Mariana na bomba de gasolina de Idomeni

Notícias Magazine

Não sabia que existia Idomeni até chegar o longo texto que a Mariana publicou no Facebook e que desapareceu depois de ter sido 200 vezes partilhado. Voaram para o éter

também as partilhas, ela voltou a pô-lo, voltámos a partilhá-lo. Idomeni é uma pequena aldeia rural grega, perto da Macedónia, e tem, segundo os números oficiais, 154 habitantes. Isso era o que dizia a estatística de 2011, porque agora são pelo menos 15 mil as pessoas que ali vivem. Que ali sobrevivem. A 20 minutos da aldeia, conta a Mariana, jornalista e psicóloga, há uma bomba de gasolina que, tal como a aldeia deixou de ser apenas uma pacata aldeia rural, deixou de ser apenas uma bomba de gasolina. Desde que, em janeiro, a Macedónia abre e fecha a fronteira a conta-gotas, a Eko Station passou a ser um acampamento com mais de duas mil pessoas, incluindo centenas de crianças. Eu não sei contar isto como a Mariana, porque ela está lá a trabalhar com uma associação humanitária, e por isso explico agora que é fácil encontrar a Mariana Vareta no Facebook, e quem a ler perceberá. Por exemplo, quando ela diz que distribuem comida «a miúdos tão pequenos que mal conseguem segurar o que lhes entregamos», e que paradoxalmente a presença das crianças torna mais leve o cenário, «porque centenas de miúdos aos saltos sempre aliviam um bocado o ambiente». Quem puder ir ler que vá, porque fica a saber muitas coisas, incluindo uma forma de ser útil.

Uma das muitas coisas não se passa apenas ali, mas ela dá pormenores. Os voluntários estão a ser perseguidos, maltratados, constantemente identificados. Ai estás a conduzir de sandálias, vais preso. Ai tens um canivete suíço, armado em MacGiver, vais preso. Isto para ver se os voluntários desistem, se se afastam e deixam de ser fontes de informação para o exterior. Mais coisa menos coisa, podem vir a ser expulsos, para deixar caminho às operações de varrer pessoas sem ninguém saber.

O Papa Francisco tem muitas coisas para fazer, mas arranjou tempo para obrigar o foco das notícias a deslocar-se para Lesbos, numa viagem de tristeza em que esteve acompanhado de Bartolomeu, o patriarca de Constantinopla, e Jerónimo, o arcebispo de Atenas, ambos ortodoxos. Um menino afegão ofereceu-lhe um desenho e o Papa levou o papel para mostrar a toda a gente: o mar, o sol, cinco pessoas, uma balsa. Acontece que a balsa está a afundar-se, as pessoas estão no meio do mar e o sol chora lágrimas vermelhas. Somos todos migrantes, disse Francisco, e em vez de muros é preciso fazer pontes. Falaram-lhe no famoso acordo da União Europeia com a Turquia que restringe o acolhimento às pessoas que fogem da guerra e da morte, ele respondeu que não conhece

o documento e que não está ali para fazer política. Malandrice dele, porque o que ele faz é política com P grande, uma coisa séria em que as pessoas ocupam o papel principal. Antes de partir, ele sabia ao que ia. Disse logo: «Vamos testemunhar o pior desastre humano desde a Segunda Guerra Mundial. Vamos ver tantas pessoas que estão a sofrer, que estão a fugir e não sabem para onde.» Não sabem para onde.

Querida Mariana. Não sei se ainda estás na bomba de gasolina de Idomeni. Não tenho palavras para substituir o que dizes, aqui deixo o que escreveste sobre as pessoas com quem convives longe do conforto da tua casa no Porto. «Mantêm uma dignidade e uma educação que são quase incompreensíveis, quando nos lembramos que estão aqui há quase dois meses. Literalmente abandonados, a apodrecer.»