José de Guimarães

Um surpreendente conjunto de tapeçarias de Portalegre de grandes dimensões pode ser visto pela primeira vez pelo público em geral, obras de luz, com néon e LED assinalam os vários períodos do percurso de José de Guimarães; caixas-relicário dialogam com peças da coleção de arte africana e esculturas de grandes dimensões dão corpo ao perturbante sincretismo prosseguido, desde os anos 1960, pelo artista. Esconjurações é título da sua primeira exposição individual em Lisboa desde 2008. De 27 de janeiro a 20 de abril, na Galeria Millennium, onde será também lançado o livro P (de Pop, Pintura e Poster), um ensaio inédito, sob a chancela da Documenta.

Gosta da humanidade. Correu mundo em busca dela. Longo e surpreendente caminho, percorrido entre descobertas, viagens, encontros com outras civilizações. O encantamento e a paixão por que sempre se deixou tomar, num interesse antropológico que é fundador da sua arte. «Uma grande vida», mas palavras do autor, nascido em 1939, em Guimarães. A conversa decorreu no atelier de Lisboa, 500 metros quadrados de luz. À capital portuguesa associa a palavra magia. Em Paris tem a casa, o porto de abrigo. Esconjurações vem encontrar José de Guimarães «num ponto de reflexão quase ontológico» sobre o seu percurso. É esse percurso que revisitaremos a seguir.

Desde 2008, há portanto sete anos, que não fazia uma exposição individual. Chama-lhe Esconjurações. Porquê?
Esconjurações porque estão presentes conceitos e linhas de reflexão e de tensão em torno da questão do poder propiciatório do objeto artístico, refletindo sobre a potência de uma prática artística que supera o plano estético para convocar e controlar forças e energias que operam no campo do animismo.

Daí as várias peças africanas?
Exatamente. Foram escolhidos objetos de contemplação, normalmente dos antepassados, objetos que servem a realização de rituais que comemoram as coisas mais variadas, num conceito da celebração.

Esta exposição vem encontrar o autor em que ponto da sua vida?
Não direi no fim da minha vida, mas no fim de uma grande vida. Há 55 anos, a partir dos anos 1960, iniciei esta longa corrida contra o tempo. Hoje, encontro-me num ponto – não direi de viragem, porque a viragem que havia a fazer já foi feita – de reflexão, quase ontológico. Num ponto em que reflito sobre todo um longo caminho, percorrido entre emoções, viagens, encontros com outras civilizações, dando muita atenção ao fenómeno antropológico. A vida é uma soma de diferentes culturas, todas elas concentradas no mundo em que vivemos.

Vamos então seguir esse percurso a que não é alheio o lugar onde nasceu – Guimarães. Quais são as memórias desses primeiros anos?
As lembranças de viver num mundo quase medieval. Vivia numa casa situada defronte para a muralha que ainda existe. Mantenho muito vivo esse período da infância, até aos meus 15 anos. Vivia num meio fechado, distante, e as minhas afinidades mais importantes iam para as coisas artísticas – quer as do passado quer as mais recentes. Portanto, com 15, 16 anos, as minhas grandes conversas nas férias eram com a diretora do Museu de Alberto Sampaio, onde existiam imensos relicários religiosos. E era visita diária da Sociedade Martins Sarmento, onde estudei as pedras epigráficas com inscrições em latim. Duas instituições vimaranenses muito importantes na minha infância e adolescência.

Conversava com adultos, portanto.
Muito. Dava-me também com o escultor António de Azevedo, que nessa altura já teria uns 60 anos, e com Mestre Caçoila, «pintor dos domingos», um naif que pintava cenas locais ou imaginárias, a quem fui comprando uma série de obras e que frequentava com grande ternura.

Começa a pintar com essa idade…
Sim, mas limitava-me a copiar. E desenhava. Quem muito me ajudou nessa fase foi um professor de Desenho do Liceu de Guimarães, Dr. Moura Machado. Percebeu que havia em mim qualquer coisa.

Uma vocação artística?
Quem quiser levar este métier com uma grande profundidade tem de trabalhar imenso. É necessário trabalhar muito, de forma a separar o trigo do joio. Se só se trabalha nos dias de lua cheia, não se vai a lado algum.

Maria Amélia, a mãe, desenhava muito bem. Foi uma aliada nesse gosto precoce pelas artes?
A minha mãe tinha um jeito extraordinário para desenhar. Na altura frequentava a escola comercial, em Guimarães, onde havia bons professores. Os meus avós queriam-na mais em casa, mas ela insistiu e fez a escola comercial, onde aprendeu a desenhar. Ganhou vários prémios pecuniários e talvez um dia se publique um livro com os seus desenhos. Foi sem dúvida uma aliada. Se bem que nessa altura as famílias queriam uma profissão segura para os filhos, um curso clássico. E eu, em vistas disso, fiz-lhes a vontade.

Concluído o curso dos liceus em Braga, ingressa na Escola do Exército e no curso de Engenharia. Porquê o exército? Havia tradição familiar?
Tirando o D. Afonso Henriques, não [ri].

De um mundo fechado para a capital. Que impressão lhe causou Lisboa?
Foi a descoberta de um mundo novo, em que pude fazer uma vida solta, sem grandes constrangimentos. Integrei-me no meio artístico, pude ver o que nunca tinha visto – grandes exposições. Por exemplo, lembro-me de uma de Amadeo de Souza-Cardoso no Palácio Foz, de uma outra de pintura brasileira com o Cândido Portinari (1903-1962), o Di Cavalcanti (1897-1976) e outros grandes artistas brasileiros. E não perdia uma temporada de ópera. Foram sete anos – era um curso longo – em Lisboa, muito importantes e marcantes.

Nesses sete anos frequenta a Sociedade Cooperativa dos Gravadores Portugueses. É aí que percebe qual vai ser o seu caminho?
Mais ou menos. Ainda exerci engenharia durante os três primeiros anos após o curso. Mas depois abandonei radicalmente. Em 1963, a Cooperativa editou pela primeira vez uma gravura minha. E esse gesto de reconhecimento dos pares foi, de facto, um ponto de viragem. Decidi nessa altura que iria dedicar-me a fundo às artes. Aprendi uma disciplina que exige um grande rigor de execução técnica e esse conhecimento ajudar-me-ia a definir coordenadas que me levariam à pintura ainda nos anos 1960. São as primeiras raízes. Mas o chamamento só vem em África.

Antes de irmos à fase africana, como lidava o jovem artista com a ditadura?
Das atividades artísticas, a que mais foge à censura são as artes visuais. Basta olhar para Bosch e Bruegel, só eles conheciam o verdadeiro sentido das suas obras.

Lisboa, sendo uma cidade mais cosmopolita do que Guimarães, era acanhada se comparada com outras capitais europeias. Foi um viajante precoce?
Comecei a viajar aos 18 anos e uma das primeiras viagens foi, claro, a Paris, a meca. Mais de dois dias e duas noites num comboio, em 3ª classe. Fui sem nenhuma informação sobre Paris a não ser a descrita no livro Servidão Humana, de Somerset Maugham. Lá chegado, meti-me no metro e fui para Montparnasse, e aí passei um mês hospedado no Hotel Istria, duas estrelas. Um quarto e casa de banho ao fundo do corredor. Pierre Restany (célebre escritor e crítico de arte francês) conta essa história num livro (José de Guimarães, Le Nomadisme Transculturel, editado em Paris em 2006).

E então, Paris?
Deslumbrante: as galerias, o Louvre, o Museu de Arte Moderna, na altura ainda muito incipiente. Vi lá os meus primeiros «picassos» ao natural.

Que artistas o influenciavam, então?
Como autodidata, eram alguns artistas que conhecia através de publicações, artistas de uma certa vanguarda, Paul Klee ou Kandinsky, por exemplo, antes deles, todos os artistas fauve e depois o grupo Cobra. Foi mais ou menos nesse filão que fui alimentando os meus primeiros passos. Nessa altura, viviam-se em Paris momentos eufóricos nas artes. Foi muito importante para mim..

Nos primeiros anos, 1965 e 1966, as suas pinturas têm já um forte instinto gráfico, com ligação à estética do poster. E é assim que parte para a guerra colonial, em 1967. África teria um papel fundador na sua obra.
Parti levando já sete anos de artista e de pintor ainda com grandes indefinições. Basicamente, fazia o que os outros faziam. A partir do momento em que me encontro com uma cultura diferente, com um outro mundo, e em que me deixo tomar por eles, ganho um caminho. Quis perceber aquela cultura usando os meus processos e tendo tido a sorte de conhecer antropólogos que me ajudaram. Ao fim dos dois primeiros anos de África já tinha construído o meu alfabeto africano.

Um alfabeto com mais de uma centena de símbolos com significações. Uma gramática da sua simbologia?
Sim, e a partir daí defini um estilo que tenho vindo a desenvolver. O meu processo africano foi de tal maneira importante que é, até hoje, a matriz de todo o meu trabalho. Teve de tal maneira força que o processo da construção de alfabetos nasceu aí. Não dou, nem de perto nem de longe, por mal empregue o tempo que passei em África.

As cores fortes já as levava do Minho e das festas minhotas?
É verdade. As cores são as do Minho.

Militar de carreira, coronel de engenharia, acabaria por ficar sete anos em Angola. O que o seduziu em África?
A primeira coisa que fiz foi uma visita ao Museu de Angola. Tive aí os primeiros contactos com as peças africanas de que mais tarde me tornei colecionador. Para África foi o militar e o artista – levei todo o meu material, incluindo a minha prensa de gravura, e criei um atelier. Tive a sorte de encontrar nesses anos um grupo muito interessante, do qual faziam parte artistas como o António Ole e o António Palolo, alguns arquitetos e vários jornalistas que escreviam sobre arte. Era um movimento bastante ativo contra a cultura instalada.

Para África foi também o militar.
Que fazia o que os outros faziam. Era engenheiro militar de telecomunicações.

Tinha consciência política do que representava a guerra colonial?
Não. Estava em África, eu e toda a gente.

Não se questionava?
Não. Estava-se em guerra. Todos estavam desejosos de que ela acabasse. Até lá, cumpríamos a nossa missão.

Estava em Angola na Revolução de Abril de 1974. Como recebeu a notícia?
Eventualmente haveria quem soubesse, eu não sabia e por isso fui apanhado de surpresa. Como era de telecomunicações, a notícia chegou-me em primeira mão. Mas até regressar, cumpri a minha missão.

Entende os ex-combatentes que se queixam de não ter tido do Estado português reconhecimento à altura?
Sim. O Estado português tem obrigação de reconhecer quem lutou pelo seu país. Os militares foram muito maltratados.

1974, de regresso a Lisboa.
O que recebi da cultura africana fez-me definir um estilo e esse estilo fez que a minha obra ganhasse uma definição plástica muito grande. Tinha feito a minha primeira exposição profissional em 1973, em Lisboa, na galeria Dinastia, com obras do período africano, exposição que correu muito bem, com bons artigos nos jornais. Mas o mais importante aconteceria em 1975. Foi-me dada a possibilidade de expor fora de Portugal, sobretudo na Bélgica.

Como é que isso acontece?
No âmbito de um congresso da Associação Internacional de Críticos de Arte. Um dos críticos que estiveram em Lisboa interessou-se pela minha obra e passou a promovê-la na Bélgica. Durante vários anos, toda a minha produção se escoava na Bélgica. Tive então, pela primeira vez, um contrato com um marchant belga. Começou nesses anos a série Rubens.

Faria mais tarde uma exposição na Gulbenkian a que chamou Rubens e José de Guimarães. África, Rubens, mais tarde México. É de paixões?
Sou de encantamentos e deixo-me seduzir. Em 1977, celebrou-se o quarto centenário do nascimento de Rubens e em Antuérpia tudo era rubensiano. Vivia-se um encantamento com o pintor e eu deixei-me tomar por ele. Mas esse período acabou por esgotar-se e eu continuei a viajar.

Nunca mais para África. Ou melhor, regressaria a Angola ao fim de 40 anos para fazer a exposição 40 Anos Depois. Porquê esse afastamento?
Quando deixei Luanda, em 1974, estava prestes a começar, então sim, a verdadeira guerra. Uma guerra civil terrível, que tudo destruiu. O regresso foi, por isso, uma desilusão. A Luanda que eu conhecia era uma cidade onde se podia estar, conviver e realizar coisas. Quarenta anos depois, mal podia sair do hotel. Já não era para mim.

Quarenta anos sem ir a África. No entanto, foi nesse período que construiu a notável coleção de peças africanas.
Comecei a colecionar as peças mal saí de Angola. Todas elas foram adquiridas na Europa. Muitas delas em Paris.

Quantas peças tem? E ainda compra?
Muitas centenas. E ainda compro. Continuam a aparecer peças interessantes, sobretudo de coleções que se desfazem.

Quanto custou a peça mais valiosa?
Não me recordo.

Que destino para elas?
Tenho pensado muito nisso, muito mesmo. Mas ainda não encontrei a boa decisão.

No México, tal como em África, procurou as raízes. Em cada coisa ou lugar apenas lhe interessa o genuíno?
O genuíno, o que não está aculturado. A primeira vez que estive no México fiquei espantado com aquela cultura fabulosa que eu conhecia de uns livros vagos. É impossível não ser tocado por aquela cultura – a morte, por exemplo, é a morte festiva –, por aquele artesanato exuberante. Mais uma vez construí um alfabeto. E durante anos desenvolvi essa temática.

Também aqui os signos ancestrais e o desafio anterior: «Ouvir as imagens», numa abordagem antropológica. Que trouxe de novo a fase México?
Direi singelamente que veio enriquecer o meu reportório cultural e artístico.

Até que ponto a sua obra o define?
Nos últimos anos, tenho passado grande parte do meu tempo a ler os escritos de grandes antropólogos, nomeadamente Lévi-Strauss. E Tristes Trópicos, por exemplo, enche-me de uma vitalidade enorme. Uma vitalidade vinda do ser humano, da sua ação. Gosto da humanidade.

Além de Lévi-Strauss, que outros autores estão na sua biblioteca?
A minha biblioteca é muito compartimentada. Tenho as coisas que falam de África, as que falam da Ásia e da cultura chinesa, e a América Latina. Quer sejam romancistas, antropólogos ou arqueólogos.

África, Ásia, América Latina, no «nomadismo transcultural». Onde se encontra a marca europeia?
É uma boa pergunta. Sou um europeu que correu mundo, nasci por acaso na Cidade-Berço, segui depois o dos navegadores e voltei.

Correu mundo à procura de?
Da humanidade.

A partir de que momento sentiu necessidade de tirar as formas da tela para as pôr de pé?
Aconteceu por acaso. Quando comecei a fazer a arte fragmentada e de grande recorte, olhei para as formas e pensei que poderia transportá-las para o espaço. Comecei então a produzir papel artesanal e a moldá-lo. Começaram assim as esculturas, que mais tarde passariam a ser também de aço inox, betão armado ou ferro.

O acaso dá muito trabalho. Quantas horas diárias trabalha?
Entro no atelier por volta das nove da manhã e saio 11 horas depois. Trabalho como um verdadeiro operário.

Como é o processo criativo?
Lento e longo. Muitos esboços e mesmo assim não quer dizer que não se pinte e repinte, que não seja necessário repetir inúmeras vezes.

Ouve opiniões na fase de criação?
Só depois de concluída a obra.

Quando considera uma obra acabada?
Não é fácil. E de tal maneira não é fácil que, enquanto o artista viver, a obra pode não estar acabada. Um artista pode sempre arrepender-se da obra, mesmo quando esta já não lhe pertence.

Já se arrependeu?
Já. Como já me aconteceu não conseguir acabar uma obra, encostá-la a uma parede e voltar a pegar nela anos depois.

Que definição tem para a atividade de um crítico de arte?
Um crítico de arte é um intérprete da obra de um artista na sua comunicação com o público, podendo mesmo tomar uma atitude criativa em relação à obra.

Já sorriu a ler algumas das interpretações as suas obras?
Devo dizer que muitas vezes o artista está longe de imaginar o impacto e a interpretação que a sua obra vai ter, e à qual é alheio.

Há obras de que não se separa?
Guardo algumas coisas comigo. Mas uma obra só se cumpre quando sai do atelier.

Que obras tem nas paredes de casa?
Algumas coisas de artistas de quem gosto, mas não muitas. Tenho uma de Wilfredo Lam (pintor cubano), uma pequena gravura de Picasso, um desenho de Lindner, uma obra de Hokusai (pintor e gravador japonês do século XVIII), uma de Eduardo Arroyo, outra de Antonio Saura e uma de Francis Bacon, entre outras.

Nem um português?
Vários. Antonio Palolo, por exemplo.

Numa obra de arte, o que é mais importante?
A emoção que provoca.

Quando olha para uma pintura ou para uma obra de arte, em que repara primeiro?
Na capacidade inventiva do autor.

Há uma obra, um quadro essencial?
As três Graças, de Botticelli. Isto no Renascimento. Há quadros de Velásquez e de Goya igualmente muito importantes.

Diz que um dos defeitos mais toleráveis é a vaidade. É um homem vaidoso?
Todos os artistas gostam de ser apreciados.

Vive dividido entre Paris e Lisboa.
Passo em Lisboa dois terços do meu tempo. Em Lisboa, tenho uma rotina mais estabelecida e uma estrutura de apoio organizada. Em Paris, a vida é menos programada.

Uma palavra para cada uma delas.
Para Lisboa, magia. Para Paris, energia.

E qual delas é a casa, o porto?
A casa, o porto, é em Paris, sem dúvida.

A casa de Paris é junto ao Centro Pompidou. Quais são os museus da sua vida?
O Louvre, o Prado, o Centro Pompidou, o Museu do Quai Branly.

Há bons museus em Portugal?
Desde logo dois em Lisboa – o Museu da Fundação Gulbenkian e o Museu de Arte Antiga, ambos com um espólio fabuloso. São dois museus internacionais. E aconselho, sobretudo aos turistas, o Museu Nacional do Azulejo. Não conheço nada semelhante em qualquer outro país.

O que significa Guimarães para si ainda hoje?
A origem, que deu razão a uma vida.

E quais são hoje as inquietações do artista?
Poder continuar a produzir apesar da adversidade.

Aos 76 anos parece ter muitos menos idade. As pessoas dizem-lhe isso?
Algumas vezes. Costumo responder que é dos cremes.

Qual é maior pesadelo de um pintor? Perder a firmeza na mão?
Nunca pensei nisso nem quero pensar. Ter de deixar de pintar seria terrível.

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«O Estado não cumpre a sua obrigação»

A divulgação do seu trabalho na Bélgica em meados dos anos 1970 foi decisiva para poder viver do seu trabalho?
Acredito que sim. Ao contrário de Portugal, onde um artista raramente consegue sobreviver, a Bélgica é um país de grandes colecionadores e onde a arte é vista como pão para a boca. Naquela época, não conhecia ninguém na Bélgica que não comprasse e vendesse pintura. Havia uma grande apetência para a arte. E foi a partir desse momento que comecei a expor em Madrid, em Barcelona, em Milão, na Alemanha. A minha obra passou a ser conhecida.

De qualquer forma, o país sempre o reconheceu.
Também fui mostrando a minha obra em Portugal, e continuo a mostrar. Não me queixo. Encaro estas coisas naturalmente mas nada é linear. Há artistas mais protegidos; há artistas menos protegidos. Portugal é um país muito estranho. Defendo há anos a obrigatoriedade de o Estado constituir um património artístico adquirindo obras aos seus artistas. Mas em vez disso tem-se assistido a um divórcio entre a criação artística e o Estado. Eu tenho pouquíssimas obras nas coleções públicas. Estão fora, a maioria nas mãos de um alemão – Reinhold Würth – que as tem adquirido sistematicamente. Em contrapartida, o Estado não cumpre a sua obrigação. A Fundação Gulbenkian foi durante muitos anos a instituição que valeu aos artistas portugueses. Hoje, há que salientar instituições privadas como a Fundação Carmona e Costa, que tem tido uma valiosa atuação no apoio aos artistas. Há um lado economicista no pensamento dos políticos que tem prejudicado a arte.

Como ministro da Cultura, que primeira medida tomava?
Não sendo nem querendo ser, criava imediatamente um acervo do Estado com as obras de artistas nacionais. Adquirir obras para que, com dignidade, os artistas pudessem criar outras. São inúmeros os artistas que vivem muito mal.

Quem decidiria do valor de um artista ou da importância da obra de arte de forma a evitar que uns fossem mais protegidos do que outros?
A França tem um sistema que funciona bem: através dos fundos regionais de arte contemporânea, as regiões vão adquirindo as obras dos artistas. Serão todos génios? Não, não são, e na melhor das hipóteses vingarão 50 por cento. Mas 50 por cento é muito bom.

Dê exemplos de jovens artistas plásticos portugueses que o Estado deveria acompanhar atentamente.
São inúmeras as exposições que se podem ver em galerias de arte de jovens artistas que merecem ser reconhecidos.

O que pensa do trabalho de Joana Vasconcelos?
Não estou habilitado a pronunciar-me sobre aquilo que ela faz porque conheço mal a sua obra.

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Marilyn heroína

O que é que ainda o comove?
Este fenómeno desgraçado que são os refugiados. Miserável mundo este, que permitiu que se chegasse a isto.

De que sente saudades?
A esperança de paz que dominou o mundo aquando da queda do Muro de Berlim.

Tem Francisco de Assis como herói. É um católico admirador de Francisco?
Gosto deste papa. Defende a humanidade com uma grande humanidade.

E porque razão tem Marilyn Monroe como heroína?
Porque foi uma grande atriz, colocando por detrás de cada personagem uma enorme carga pessoal e sentimental. Isso é notável.

Tem uma página no facebook, que não gere, continua viciado em jornais. O que vê na televisão?
Raramente vejo televisão. Apenas o France 24 e vagamente um ou outro telejornal.