Hillary não é só Hillary

Notícias Magazine

Porque a vitória desta mulher americana deve ser desejada e festejada por todos, independentemente do seu género.

Quando Barack Obama ganhou as primeiras eleições, eu estava em frente a uma televisão algures nos Estados Unidos, e chorei. Na rua, não houve festejos – a política americana não é de manifestações. Mas naquele quarto de hotel houve toda a emoção que era precisa. A excitação jornalística de viver a história. E a comoção pessoal de assistir à vitória dos valores humanistas – e perceber que aquilo que fez a América ser o que é ainda é o que é.

Claro que ajudou que o discurso de Obama tivesse sido tão emocionante e eloquente como seriam todos os seus discursos. Mas um momento histórico é um momento histórico – aquela família negra a pisar a passerelle da vitória, a antecâmara da Casa Branca, onde até há pouco tempo um negro só entraria para servir, era isso mesmo, história. E da boa.

Nesta semana vamos também viver um momento histórico. Teremos uma dualidade que não é binária, mas tem duas opções de sentido oposto – e consequências diferentes. Ou ganha Trump, e verificaremos que o mundo está tão louco como esteve nas antecâmaras das desgraças que nos aconteceram como humanidade. Ou teremos a primeira mulher à frente de uma das maiores potências. E isso será uma revolução, exatamente no sentido contrário.

Na semana passada falei da primeira opção. Agora vou debruçar-me sobre a segunda. Vão dizer‑me que Hillary Clinton vos irrita, já sei. É aquilo a que mais tenho assistido, a esgares de nariz quando se fala no seu nome. Pois devo dizer‑vos que ela é a mais bem preparada candidata de sempre – exceto, talvez, no que diz respeito a conhecimentos informáticos. Já correu muito mundo, conhece os meandros da política americana e mundial. A sua política de «falcoa», e percebendo bem as consequências negativas que já teve no mundo, recuso‑me a julgá‑la com critérios mais restritos do que já apliquei a outros.

Portanto, não, Hillary não me provoca mais nenhum movimento facial que não seja um sorriso. E, no caso de ganhar, eventualmente uma lágrima. Porque é tão importante que ela ganhe, mas tão importante, que não sei se vou conseguir resistir.

Só tenho pena que do outro lado esteja Trump, por causa de quem a vitória de Hillary será tão determinantemente importante que acabará por perder algum do seu estaminal sentido histórico. E não apenas importante para metade da humanidade, mas importante para ela toda.

Como me dizia o português que é deputado estadual nos EUA, Tony Cabral, emocionado: é uma mudança de paradigma. Assim como é tonto que sejam as mulheres, sobretudo, a sentirem‑se ofendidas com a alardeada conduta das mãos de Trump – ou os homens que evocam as suas filhas à conversa para o atacarem –, também é de menos que sejam apenas as mulheres a rejubilar com a primeira mulher a ser eleita presidente nos EUA. Porque estaremos perante um grande passo. Para ela e para toda a humanidade.

[Publicado originalmente na edição de 06 de novembro de 2016]