Por uma sociedade sem diferenças

Fundação AFID Diferença
Fundação AFID Diferença

Defender a igualdade de oportunidades. Integrar pessoas com deficiência intelectual na sociedade através da arte. Olhar para as competências e não para as limitações. Estes são alguns dos objetivos da Fundação AFID Diferença, que defende os mesmos direitos para todos – sem exceção – e que venceu recentemente o Prémio BPI Capacitar.

Leonor tem um dom. Toca piano por instinto. Nunca teve aulas para aprender o instrumento mas ouve uma melodia e consegue reproduzi-la na perfeição. Aos 44 anos, gosta de se sentir ativa e divide os dias entre múltiplos afazeres, mas o piano e a grande paixão. De cada vez que toca o hino nacional, os colegas ouvem-na atentamente, aplaudem e garantem que são transportados para a Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, onde em julho estiveram a receber a seleção nacional de futebol, depois da vitória no Campeonato da Europa.

São 130 e passam boa parte do tempo na sede da Fundação AFID Diferença, em Alfragide, Amadora. Entre ateliês de pintura, tecelagem, cerâmica ou aulas de cozinha, o Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) da instituição apoia jovens e adultos com deficiência intelectual. Como Leonor. Os jovens que integram o grupo de inclusão da AFID estiveram presentes na festa da Alameda, até porque o futebol faz as delícias de muitos deles. Otto elege o Sporting como clube de eleição e o jogador favorito e o holandês Bas Dost, autor do golo contra o Benfica no derby da semana passada. «O meu sonho é ser jornalista desportivo», explica. «Gosto de fazer relatos.» E se os colegas e os monitores pedem para simular um, é o clube de Alvalade que marca golos e fica em vantagem, claro.

Ivo conta que o grupo visitou o Estádio Santiago Bernabéu há dois anos, numa viagem organizada pela associação. Foi a primeira vez que andou de avião. Um sonho concretizado. A viagem deste ano foi dentro de portas mas não menos entusiasmante. «Fomos ao Porto, conhecemos o Estádio do Dragão, comemos uma francesinha e andamos de teleférico. Mais do que memórias, são experiências de uma vida que se pretende igual à de todos os outros.

A escolha dos locais é feita em grupo. Para 2017, a dúvida recai entre Açores ou Itália. «Eles participam ativamente em todo o processo», diz Sofia Pinto, animadora sociocultural. «Pedimos-lhes para explicarem porque é que querem ir a determinado local. Queremos que sejam uma voz ativa desta escolha. A viagem é a cereja no topo do bolo, mas há todo um processo construído em conjunto dentro da nossa missão de lhes dar autonomia e responsabilização.»

A fundação foi criada em junho de 2005 pela Associação Nacional de Famílias para a Integração de Pessoas com Deficiência. A instituição dedica-se desde 1985 a iniciativas de reabilitação, educação, formação e inserção socioprofissional de pessoas com deficiência. Inicialmente localizada numa vivenda, também em Alfragide, com onze camas e a possibilidade de ter vinte jovens em atividades, foi crescendo aos poucos e ocupa agora um novo edifício, com capacidade para mais camas e mais jovens. Atualmente são 36 os residentes, divididos entre os dois edifícios, e 130 a frequentar o CAO.

Nem todos têm o mesmo grau de deficiência ou as mesmas necessidades. «Estamos organizados por atividades de intervenção que dão resposta a diferentes perfis de pessoas com deficiência intelectual», diz a assistente social e diretora do lar residencial, Ana Cristina Fernando. Apesar de a oferta ser abrangente e de ser possível praticar desporto adaptado, é através da arte que a associação promove a inclusão. «Não queremos ter apenas algumas aparições episódicas na sociedade. Optamos por dar-lhes um lugar e um projeto de vida», diz Juvenal Baltazar, diretor adjunto da Fundação AFID.

«Vivemos hoje tempos muito diferentes do paradigma dos anos 1980 e isso deve-se sobretudo ao esforço das famílias que, a dada altura, passaram a ter uma voz e a deixar de ter os seus filhos escondidos do mundo e em casa»

De igual modo, alguns jovens que integram a associação e que tem um tipo de deficiência mais ligeira ajudam outras instituições da comunidade local. «Temos 21 jovens integrados a desenvolver atividades ocupacionais profissionalizantes. Vivemos hoje tempos muito diferentes do paradigma dos anos 1980 e isso deve-se sobretudo ao esforço das famílias que, a dada altura, passaram a ter uma voz e a deixar de ter os seus filhos escondidos do mundo e em casa», diz Juvenal Baltazar. Começaram a não ter vergonha de aparecer com eles na rua e de os apresentar como pessoas de igual dignidade. Deve-se também às instituições que algumas destas famílias criaram, tal como a AFID, e que tem tido o papel de colocar esta questão da inclusão na ordem do dia».

Um dos aspetos que diferenciam a Fundação AFID é precisamente o apoio dado as famílias. Foi a pensar nelas que foi criado o projeto Unidade de Apoio à Família que irá arrancar em janeiro e pretende beneficiar 150 pessoas, no período de um ano. Dar descanso ao(s) cuidador(es) é o objetivo. «Recebemos situações de pais que falham cirurgias programadas porque não têm um suporte de apoio nem locais onde deixar os seus familiares com deficiência», diz Ana Cristina Fernando, coordenadora do projeto, que conquistou o primeiro lugar do Prémio BPI Capacitar 2016 [ver caixa], com uma verba de cinquenta mil euros que permitira arrancar e operacionalizar a ideia. E cerca de 50 por cento do total da verba permitirá «apoiar pessoas com mais carências, sendo possível integrar os seus filhos a custo zero, mediante uma avaliação das necessidades reais das famílias.»

Mediante uma inscrição prévia, os cuidadores de pessoas com deficiência poderão usufruir deste serviço, que consiste em proporcionar alojamento aos fins de semana e nas férias de Natal, Páscoa e verão, promovendo a autonomia. Nesse período incluem-se atividades artísticas e desportivas durante o alojamento, envolvendo parceiros da rede social e empresas da zona. O projeto incluirá uma equipa com psicólogo, assistente social, animadora sociocultural, ajudantes de lar e monitores de workshops.

«Ninguém está preparado para receber a notícia de que o filho tem uma deficiência. Estas famílias passam a ter obstáculos novos a ultrapassar diariamente. Sentir que podemos dar uma ajuda a esse nível é algo que nos enriquece.»

«Acreditamos que é possível superar os objetivos e conseguir ser autossustentáveis a partir de 2018», diz o diretor adjunto. As famílias são um foco de preocupação para os responsáveis. «Ninguém está preparado para receber a notícia de que o filho tem uma deficiência. Estas famílias passam a ter obstáculos novos a ultrapassar diariamente. Sentir que podemos dar uma ajuda a esse nível é algo que nos enriquece.» A associação promove ainda a capacitação e o treino de atividades, como apertar sapatos, fazer a cama, por a mesa, ajudar na confeção das refeições, lavar os dentes, entre outras. «Olhamos para as competências destas pessoas, não para a sua deficiência, explica Ana Cristina Fernando. E é também aqui que surge o desafio de auxiliar as famílias a possibilitar-lhes novas oportunidades. «Se não trabalharmos com elas, algumas podem desvanecer-se.»

Através do gabinete psicossocial da instituição, uma espécie de GPS que dá as coordenadas para que estas pessoas comecem a desenvolver capacidades, há uma tentativa de reposicionar as famílias. «Algumas pessoas passaram toda a vida no contexto familiar com uma superproteção mas mais tarde acabam por perceber que afinal os seus familiares com deficiência conseguem andar na rua sozinhos, atravessar a estrada e vestir-se sem ajuda… São competências que nunca desenvolveram em casa pelo medo que tinham de deixá-los arriscar.»

Ao final do dia, os profissionais sabem que os utentes «se sentem aqui como em casa e essa é a nossa maior compensação», conclui Ana Cristina Fernando.

 

PREMIAR A INCLUSÃO SOCIAL
A Fundação AFID Diferença foi distinguida, no início de dezembro, na sétima edição do Prémio BPI Capacitar, exaequo com a Associação Oncológica do Alentejo (AOAL). Foram ainda premiadas 17 instituições com menções honrosas, escolhidas de um total de 305 candidaturas. Ao todo foram atribuídos 700 mil euros a projetos de instituições que promovem a melhoria da qualidade de vida e da inclusão social de pessoas com deficiência ou incapacidade permanente. Desde a sua primeira edição, o Prémio BPI Capacitar já atribuiu mais de 3,9 milhões de euros a 125 projetos que beneficiam diretamente mais de trinta mil pessoas com deficiência.

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