Amizade

Amizades de infância e adolescência são vínculos fortes. Definem quem somos, o que seremos, os nossos sonhos, o que não significa que resistam intocáveis ao tempo, à distância e a mudanças pessoais. Faz sentido reavivar amigos do passado? Ou voltar a andar de baloiço com a amiga do colégio é uma utopia?

Sofia Domingos apresentou-se no restaurante antes da hora marcada, em ânsias. Mirava os dragões do teto e a talha dourada, as toalhas vermelhas, o tanque com carpas, mas as únicas imagens que via realmente eram as dos tempos do preparatório, há quase trinta anos, quando ela e os amigos andavam em bando como pintainhos. Como estariam todos? Quer dizer, sabia que a Tânia tinha sido mãe, o Hugo casara, o Jorge estava a trabalhar em Londres e não pensava voltar. Nisso, o Facebook é imbatível: permitira encontrar-lhes o rasto e mantê-la informada. Mas como estariam mesmo, ao fim de uma ausência tão grande? Ia ser bom juntarem-se de novo? Verem quem envelheceu melhor e lidar com as comparações? Redescobrirem afinidades, supondo que as havia? Até que ponto vale a pena, de facto, reavivar amizades do passado?

«O carinho que sentimos pelos nossos amigos da infância e adolescência está ligado às memórias felizes que temos deles, da mesma forma que o cheiro de bolos acabados de fazer desperta em nós emoções positivas e até pode dar-nos vontade de ligar aos nossos pais. Isto não quer dizer que as pessoas partilhem a mesma empatia na atualidade», avisa Bilyana Ivanova, psicoterapeuta do INEPSI-LX – Instituto de Neuropsicologia de Lisboa, apoiada no facto de todos mudarmos naturalmente ao longo dos anos. «É na relação com os amigos que nos descobrimos e formamos a nossa identidade; porém, todos os humanos estão em constante transformação durante a vida. Alteramos hábitos, gostos, preferências, estilos, valores, opiniões. Gente que era importante para nós numa dada fase não tem que sê-lo noutros momentos.»

Por outro lado, sustenta a especialista, também nada impede que exista carinho por essas pessoas e o passado partilhado. «A força de uma relação não se pode medir pelo tempo que dura: há amizades de décadas que não nos despertaram emoções tão fortes como outras que se conservaram menos tempo.» Elas duram enquanto houver afinidades e a única forma de saber se ainda existem pontos em comum é reativando a relação. «Se for apenas nostalgia, as pessoas vão conversar sobre o passado e o mais certo é não voltarem a ver-se. Se há empatia, é provável que a amizade possa continuar. Só depois de nos reencontrarmos podemos descobrir se a cumplicidade de antigamente se mantém ou, pelo contrário, nos tornámos demasiado diferentes para continuarmos amigos.»

Aquela noite, para Sofia, foi uma roleta-russa de emoções. Tinha a cabeça cheia de imagens da escola – das aulas, mas sobretudo dos intervalos e do último toque, quando saíam a correr à desfilada. No verão comiam gelados e jogavam basquete na rua do Hugo até quase à noite. De inverno enfiavam-se na casa de um deles a estudar e a ver televisão. Iam à piscina, à praia, acampavam, mascaravam-se. Faziam bolos, festas de pijama, namoravam. Naquela tribo ninguém se queixava de solidão. «Foi estranho revê-los depois de tantos anos. Estranho, mas bom», conta a designer gráfica de 38 anos, emocionada. A vida encarregou-se de separá-los a todos, entre mudanças de escola, trabalho, casa e escolhas pessoais – uma loucura. «Ao início senti-me desconcertada, especialmente com dois amigos que me pareciam completos desconhecidos, nem sei explicar.» Com os outros foi uma experiência surpreendente. Como se nunca se tivessem afastado.

«Mais do que recuperar o que se viveu na infância ou na adolescência, importa abrirmo-nos à descoberta de perceber se no presente ainda existirão laços suficientes para uma nova amizade com um antigo amigo», sublinha Filipa Jardim Silva, psicóloga clínica da Oficina de Psicologia. É tão legítimo sentir alegria por podermos voltar a contar com grandes figuras de suporte nas nossas vidas, quanto frustração se insistirmos numa relação que já morreu. E aqui é muito importante diferenciar entre passado, presente e futuro. «Mesmo que haja afinidade suficiente entre duas pessoas, a amizade será sempre distinta da que se estabeleceu antigamente, por todas as mudanças que entretanto se deram a vários níveis. E isso não tem que ser sinónimo de perda ou tristeza», diz.

Segundo um estudo conduzido pela Universidade Flinders, na Austrália, adultos com amigos confidentes têm maior probabilidade de viverem mais tempo. Outras pesquisas defendem que pessoas diagnosticadas com cancros, quando integradas em grupos de suporte, tendem a revelar maior longevidade do que as que enfrentam a doença sem esse encorajamento. «Os amigos são a segunda família escolhida por nós e, como tal, têm um forte impacto na definição da nossa estrutura de personalidade durante a infância e adolescência», explica Filipa Silva, destacando o seu papel protetor e de suporte, em qualquer fase da vida: «Influenciam o modo como nos organizamos no mundo, a forma como estabelecemos e mantemos laços de relação mais íntima e duradoura.»

Bilyana confirma que apesar de um reencontro poder ser difícil, na medida em que nos confronta com a própria mudança – a maneira como nos sentimos em relação a nós mesmos –, trata-se também de uma oportunidade de reavaliarmos a vida atual com alguma perspetiva. «Ao rever um amigo da faculdade, por exemplo, pode surgir em conversa os planos ambiciosos que tínhamos para o futuro e nunca concretizámos.» O maior benefício é serem pessoas com quem partilhámos fases importantes do passado. Que nos conhecem de uma época de maior autenticidade e ingenuidade, em que os sonhos não tinham limites. Será sempre um exercício de voltar a contar a nossa história.

PESCAR VELHOS AMIGOS NA REDE

Faça uma pesquisa no Google usando informações de que se recorde acerca da pessoa: nome e apelido, as escolas que frequentou, empresas em que trabalhou e respetivos períodos, nomes de familiares, último local em que morou e outros. Se o nome for especialmente comum, coloque-o entre aspas e adicione elementos à busca.

Procure no Facebook, de preferência depois de se registar também: a rede faculta assistência automatizada para a localização de pessoas, tendo em conta a informação inserida sobre os seus amigos, empregos ou histórico escolar. Lance apelos para que os seus seguidores passem a palavra. Caso não seja bem-sucedido, tente no Instagram, Google+, Ello, Twitter, Orkut, MySpace ou bases de dados como o MyLife.

Consulte registos dos grupos de alunos das escolas que ambos frequentaram. Procure entre amigos comuns e verifique ainda registos militares e/ou obituários, de forma a eliminar todas as hipóteses. Incluindo, naturalmente, a de não estar a conseguir localizá-lo porque ele não quer ser encontrado.

Envie uma mensagem inicial que seja breve e vá direta ao assunto: havendo a possibilidade de se estar a dirigir à pessoa errada, mais vale esclarecer logo tudo de início para descartar eventuais mal-entendidos.

10 COISAS QUE ACONTECEM NOS REENCONTROS

Sentem-se velhos. Enquanto antes competiam para ver quem bebia mais, engatava mais e fazia mais diretas, agora sentam-se num restaurante às oito da noite e põem em dia a conversa sobre filhos, colégios e a floreira nova que compraram para o corredor. Às 22h00 estão mais do que prontos para irem para casa dormir.

Falam sobre os velhos tempos. O dia em que fizeram uma guerra de pedras e foram chamados ao conselho diretivo. A vez em que um saltou pela janela e aterrou no telheiro. A tarde em que usaram o extintor para não terem aula de Química. Episódios embaraçosos, divertidos e até odiosos darão pano para mangas.

Trazem à baila ex-namorados. Vão lembrar-se dos dois anos que o Nuno andou atrás da Rita, ao mesmo tempo que o Pedro também tentava a sorte, apesar de namorar com a Joana, que acabou por lhe dar com os pés para ficar com o Ivo. Eram todos miúdos, mas um coração partido não doía menos por isso.

Riem-se muito. Intervalos, visitas de estudo, baile de finalistas. O primeiro grupo, os primeiros amores, as férias. As idas ao cinema, à feira, os concertos. Existe tanta alegria por onde pegar que é impossível não se rir dos bons velhos tempos, quando era completamente feliz e não sabia.

Arrependem-se de não ter marcado encontro há mais tempo. «Os anos voam… Como é possível terem passado tantos antes de nos encontrarmos? Não vamos voltar a ficar uma eternidade sem nos vermos, malta.» Todos irão pensar a mesma coisa uma dúzia de vezes durante o encontro. Embora o mais certo seja a cena repetir-se.

Reparam em coisas que antes não eram problema. A música demasiado alta atrapalha a conversa? A casa de banho não tem sabonete? O vidro do copo está riscado?Parece que os festivais sem tomar banho e a beber da garrafa foram há séculos…

Mencionam as novas regras lá de casa. Na faculdade, as únicas duas resumiam-se a não vomitar no lava-loiça e a não apagar cigarros nas tigelas dos cereais. Vai descobrir como cresceu ao contar aos amigos as novas regras de deixar os sapatos à porta e de organizar a gaveta das cuecas por cores.

Sentem-se mal. Quem diria que houve tempos em que só se alimentavam de pacotes de bolachas, batatas fritas, pipocas, fatias de pizza, hambúrgueres, salsichas, massa com atum e pudins de pacote? Hoje abusam um bocadinho na bebida ou nos molhos e pagam com azia a noite inteira.

Tentam manter a velha imagem. Depois de tantas recordações memoráveis, é bem provável que lhe apeteça repetir algumas façanhas do passado. Mas se beber dez shots e entrar em coma alcoólico podia ter graça na juventude, num adulto é apenas sinal de estupidez.

Fazem planos. À partida, o maior plano vai ser combinarem novo encontro o mais rapidamente possível, rezando por um milagre que permita conciliar as agendas de todos. Com um pouco de sorte, porque não?, talvez até descubram no Facebook mais uns quantos nomes que ainda não deram notícias.