Ditaduras dão-se mal com a ciência. E é recíproco

Notícias Magazine

A obsessão de Hitler pela «raça pura» era puramente idiota, pois uma população tem mais hipóteses de sucesso quanto maior for a sua diversidade genética, que é o que lhe permite adaptar-se a diferentes condições. A Alemanha nazi sofreu um êxodo tremendo de cientistas, alguns dos quais foram para os Estados Unidos construir a bomba atómica. A derrota dos aviões da Luftwaffe pela Royal Air Force inglesa deveu-se, em boa parte, ao radar, uma ideia de um jovem engenheiro escocês. Winston Churchill escreveu: «Se a ciência britânica não se tivesse revelado superior à alemã, poderíamos muito bem ter sido derrotados e, sendo derrotados, ter sido destruídos.»

A União Soviética está entre os vencedores da Segunda Guerra Mundial, não por causa da ciência mas à custa de um avassalador número de baixas (superior ao da Alemanha). Cerca de uma centena de membros da Academia das Ciências Soviéticas foram enviados para campos de trabalho, por praticarem ciência não socialista. A seleção natural, por exemplo, soava a capitalismo. Os desvarios agrícolas lamarckianos de Trofim Lysenko, um dos pseudocientistas do regime, causaram muitas mortes desnecessárias pela fome. Apesar da espionagem e da propaganda, a União Soviética acabou por perder a corrida ao espaço e ao armamento nuclear.

Os regimes autoritários nunca foram grandes colossos científicos. A ciência precisa de liberdade para pensar e criticar: não tem razão quem tem o poder, mas quem apresenta provas. E a liberdade também precisa da ciência, pois esta é um desafio ao autoritarismo, que favoreceu o desenvolvimento das democracias modernas. A ciência ajuda a ganhar guerras, por vezes necessárias para defender a liberdade. E possibilita a muitas pessoas viverem melhor, o que é fundamental para seremos livres. As ditaduras são menos favoráveis à ciência e por isso os resultados são bem mais fracos face aos recursos nela investidos.

Por cá, a ciência também não se deu muito bem com o Estado Novo. Vários académicos e intelectuais foram proscritos e, nalguns casos, forçados ao exílio. Aconteceu, por exemplo, com o médico Abel Salazar, o físico Mário Silva e os matemáticos Aniceto Monteiro e Bento de Jesus Caraça. Para o Estado Novo, a ciência era ornamental. Com a democracia assistimos a um progresso extraordinário na educação e na ciência. Mas estamos a recuperar de um enorme atraso: estivemos no século xix até 1974. Ainda temos muito caminho de ciência e liberdade pela frente.
Periscópio
CARLOS FIOLHAIS E AS FRONTEIRAS DA FÍSICA
Nos últimos cem anos a física conheceu um progresso extraordinário, permitindo-nos, por exemplo, saber como funciona o Sol ou construir lasers. No entanto persistem mistérios, como a matéria negra e a energia escura do cosmos e a falta de ligação entre a relatividade de Einstein e a teoria quântica. As fronteiras da física são o tema da palestra de Carlos Fiolhais na próxima quinta-feira, às 18h00 no Rómulo – Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra (http://www. uc.pt/iii/romuloccv).
BIOÉTICA E VACINAÇÃO INFANTIL
É o tema do próximo Dia C, um ciclo de conversas sobre ética nas ciências da vida, organizado pela Ciência Viva e pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Na próxima quinta-feira às 19h30 no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa (http://www.cienciaviva. pt/diac/).