A hora de inverno está a chegar

A mudança da hora afeta também os nossos relógios internos, influenciando o apetite, o sono, a energia e muitos outros aspetos fisiológicos. É o inverno a querer instalar-se.

Tentando esquecer o escuro lá fora, Cátia Marques levanta-se e suspira. Trata de si, do pequeno-almoço, das marmitas, do biberão, da roupa, dos brinquedos espalhados, decidida a abrir os olhos. Às dez para as 07h00, sem mais tempo para ceder sem se atrasar, levanta o filho de dois anos, dá-lhe o leite, agasalha-o bem, leva-o ao infantário, segue para o trabalho. «Estou desejosa que a hora de inverno chegue na madrugada de sábado para domingo. Então o meu cérebro terá de aceitar que é dia sem eu precisar de repeti-lo na minha cabeça», diz. Vai atrasar os relógios de casa uma hora sem dramas, não porque lhe agrade voltar já de noite – parece que o tempo não rende tanto –, mas por lhe custar menos isso do que sair sem manhã. Apesar das neuras inevitáveis em dias tão curtos.

«A diminuição das temperaturas e da exposição solar representa um desafio por tender a gerar alterações físicas e mentais», alerta a psicóloga clínica Filipa Jardim Silva, da Oficina de Psicologia. Estas terão de ser contrabalançadas com uma boa higiene de sono, prática de exercício físico regular, alimentação saudável e uma postura mindful com foco no que estamos a sentir no momento, de modo a identificar necessidades psicológicas. «A mudança de hora é mínima, mas os dias ficam muito pequenos e a luz é justamente um elemento regulador do nosso ciclo biológico, influenciando o funcionamento de todo o corpo.» A começar por uma alteração nos momentos de libertação da melatonina, a hormona do sono, que passará a atingir o nível máximo entre o fim da tarde e a madrugada.

«O organismo está preparado para adaptar-se, contudo é possível sentir sonolência acrescida e défices de concentração», adianta a psicóloga, que explica também as famosas depressões sazonais à luz de uma menor ativação de serotonina nos dias curtos: «É um importante neurotransmissor que atua no cérebro, regulando humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal e sensibilidade à dor. A luz solar interfere com ela, mas lá está: cada caso é particular e os efeitos dependem do estado atual de saúde física e psicológica de cada um.» Miguel Meira e Cruz, o presidente da Associação Portuguesa de Cronobiologia e Medicina do Sono, fala ainda em dores de cabeça e num maior risco de acidentes devido à escuridão prolongada. «Apesar de o impacto ser maior no recuo que exigimos ao tempo em março (hora de verão), qualquer das direções em que se proceda a uma mudança súbita num relógio de adaptação lenta, como o que temos no cérebro, tem prejuízos significativos e potencialmente graves.»

Foi há um século que a Alemanha e o Império Austro-Húngaro se estrearam a mudar a hora (em abril de 1916), no contexto da I Guerra Mundial e da necessidade de reajustar os horários laborais para poupar energia. Seguiram-se a França e o Reino Unido, em 1917 a Rússia e os EUA, em 1918 a Espanha. Muito antes disso (1784), já o inventor Benjamin Franklin tinha defendido as mudanças horárias – daylight savings time, chamava-lhes ele – para poupar velas. Desde então, muitos países deixaram cair a medida e voltaram a adotá-la na II Guerra Mundial e em períodos de crise, apesar de na prática não se confirmarem os ganhos teorizados.

Segundo Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico de Lisboa (a entidade incumbida da manutenção da hora legal em Portugal), este atraso resultante de diretiva comunitária deixa-nos mais próximos do meio-dia solar, e no inverno faz diferença. «Estudos europeus mostram não haver um impacto económico determinante para esta decisão, o que há é um impacto na atividade diária das pessoas. Sentem-se bem por trabalharem num período em que existe mais sol, por se movimentarem ainda com a luz do dia», sublinha o astrofísico. Não mexer no relógio significaria ter sol até depois das 18h00 no fim de dezembro, embora por outro lado não nascesse antes das 09h00 – as crianças iriam para a escola ainda de noite. Certo é que sempre que o país tentou não implementar o horário de inverno (entre 1992 e 96) recuou por sentir o impacto negativo do desfasamento face à hora solar.