Memórias positivas

Notícias Magazine

Querido Júlio,

a minha filha fez esta semana 24 anos. Enquanto cozinhávamos, falava-me das suas memórias de infância com alegria e reconhecimento. Ela lembrava-se em particular das festas de Carnaval escolares preparadas por mim, quando ela e o irmão eram pequenos. As fantasias eram geralmente produzidas durante a noite, na véspera da festa escolar. Depois de os deitar, sem saberem o que os esperava no dia seguinte, passava a noite em claro a engendrar as melhores máscaras para aquele ano. Pintava, cortava, cosia e agrafava como uma ratinha da Gata Borralheira. Trabalhava durante toda a noite para conseguir impressionar os miúdos no dia seguinte, mesmo que isso significasse olheiras durante uma semana. Entre uau e gritos de alegria, cada um deles apropriava-se da sua fantasia com um sorriso estampado na cara. Enchiam-me de beijos e abraços e um obrigada «mãe rata», que me encantava.

Depois era o momento da algazarra para os vestir, maquilhar e enfiá-los no carro para os levar à escola. Do que me recordo, as mais inesquecíveis fantasias terão sido a noiva de papel higiénico e a sereia. No caso da noiva, a matéria-prima era papel higiénico branco que pacientemente utilizei para criar um vestido de pregas, flores e grinaldas. Recordo-me da Bárbara vestida de mininoiva com um vestido digno de uma designer de moda. O seu entusiasmo ao entrar na escola era tremendo, lembro-me de que ela se dirigiu à sua sala de aula orgulhosa e feliz e, mesmo no final de um dia de brincadeiras, continuava a exibir o seu vestido de papel higiénico já esfarrapado com a mesma convicção com que tinha entrado na escola.

Ontem senti-me grata por ter perdido tantas noites de sono para lhe fabricar aqueles pequenos tesouros que alimentaram a sua memória até à idade adulta.

A propósito destas recordações, penso nas sessões de terapia com casais e da importância do papel das famílias de origem e dos filhos nas suas vidas. Vejo muitas pessoas cujas memórias positivas da infância foram apagadas e substituídas pela recordação de discussões, tristeza e zanga dos pais. Vejo também alguns pais desrespeitarem-se e diabolizarem-se à frente dos seus filhos, numa espécie de competição pela maior ofensa, acabando por lhes aniquilar aquilo que podia ter sido uma memória inesquecível. Se queremos que para memória futura dos nossos filhos se recordem dos nossos mimos e atos de amor, temos de saber cultivar essa forma de estar ao longo do seu processo de desenvolvimento. Para tal, é preciso evitar guerras conjugais em frente dos filhos e ao mesmo tempo dar-lhes atenção, ouvi-los e reforçá-los nas suas ações. Reforço positivo dá-lhes confiança, atenção e escuta ativa faz com que se sintam acarinhados e seguros, uma das missões dos pais. Só assim se podem tornar adultos autónomos, confiantes, criativos, emocionalmente maduros e, claro, com boas memórias de família.

Se queremos ter bons filhos, temos de saber ser bons pais. Felizmente a vida dá-nos várias oportunidades para podermos melhorar. Os filhos agradecem!

[Publicado originalmente na edição de 31 de janeiro de 2016]