Entrevista a Nuno Markl

Aos 45 anos e com um filme escrito por si – Refrigerantes e Canções de Amor – pronto a chegar aos cinemas, Nuno Markl revela-se aliviado por já não estar a fazer o 5 para a Meia-Noite. O mundo louco do argumentista segue em setembro com Uma Nêspera no Cu, nos coliseus, e novos projetos na net. Tudo explicado nesta conversa íntima, talvez demasiado íntima.

Fazemos esta entrevista no dia em que acabaste de ver a última versão pronta do teu primeiro argumento para uma longa-metragem, Refrigerantes e Canção de Amor, realizado por Luís Galvão Teles. Agora já não há mais nada a fazer, o filme está aí. Qual é a sensação?
Pois, agora já não se pode mexer mais… Confesso-te, ando com esta obsessão: cada vez que vejo o filme – e vi muitas vezes as várias versões –, tento limpar da minha cabeça que fui eu o autor do argumento, ou seja, tento pôr-me no lugar do espetador. Enfim, gostava mesmo de perceber o que sentiria se apanhasse de repente com Refrigerantes e Canções de Amor.


Conheça a trama e o elenco de Refrigerantes e Canções de Amor.


Quando vês os resultados finais de projetos que escreveste tens sempre esse problema?
Fico sempre muito enervado e tenso. Tenho sempre ideia de que não era bem assim… Se calhar, passa-se o mesmo com todos os argumentistas de Hollywood. É que, a dada altura, o que se vê num filme não é necessariamente o argumento imaginado. Por exemplo, este não é um filme de Nuno Markl, mas sim de Luís Galvão Teles. O que está ali é a minha visão filtrada por um realizador. É claro que é natural que eu pense que não faria desta ou daquela maneira, mas às tantas temos de respeitar e saber largar o «filho» no mundo e fazer que ele conheça outras pessoas.

Sentes que estão lá os marklismos?
Sim, estão lá os marklismos que pus na história. De facto, é uma história muito pessoal, tem muito que ver com o que estava a sentir quando escrevi o argumento em 2007. Saiu-me das entranhas. Estava a separar-me da minha primeira mulher.

Esta não é a tua primeira experiência em cinema como argumentista. Sentes que ao longo destes anos tiveste algum azar no que toca a resultado final?
Sim, quer dizer… haverá sempre uma insatisfação qualquer, tipo «eh pá, eu se calhar estava a ver isto de outra maneira», mas lá está: é a altura em que tenho de me desligar daquilo que escrevi. Sabes, em vez de estar a dizer estas coisas, se calhar, um dia deveria experimentar ser eu a realizar!

Isso seria possível?
Aqui há uns tempos diria que só queria escrever, mas tenho várias pessoas à minha volta a dizer que eu deveria realizar. O Filipe Melo [realizador] é uma dessas pessoas, e se calhar vou mesmo experimentar. Tenho dois argumentos escritos e um deles poderá acontecer em breve. Estamos já a mexer nisso. Será comédia mais assumida do que o Refrigerantes, que, às tantas, tem muito sofrimento e muito romance. É um guião com muito humanismo e mais cómico.

Olhas certamente para os tantos argumentistas de Hollywood que depois se transformaram em realizadores, não é?
Sim, mas este guião de que estou a falar, o Manual de Instruções, já mostrei aí a uma pessoa forte do cinema português que tu sabes quem é mas eu não posso revelar aqui, e o que te posso dizer é que ele adorou a história. Sabes, é um argumento que até me pode fazer sentir confortável a realizar.

Qual pensas que possa ser a grande dificuldade em realizar?
Coisas técnicas, talvez… Uma coisa que o Filipe Melo me diz, e que o Woody Allen também disse parecido, é que um gajo não precisa de saber de lentes nem dessas coisas. O que precisa é de um bom diretor de fotografia e um bom assistente de realização. De resto, é dar-se bem com os atores e perceber bem cada cena. Por isso, começo realmente a ter vontade de realizar.

Quando foste à rodagem de Refrigerantes, já estavas a estudar…
Sim! Foi giro começar a imaginar-me ali no meio. Gosto muito de visitar rodagens. E para as coisas funcionarem, há que reunir uma equipa infalível, em que todos remem para o mesmo lado.

Desculpa lá, mas por seres tão bonzinho não há aquele perigo de teres medo de dizer «corta» ou «não está bem»?
Não… [risos]. Tens razão, isso pode ser lixado… Mas se se gerar uma relação de confiança e até existir amizade, se calhar nem é preciso haver conflitos.

Já agora, como é a tua versão quando há conflitos? O que as pessoas podem esperar de um Nuno Markl enfurecido? Há muito aquela aquela ideia de que és o «gajo porreiro»…
E sou! Mas não penses que os conflitos não acontecem… Por exemplo, nos Refrigerantes surgiram conflitos. Por outro lado, é daquelas coisas… conflitos criativos têm de surgir, mas é evidente que sou mais diplomata quando há que gerir problemas. Contudo, se tenho de dizer alguma coisa, digo e até fico irritado. Não fico é irritado muito tempo. E não sou nada rancoroso. Esqueço-me muito depressa de tudo.

E como está aquele teu argumento, o Por Ela, muito falado por ter tentado financiamento através do crowdfunding?
Trata-se do outro que está na calha e não quero deixá-lo morrer. É um argumento bastante mais negro. Às vezes, nem é comédia… é só supertrágico! Adorava que se concretizasse, nem que seja para ouvir «isso é muita areia para a tua camioneta».

Um dos teus projetos recentes que tem tido maior sucesso é o Uma Nêspera no Cu, nascido de um podcast de humor que tens com o Filipe Melo e o Bruno Nogueira. O que poderá acontecer nos coliseus de Lisboa e Porto, em setembro?
O que vai acontecer é uma celebração de um dos projetos mais livres e independentes em que já nos metemos, o Bruno, o Filipe e eu, com uma série de espetáculos que vão fechar a Nêspera. Não vai haver mais depois. Acho que fizemos a quantidade certa de episódios, já íamos começar a tornar-nos repetitivos e vale mais sair em alta e deixar saudades do que espremer a nêspera para lá do sumo que ela tem para dar… Já estamos a planear uma coisa nova os três para 2017, também num formato exclusivo para a net. Nenhuma televisão, nenhum patrocinador nos garante a liberdade total que trabalhar à borla para a internet nos dá!

Chegaste a sentir-te ofensivo nos desafios que a Nêspera propõe?
Nunca, apesar das brutalidades que dizemos. E acho que o Bruno analisou esse feeling melhor do que ninguém: tudo o que dizemos na Nêspera não vem de um lugar mau dentro de nós. Pelo contrário, é algo Peter Pan – é um projeto criativo, que dá trabalho, mas na sua essência são três adultos (quatro, contando com cada convidado) a recuperar uma liberdade adolescente. Há uma certa inocência nas maiores brutalidades e ordinarices que ali dizemos, essa é que é essa!

Quem te conhece sabe que tu estás sempre a trabalhar. Já te apeteceu abrandar?
Já, agora estou mais seletivo. Digo que não a muita coisa e, para isso, tenho a ajuda da agente, a Anabela. É ótima a dizer não.

As pessoas têm a ideia de que estás em todo o lado.
Estou porque acho interessantes as mais variadas propostas… Dou um exemplo: disse que sim à dobragem da versão portuguesa do Cegonhas [animação de Hollywood] sem me dar conta de que ia cair em cheio nas minhas férias. Achei que não poderia recusar – o filme é hilariante.

Mas a tua prioridade é o teu filho.
O meu filho também surgiu na minha vida para me mostrar que há coisas mais importantes do que o trabalho…

Pergunta indecente: a paternidade mudou-te como escriba?
Mudou! Durante uns tempos foi o combustível da minha comédia… escrevi imenso sobre o Pedro e até criei rubricas de rádio e mais não sei o quê, a um ponto que as pessoas já gritavam JÁ SE PERCEBEU QUE ÉS PAI! Ainda assim acredito que o tema seja inesgotável. Nestas férias, pelo meio de todos estes medos e inseguranças à volta do filme – será que isto funciona, as pessoas vão gostar? – consegui ensinar o meu filho a nadar. Não sou um grande nadador, mas nado! O que não sei é andar de bicicleta, mas deu-me mesmo um grande gozo ensinar o Pedro a nadar e conseguir que ele perdesse o medo da água. Dou por mim a pensar: isto é que foi um projeto incrível. Não vale a pena estar a stressar se as pessoas vão gostar ou não do Refrigerantes e Canções de Amor!

Andas nisto há tantos anos que já deves saber gerir quando as pessoas não gostam tanto de algo que escreveste…
Sim, são muitos anos disto e já passei por vietnames incríveis. Quais? Aquele programa do Herman para a SIC, o Hora H, que foi uma hecatombe de todo o tamanho, apesar de me ter dado muito gozo a escrever. A verdade é que é uma série que tem muita coisa de que eu gosto. O problema foi que a SIC não percebeu que não se faz comédia como se faz novelas, ou seja, é impossível fazer comédia em série, tipo à pazada.

És das pessoas em Portugal com maior número de fãs. A pergunta que te faço é se gostas sinceramente dos teus fãs?
Gosto pois!

Eras capaz de ir para a cama com uma fã?
Quem sabe?! [gargalhadas]. Põe risos a seguir ao quem sabe [mais gargalhadas]. A sério, gosto! São uma comunidade muito intensa, visitam-me na rádio e gera-se cumplicidade.

Não te chateiam muito?
Não me chateiam muito… Claro que encontro pessoas na rua que querem tirar selfies comigo, mas estou em paz com isso.

As pessoas associam-te muito à nostalgia que fazes dos anos 1980, mas, por outro lado, também já fazes muito a nostalgia dos anos 1990.
Claro! É que se os anos 1980 são a nossa nostalgia de crescimento, os noventa têm que ver com o facto de ter começado a trabalhar nessa década. Comecei a trabalhar em 1991.

Entretanto, nas redes sociais deu que falar a história do teu recente aniversário dos 45, em que foste surpreendido pelos teus amigos e que acabou numa noitada no Casino Lisboa. Sei que ficaste apaixonado por uma slot machine…
Sim, a slot machine do Beetlejuice – Os Fantasmas Divertem-se! Carambas! Quanto é que custará essa slot machine em segunda mão?! O que se passou foi o seguinte: tinha planeado uma festa de anos incrível. A ideia, que será concretizada quando fizer os 46, era juntar uma série de adultos e fazer um jantar com bebidas e comida de adultos num centro de insufláveis. Acho superinjusto que aquilo seja só para crianças. Neste ano, com isto tudo – o filme, o trabalho na rádio e o divórcio – não consegui. Tive um ano drenante, tudo me sugou a energia. Enfim, cheguei a esta altura e estava arrasado, sem conseguir organizar fosse o que fosse. De repente, a minha ex-mulher e a minha agente marcaram-me uma festa surpresa com amigos, da qual fizeste parte, bem como o Ricardo Araújo Pereira, o Fernando Alvim, o Vasco Palmeirim, o Filipe Melo e o Bruno Nogueira. No fim, fomos para o casino jogar, e a ideia do Filipe era a de que todos fizessem uma vaquinha para que, em caso de vitória, eu recebesse o dinheiro. O que foi cómico é que se reuniu logo 40 euros e o Filipe, numa fezada, gastou-os logo na roleta. Foi incrível! Em dez segundos perdemos 40 euros!

Mas depois, no Blackjack, vibraste…
Pois vibrei! Até nos ofereceram bebidas! No entanto, gostaria de fazer uma crítica… nada contra o gin, que é ótimo, mas odeio a ideia de se pôr pepino. Gostaria de deixar isto explícito. Devo dizer que também apanhámos muitos chineses a olhar para nós, sobretudo nos breves momentos em que o Ricardo começou a ganhar. Aquele casino tem personalidades incríveis lá dentro, um ótimo sítio para observar pessoas.

Foi uma noite surreal…
Sim, mas foi muito divertida e louca. Fez-me muito bem! Atenção que eu estava a ficar deprimido com a idade… 45 anos é uma idade redonda e nada estava a acontecer nesse aniversário, apesar de no começo ter pensado que ia para um pacato jantar com o meu filho e a minha mãe…

E a orgia que se seguiu com aquelas miúdas, como é que foi?
[pausa] É nesta parte que temos de esclarecer que o entrevistador está a inventar e a provocar-me…

NUNO MARKL
Homem de rádio e da televisão, Markl teve formação de jornalismo no Cenjor e começou a fazer rádio a sério na Correio da Manhã Rádio, mas foi na Comercial que ganhou relevância nas manhãs com a rubrica O Homem Que Mordeu o Cão. Figura de proa das Produções Fictícias, escreveu para a nata dos humoristas portugueses, de Maria Rueff a Herman José, passando por António Feio, Bruno Nogueira ou José Pedro Gomes. O seu universo de cinéfilo (em tempos chegou a ser crítico da Ousar e da Premiere) e de cultura pop pode ser posto à prova no seu site A Cave do Markl. Depois de já não fazer parte da última série do talk show televisivo 5 para a Meia Noite, apresentou na RTP o brilhante Animais de Estimação, ao lado de Ana Galvão, a sua ex-mulher.