Não me ralo

Notícias Magazine

À deriva andamos todos, mesmo que às vezes acertemos no rumo.

Não se pense que a Terra-mãe precisa de nós para continuar a existir. Daqui a muito tempo, depois de nos termos certificado de que nenhum ser humano terá condições para cá viver, a Terra continuará viçosa e plena. É certo que demorará alguns milhares de anos a limpar a porcaria que cá deixámos, a reverter as atrocidades que cometemos. Mas permanecerá, ao contrário de nós, que pereceremos.

Nós não estamos a destruir o planeta Terra, nós estamos a destruir a possibilidade de vida no planeta Terra. Sem nós, ele continuará a existir, mas nós não podemos continuar a existir sem um número definido de condições que a vida impõe a si mesma para sobreviver.

anabacalhau_foto-outubro_Não nos enganemos mais. O animal mais inteligente do mundo não se iria autodestruir assim, de forma tão leviana, tão tonta. Para mais a achar que a sua mão destruidora poderá ser perdoada eternamente ou que, tal qual criança mimada, que não podendo brincar não deixa mais ninguém brincar, caminhando para a extinção da espécie, quer levar toda a vida e o planeta, se possível, consigo.

Não, não me parece que a Terra esteja muito preocupada com a nossa extinção. Deve até estar a fazer figas para que nós, qual praga que a aflige, desapareçamos rapidamente e lhe dêmos o sossego merecido.

E eis que vamos nesta marcha acelerada para o fim da nossa vida na Terra. Todo o conhecimento que fomos criando coletivamente, com muito esforço e alguns sacrifícios, vamos enterrando agora, alegremente assobiando para o lado.

Não falo só de prédios, nem pontes, nem economia. Sim, é maravilhoso termos conseguido criar tudo isso, dá muito jeito para vivermos com maior conforto. Só que as infraestruturas de betão de nada valem se não tivermos as infraestruturas de coração bem cimentadas.

Parece-me que a nível do coração ainda não saímos das cavernas. É isso que nos vai tramar. O facto de estarmos tão convictos de que somos o centro de tudo, esquecemo-nos de que somos um elo na cadeia.

Para quê preocuparmo-nos se amanhã está sol e vamos poder ir para a praia nadar?

Claro, vamos nadar. Somos os maiores, não é? Nademos sem rumo, então. E, sem que desconfiemos, ao fundo, o ralo espera pacientemente a nossa chegada.

(Fotografia Ana Bacalhau)

[Publicado originalmente na edição de 16 de outubro de 2016]