Abrandar ou acelerar na comida

Fatias de piza versão fast food de qualidade competem com a opção de um restaurante slow food cem por cento saudável e natural. O Pizza a Pezzi, de Erica Porru, enfrenta o Local, de Maria Gray. Ou como defender duas maneiras de estar na restauração…

Dois conceitos de cozinha antagónicos. O Local, em Cascais e em Lisboa, serve a chamada slow food, cozinha de dedicação, preparada com calma e serenidade apenas com ingredientes naturais. Do outro lado, o Pizza a Pezzi, em Lisboa, pizas verdadeiramente italianas em fatias, servidas com o ritmo despachado da fast food, mas também com produtos frescos. Será que a «velocidade» da comida é uma alavanca assim tão diferenciadora? Serão compatíveis ou concorrentes? Maria Gray, do conceito comer devagar, e Erica Porru, do conceito comer depressa, não andaram à bulha.

Seja como for, Maria começa por dizer que a slow food também tem que ver com a confeção dos ingredientes. No seu caso, estes são preparados e criados com tempo. Sim, slow food também é isto: «O conceito do meu restaurante é levar as pessoas a comer muito mais proteína vegetal, apreciando comida saborosa sem o peso de não comerem proteína animal.» E também pode ser sinónimo de soul food ou comida de alma. «A minha alma está lá. Neste tipo de comida, uma pessoa põe quase a sua personalidade nas receitas», diz.

Fazendo de advogado de defesa da fast food, perguntamos se a concorrente não demora de mais a confecionar. Maria garante que no seu Local tal não acontece: «Sei que a minha clientela procura mais o nosso tipo de comida ao almoço e, nesse período, claro que as pessoas não podem esperar muito. Faço slow food mas não demoro muito a servir os almoços! Dez, quinze minutos no máximo.» Erica sorri e diz que ganha muitos clientes dos outros restaurantes que demoram mesmo muito tempo a servir. No caso das suas pizas, a velocidade é uma mais-valia: «O que acontece ali no
Mercado da Ribeira é que muita gente, enquanto espera pela refeição principal, acaba por ir buscar uma fatia…» Ou seja, às vezes a slow casa com a fast.

Outro dos prazeres da slow food é podermos pensar em «tempo de qualidade» (os mais chiques dizem quality time) à mesa. Claro que um interminável banquete com os amigos é impossível com uma ida ao McDonalds da esquina. «Os meus clientes acabam por ficar muito tempo à mesa a falar sobre os ingredientes que comem nos nossos pratos», adianta Maria. E é aí que há uma faísca de discórdia com a sua oponente. Erica lembra o seguinte: «Sou também fã de estar horas a cozinhar para os amigos e ficar muito tempo à mesa, mas no caso das minhas pizas, também uso ingredientes que podem apelar à conversa dos comensais. Dou um exemplo: uso trufa e também porcini, que vou comprar na Herdade do Freixo do Meio sempre que eles têm. Tenho também outras com flores de curgete ou anchovas. Portanto, tenho produtos que só uso quando os fornecedores têm…» A grande vantagem que apregoa para a sua dama é o lado prático, a acessibilidade do take-way. A fast food transporta-se com facilidade, a slow… nem por isso.

Voltamos aos argumentos em prol do conceito mais lento: «O prazer de explicar as minhas receitas», diz Maria.

Outra das ideias feitas destes registos de consumo gastronómico passa por pensar que a slow food é para os adultos e a fast food para os mais novos. «É errado», diz Erica e elabora: «Desde que, felizmente, veio esta moda da comida saudável e de os chefs serem pop stars, tenho clientes de todas as idades.» Maria não se fica: «Os adolescentes também adoram a nossa comida! Diria que até estão mesmo muito na onda! Penso que a slow food cada vez é mais importante até para a alimentação das crianças. Para já, começa a haver em termos de ensino uma prevenção direcionada à obesidade. Há cada vez mais uma prioridade em informar as crianças sobre o que devem comer.»

Erica não esconde a água na boca e vontade de fazer um raid ao Local, mas é a primeira a convidar a adversária para uma visita às suas pizas. Será que Maria é capaz de consumir a fast food mais pura e dura? «Sim, quando estou esganada de fome, mas, depois, reajo francamente mal – a gordura trama-me.»

«Pois, mas eu só uso azeite. Em cima da piza, nunca uso óleo nem nada de gorduras. Além do mais, a nível de bebidas, recuso refrigerantes à exceção da Coca-Cola. A fast food não tem de ser prejudicial à saúde!», dispara Erica, lembrando que o melhor é comer com calma a sua comida, que é feita de forma rápida mas sem pressas.

A fast food no futuro deve e vai ficar com mutações mais saudáveis. A slow, por seu turno, vai deixar de ser um nicho. Rápida ou lenta, era tão bom começarmos a comer melhor.

MARIA GRAY
Sente-se uma novata no negócio da restauração. Em novembro, começou o Local em Cascais e há menos de dois meses abriu a versão lisboeta no Palácio Chiado. Antes, já era fã da arte gastronómica e tinha o blogue Gray’s Cuisine, onde veiculava os seus gostos de cozinha. A mãe também tinha uma empresa de catering e o Local só não nasceu antes porque Maria esteve a dar mais atenção aos seus cinco filhos.

ERICA PORRU
Entre a maquilhagem para o cinema e a televisão e a aposta nas pizas vai um passo. Neste caso, o seu amor pela cozinha. Um amor cimentado por ter crescido nos bastidores do mais afamado restaurante italiano de Lisboa, o Casanostra, no Bairro Alto, propriedade da sua mãe, bem como a casa de pizas Casanova. Outras das suas paixões é o seu trabalho de recuperação de peças encontradas no lixo e antiguidades.