Eleições americanas: Os candidatos invisíveis

Há vida além de Hillary e Sanders, Trump, Rubio e Cruz. 1567 cidadãos inscreveram-se como candidatos às eleições presidenciais norte-americanas. A maioria corre como independente, alguns têm apoio de partidos minoritários. São as franjas do sistema e são tradicionalmente invisíveis, mas estão a ganhar força. Até onde menos se esperava: dentro dos partidos.

Em Wall Street, o distrito financeiro de Nova Iorque, toda a gente queria que Michael Bloomberg se candidatasse a presidente. O antigo mayor da cidade venceu as eleições locais de 2001 como republicano, apesar de até estar filiado no partido democrata. Em 2007, desvinculou-se de qualquer organização partidária, mas continuou no cargo até 2013. «Se alguém conseguisse ganhar a Hillary Clinton era ele», dizia em Novembro a revista Atlantic. «O eleitorado quer gente que não tenha relação com os políticos do passado.» Mas o milionário, que já anunciou que não se candidatará, respondeu que era demasiado independente para ganhar uma nomeação de um dos grandes partidos. «E há demasiados tipos fora do habitual a poderem chegar lá.»

Bloomberg sabe que uma candidatura sua daria força a Donald Trump, cada vez mais bem posicionado para ser o candidato republicano às eleições de novembro. «O aparecimento do Tea Party, há uns anos, já era um sintoma do que podia estar para acontecer», diz, à NOTÍCIAS MAGAZINE, Wally Dean, que foi durante vinte anos diretor do departamento de Washington da cadeia televisiva CBS e hoje coordena, ao abrigo do Poynter Institute da Universidade de Harvard, um programa de formação para a excelência no jornalismo. «Houve uma apropriação dos partidos pelos grupos minoritários e independentes, algo que aqui chamamos os terceiros partidos. Grupos que não representam a maioria do eleitorado tradicional mas, com o descrédito das lideranças e a crise económica, conseguiram levantar a voz e fazer-se ouvir.» Para o jornalista, Donald Trump e Ted Cruz são isso mesmo, candidatos independentes que se apropriaram do espaço republicano, «esvaziado desde a presidência desastrosa de George W. Bush».

Dante Chinni, politólogo e professor na Universidade Americana de Washington, alinha pela mesma batuta. «Abriram-se fissuras nos partidos que permitem dar protagonismo a um novo tipo de eleitorado, que antes não cabia na esfera de democratas e republicanos», diz-nos. Em 2009, Chinni escreveu um livro em que antecipava a ascensão das vozes independentes, ou pelo menos com a aparência de independência – Our Patchwork Nation. A obra anuncia uma nova tipologia dos eleitores americanos que vai além de conservadores ou liberais. «Trump, por exemplo, está a conseguir seduzir os brancos com baixo nível de escolaridade que não vão à igreja. Ora este grupo nunca tinha tido qualquer representação senão nos terceiros partidos. Normalmente, não votava.»

Segundo o Federal Election Commision (FEC), uma espécie de comissão nacional de eleições, há 1567 cidadãos que se inscreveram como candidatos à presidência dos Estados Unidos para o escrutínio deste ano. Há um tipo chamado Fidel Castro, outro chamado Rocky Balboa e há um Rod Silva, filho de imigrantes brasileiros (ver caixa). «Nas últimas eleições, eram apenas 332, ou seja, de 2012 até agora há cinco vezes mais inscritos», diz por telefone Julia Queen, porta-voz do FEC. Uma grande parte desistirá antes de Novembro e a maioria não conseguirá chegar a um boletim de voto. «Mas há um sinal claro de mudança», vaticina Wally Dean. «Enquanto na Europa se assiste a uma ascensão de partidos que tradicionalmente não chegavam ao poder – e alguns deles bem radicais –, aqui essas forças estão a entrar nos partidos tradicionais.»

É virtualmente impossível um candidato conseguir ganhar as eleições sem o apoio de democratas e republicanos. Afinal, para ser presidente, é apenas preciso ser cidadão americano nascido nos Estados Unidos, ter no mínimo 35 anos e ter vivido no país por pelo menos 14 anos.

O formulário, que pode ser preenchido online ou enviado por correio, pede apenas dados básicos, como nome, endereço e nome do comité de campanha, e é automaticamente colocado no site da FEC, sem verificação da identidade ou qualificação dos candidatos. «Mais e mais pessoas estão a ver que é fácil fazer a candidatura e por isso inscrevem-se», esclarece Julia Queen. «A maioria não procura mais do que um pouco de celebridade.»

Apesar de ser fácil preencher o formulário de inscrição, a FEC só aprova oficialmente candidatos que tenham angariado cinco mil dólares em doações – e isso elimina logo a fatia de leão da lista. Depois, conseguir aparecer num boletim de voto é historicamente difícil e, desde 1856, nunca os eleitores tiveram mais de cinco nomes entre os quais decidir. Há dias, também a propósito de Bloomberg, o New York Times comentava que este boom de candidatos independentes era na verdade uma mão-cheia de nada e outra de coisa nenhuma. «O candidato de um terceiro partido tem de confrontar-se com tremendas dificuldades sem a enorme organização e infraestrutura dos grandes partidos. É muito difícil conseguirem ter acesso aos critérios de todos os Estados, é difícil conseguirem angariar apoio popular disperso e, mesmo que o consigam, o sistema eleitoral funciona em colégios, em que o vencedor de um Estado ganha todos os representantes desse Estado», escreveu o jornalista Brendan Nyhan.

Ross Perot foi provavelmente o último a conseguir ir até ao fim e constar de todos os boletins norte-americanos. Cada Estado define os seus critérios para que um candidato possa entrar na corrida. Pode ser angariação de assinaturas, um bom resultado no último sufrágio ou uma votação relevante nas assembleias populares, que do outro lado do Atlântico se chamam de Caucus. Perot, um multimilionário que financiou a sua própria campanha, conseguiu chegar ao terceiro lugar nas presidenciais de 1992, com 18,97 por cento dos votos. Bill Clinton foi o presidente eleito.

O outro nome incontornável entre candidatos de terceiros partidos é Ralph Nader. Não que o ecologista tenha alguma vez angariado uma votação como Perot, mas a segunda vez que se candidatou a umas presidenciais pelo Partido dos Verdes (candidatou-se quatro vezes), tornou-se uma figura-chave das eleições. Foi nas eleições de 2000, em que o candidato democrata era Al Gore e o republicano era George W. Bush. Gore perdeu o estado da Florida para Bush por 537 votos – e W. pode agradecer a Nader ter chegado à Casa Branca. Com um discurso ecologista que não era assim tão diferente do candidato democrata, Ralph Nader tinha 97 421 votos.

Nas eleições de 2016, só dois partidos podem virtualmente vencer as eleições, além dos suspeitos do costume. Novamente, Os Verdes, que apresentam a física Jill Stein, já por duas vezes candidata a governadora do Massachusetts, e o Partido Libertário, com o antigo governador do Novo México, Gary Johnson, como cabeça de lista. São formações políticas estabelecidas há muitos anos e conseguem ir mais longe do que a maioria. Na improbabilidade de ganharem em todos os Estados em que concorrem, podem angariar pelo menos metade dos 538 votos no Colégio Eleitoral. São precisos 270 nomeações para ganhar a maioria absoluta. Mas o facto é que nenhum dos dois alguma vez conseguiu ir às urnas em todo o território.

Dante Chinni diz que só há na verdade dois candidatos do establishment. Do lado dos democratas é Hillary Clinton, do lado dos republicanos seria Marco Rubio. Bernie Sanders, por um lado, Donald Trump e Ted Cruz, por outro, estão nos extremos dos partidos a que concorrem, e são as novas equações com que a América tem de jogar. O primeiro é um liberal que tem meio mundo a apelidá-lo de socialista (o que, nos Estados Unidos, está longe de ser um elogio). Trump trouxe a xenofobia para a campanha, Cruz anulou a separação entre Estado e Igreja. Mas é cada vez mais provável que seja entre os dois últimos – Trump leva séria vantagem na corrida – que se decida o candidato conservador. E isso significa o que nunca ninguém esperou. Que, afinal, os independentes podem chegar ao poder. Como? Dentro dos partidos.

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O CANDIDATO QUE FALA PORTUGUÊS
Chama-se Rod Silva, é filho de imigrantes brasileiros e dono de uma cadeia de comida saudável, a Muscle Maker Grill, com mais de 50 restaurantes em todo o país. Nasceu em Newark, entre a comunidade portuguesa de New Jersey, mas é no Estado norte-americano do Colorado que vai aparecer nos boletins de voto. Isso significa que, na melhor das hipóteses, Rod conseguirá nove representantes do Colégio Eleitoral, muito abaixo dos 270 necessários para eleger um presidente. Tem 43 anos, duas filhas e concorre com o apoio do Partido Nutricionista. No seu site – rodsilva2016.com – explica que a sua missão é tornar a América a nação mais saudável do mundo. A sua prioridade é o combate à obesidade, colesterol e diabetes. «Esta campanha servirá para alertar sobre as más escolhas alimentares que fazemos.» Pode não ser o fim da picanha, mas é uma guerra contra a feijoada.