema «Resistência à mudança – reflexões cognitivas, comportamentais e afetivas» na qual concluíram que «qualquer manifestação de resistência é um sintoma de problemas inerentes a situações particulares. A resistência pode, portanto, servir como um sinal de aviso», pelo que deve ser analisada com seriedade. «É importante antecipar as razões e as causas específicas da resistência, pois com o conhecimento das mesmas será possível planejar e executar contramedidas que, pelo menos, ajudarão a minimizar a resistência, e talvez transformá-la em aceitação», pode ler-se no artigo original. Só assim será possível melhorar, ter novas ideias e lidar com as situações. A resistência à mudança surge assim como um «acontecimento útil». As empresas precisam de adaptar-se para fazer frente às sucessivas mudanças e o seu sucesso depende então «da forma como reagem a esta necessidade».

Ao nível empresarial, tem sido cada vez mais frequente a necessidade de abordar a gestão de mudanças enquanto fator decisivo para o crescimento e o sucesso de uma empresa e de um projeto, seja ele qual for.

COMO AJUDAR OS FILHOS A NÃO RESISTIR À MUDANÇA

» Modele comportamentos e atitudes que lhes permitam aprender como podem enfrentar e superar o medo do novo e do desconhecido.

» Transmita-lhes os potenciais benefícios, vantagens e aspetos positivos da mudança (e não apenas os negativos).

» Confie nas capacidades e competências deles em lidar com os desafios da vida, para que possam acreditar em si próprios e sentir-se confiantes para lidar com o medo em situações novas.

» Incentive-os e motive-os a enfrentar situações novas e de mudança.

» Reforce e elogie os esforços dos filhos em situações de confronto com o medo da mudança.

» Tenha uma perspetiva positiva sobre a mudança, analisando os prós e os contras e evite que o medo interfira nessa análise.